No ritmo do tempo

por Nathalia Zaccaro

Jards Macalé dá um tempo de suas tardes tranquilas cheias de música e YouTube e se une a Kiko Dinucci e Romulo Fróes para lançar seu primeiro disco de inéditas desde 1998

Jards Macalé fica muito em casa. Passa as tardes em seu apartamento no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, ouvindo raridades no YouTube e refletindo sobre a passagem do tempo. De vez em quando se deixa levar por um passeio pelo bairro, vai até a padaria tomar um café e conversar com os vizinhos. Mas não se demora e volta logo pra casa. “É ótimo morar sozinho, só com minhas coisas. Como disse o João Gilberto, não existe solidão porque estou sempre com meus barulhinhos internos”, diz.

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Mas essa rotina está prestes a se agitar. Jards foi um dos selecionados do último edital da Natura Musical e está começando a produzir seu primeiro disco de inéditas desde 1998. O projeto terá produção musical do Kiko Dinucci e Thomas Harres e direção artística de Romulo Fróes. “Não sei explicar porque demorei tanto para gravar novas canções, mas agora surgiu de novo essa necessidade orgânica.”

Ele adiantou para a Trip seus pensamentos sobre o novo projeto:

Trip. Kiko e Romulo são dois caras da nova geração. Como está sendo essa parceria?

Jards Macalé. Eu já tinha tocado algumas vezes com o Metá Metá, a convite do Kiko. Fizemos versões de músicas minhas em shows no Rio e em São Paulo, mas tudo meio improvisado. Eles revisitaram minhas músicas mais antigas, como "Vapor Barato", "Movimento dos Barcos" e temas anteriores, a gente fez umas variações livres. Eu adoro as guitarras dele. Passamos uns dias em um sítio em Penedo, ficamos tocando livremente, a coisa ainda está tomando forma. Mas foram dias ótimos de muita risada. O Romulo tem um trabalho próximo do meu, especialmente nesse disco que ele lançou em homenagem ao Nelson Cavaquinho, que gosto muito.

Como é pra você o lance de estar em um edital, ou seja, ter que cumprir prazos e lidar com certa burocracia? Ah, me obriga a trabalhar, né? Sentar, pensar, rever coisas antigas e de outros artistas. Ajuda, porque faz com que eu me vire. Se não, fica aquela coisa de preguiça, certa indisposição. É importante fazer um esforço especial para compor novas músicas, ampliar a visão.

Você já tem algo em mente para as canções? Eu vou começar a compor agora, tem muita coisa já meio traçada, mas agora que vou começar mesmo a delinear o disco. Quero falar sobre o tempo. Ele é esse condutor da vida, que vai abrindo, indicando e determinando os caminhos. Acho bonito o que o Paulinho da Viola diz: meu tempo é hoje. Envelhecer é maravilhoso. Assim como Nelson Rodrigues, eu recomendo: envelheçam. Me considero hoje muito mais livre. Eu me prendia dentro da minha própria cabeça, queria ser alguma coisa, me obrigava a existir como.. sei lá. Agora eu só vivo.

O cenário político nacional atual está bastante caótico e existe uma cobrança de que os artistas se engajem. É um assunto que deve estar presente de alguma maneira no novo disco? Eu sempre estive ligado a tudo isso e acredito que nesse próximo disco isso vai estar presente sim. O Brasil está aflitivo, está um ponto de interrogação. Pensar no Brasil é pensar nas possibilidades de solução desse mistério profundo que é o Brasil de agora. Mas como vou falar disso eu ainda não sei. Vai vir.

Em 2015, o Kiko Dinucci e a Natura Musical participaram do lançamento do disco A Mulher do Fim do Mundo, da Elza Soares, que foi um enorme sucesso e marcou uma nova fase da carreira dela. Desde já existe uma comparação e uma expectativa em relação a esse seu novo disco, também em parceria com Kiko e Natura. Como é isso pra você? Eu não gosto dessa comparação. Adoro a Elza Soares, esse disco é espetacular e as coisas antigas dela também, mas não gosto dessa comparação. Não gostaria que houvesse essa expectativa, parece que vai forçar alguma coisa.

Por muito tempo você foi considerado um “maldito” da música brasileira. O que isso significou? No princípio era interessante. Ser maldito era estar perto de poetas malditos, como Baudelaire, por exemplo. Mas o tempo passou e o que era uma qualificação interessante ficou parecendo meio amaldiçoado. Antes era ligado ao estranho e eu gosto de vozes estranhas, Louis Armstrong, Nelson Cavaquinho, pessoas com identificações não catalogadas. Era interessante, mas agora eu acho que não cabe mais esse adjetivo.

Preparamos uma playlist com alguns dos clássicos de Macalé. Dá o play que vale a pena:

Créditos

Imagem principal: Divulgação

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