por Carol Ito

Artistas e ativistas criam projetos socioculturais para ocupar espaços de São Paulo com arte e projetos de inclusão social

Circular por uma cidade como São Paulo é estar muitas vezes diante dos rastros deixados pela falta de planejamento com que a cidade se desenvolveu. Em meio ao caos do trânsito, à falta de segurança e à vida agitada, sobra pouco tempo e espaço para a vida comunitária, fora do padrão climatizado e aparentemente seguro dos shopping centers.

Nas últimas duas décadas minorias vêm ocupando a cidade, como destaca o professor de história Thiago Florêncio, especialista em literatura, cultura e contemporaneidade. “São corpos [de mulheres, negros, índios, trans] que ocupam os lugares ociosos e normatizados trazendo outras perspectivas históricas e culturais sobre os territórios”, observa o professor. Os projetos socioculturais e as ocupações artísticas são como “pontos de soltura”, que rompem com o projeto colonial de formação das cidades baseado na exclusão dos mais pobres, o que significa pensar na exclusão de classe, cor e gênero de modo interligado.

Um caso recente se tornou emblemático em relação à disputa pelo território urbano: a conversa entre o ator Zé Celso (Teatro Oficina) e o apresentador Silvio Santos, mediada pelo atual prefeito de São Paulo, João Dória. “São lógicas diametralmente opostas de pensar, viver e ocupar a cidade. ”, afirma Adriana Schneider Alcure, atriz e professora de teatro da UFRJ. Para ela, enquanto Zé Celso defende a criação de um espaço público aberto, Silvio Santos e João Dória “acreditam no sucesso infalível do dinheiro e do espetáculo como solução para todos os males do país, numa ideia estéril e segura de lazer”.

Felizmente, o shopping não é mais a única opção e projetos socioculturais que pipocam pela cidade surgem para quebrar essa lógica e oferecer atividades que proporcionam uma reflexão crítica sobre o espaço que habitamos. Coletivos de artistas e ativistas dão novo significado aos blocos de concreto da metrópole, muitos deles abandonados há anos, como destaca Samir Raoni, um dos fundadores da residência artística Ouvidor 63.

A Trip foi conhecer espaços que oferecem programação cultural gratuita e ocupam a cidade de forma criativa.

Casa do Baixo Augusta 

A casa fica na rua da Consolação e se tornou sede do bloco de carnaval Acadêmicos do Baixo Augusta. O projeto foi inaugurado em outubro como uma plataforma que mistura economia criativa, ativismo e carnaval. A programação inclui debates, shows, cinema, lançamento de livros, roda de samba, entre outras atividades gratuitas e abertas ao público.

O bloco é conhecido por seu caráter ativista, como explica Alê Youssef, um dos fundadores: “Há dez anos, nós tivemos que desfilar quase em caráter de protesto pelo direito de ocupar as ruas. Hoje está havendo uma retomada do carnaval de rua da cidade”.

A Casa do Baixo Augusta funciona como uma extensão da luta pelo direito de ocupar o espaço urbano e tem a essência carnavalesca como princípio. “O carnaval representa a defesa da arte e da liberdade, inclusive nesse momento obscuro, de pessoas reproduzindo discursos ultraconservadores”, conclui Alê.

Vai lá: rua Rêgo Freitas, 553, Vila Buarque, São Paulo.

Casa 1

“A ideia surgiu no final de 2015, quando comecei a receber, no meu próprio apartamento, jovens LGBTs que foram expulsos pela família”, conta o idealizador Iran Giusti. A iniciativa teve tanta repercussão que ele recebeu cerca de 50 pedidos de moradia em dois dias, o que o fez pensar em um projeto maior para acolher a comunidade LGBT, que terminou batizado de Casa 1.

Foi a partir de um bem-sucedido financiamento coletivo, e também graças ao apoio de patrocinadores, que eles conseguiram alugar um espaço no bairro Bela Vista, capaz atualmente de receber vinte pessoas, sendo que cada uma delas por permanecer lá por temporadas de no máximo três meses.

Além de oferecer hospedagem gratuita, a Casa 1 mantém uma programação cultural aberta ao público e atendimento para moradores de rua. “A gente alugou um sobrado onde a parte de cima é residência e a parte de baixo um centro cultural. Tem biblioteca, uma sala de convivência e a sala do atendimento paliativo para a população em situação de rua, que pode retirar roupas e produtos de higiene pessoal”, explica Iran.

Apesar de São Paulo parecer mais receptiva à comunidade LGBT, pelo menos na opinião de muita gente, as histórias de pessoas que passam pela Casa 1 provam que não é bem assim. Daí a importância do projeto: “É um lugar onde ser LGBT é um pouco mais possível”, acredita Iran.

Vai lá: rua Condessa de São Joaquim, 277, Bela Vista, São Paulo.

Ouvidor 63

A ocupação artística Ouvidor 63 fica no centro de São Paulo, na região da Sé, e foi criada em 2014 com o planejamento do coletivo Androides Andróginos, que já atuava na região. “A gente montou um projeto de integração de vários nichos da arte, como audiovisual, literatura, cinema, dança, performance, música, e sentamos com esses artistas para pensar a cidade”, conta Samir Raoni, um dos idealizadores.

O projeto oferece uma série de oficinas, cursos, cineclube, estúdio musical, atelier compartilhado, além de apresentações de dança, circo e teatro. O prédio, que ficou abandonado por 9 anos, abriga cerca de 100 pessoas, o que garante o fluxo criativo constante, como explica Samir. “Se o artista tem um lugar para morar pode oferecer como contrapartida sua investigação artística para a cidade”, completa.

Vai lá: rua do Ouvidor, 63, Sé, São Paulo.

Nós de Oz

O coletivo Nós de Oz foi criado em maio de 2013 e é formado por artistas, educadores e jornalistas de Osasco. A sede do coletivo é uma ocupação que fica no centro da cidade da Grande São Paulo: “A gente foi dialogando com o proprietário porque o imóvel estava parado desde o ano passado. O dono tem o projeto de derrubar o prédio, que é muito antigo, e construir um novo. Até o fim do ano a gente tem que sair”, explica Dario Bendas, um dos idealizadores.

A casa sedia programação cultural que passa por música, teatro, literatura e dança, organiza rodas de conversas com temas ligados à juventude, às mulheres e ao movimento negro, além de também organizar ações em prol de políticas públicas culturais. “Através do nosso movimento e colando com outros a gente conseguiu formar um conselho municipal de cultura, que é representado pela sociedade civil”, explica Dario.

Vai lá: rua Ten. Avelar Píres de Azevedo, 331, Centro, Osasco, São Paulo.

Créditos

Imagem principal: Divulgação

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