por Redação

Jamais acreditei que os anos de prisão que cumpri pagasse a estupidez de meu ato. Sempre que vem à mente, penso nos filhos de minha vítima: o que terá acontecido com eles?

O que a gente ganha com tudo isso de dor, tristeza e vida? Acabo de assistir a um filme que me responde: tudo o que pudermos aprender. A história versa sobre um jovem que, por razões políticas, na Espanha, mata três pessoas e vai preso. A sua terceira vítima, um policial já baleado e indefeso, pede que não o mate, pois tem filhos pequenos e esposa para sustentar. Ele atira, matando-o implacavelmente.
Vai sofrer as agruras da prisão especial destinada aos “CEs” (Condenados Especiais), tipo de prisão perpétua. É um desses homens que se fecham em convicções e amam a dor de sofrer pelo que julgam ser verdadeiro. Conheço tais desequilíbrios emocionais muito de perto. Os guardas da prisão prevalecem, como sói é de acontecer, e o torturam quase que diariamente. Ele não fala com guardas ou diretores, acumula ódio para sobreviver de raiva.

Uma bela enfermeira inicia um tratamento de curativos diários em suas costas açoitadas, cheias de feridas. Acabam conversando e ela apaixona-se pela coragem com que o sujeito suporta o massacre a que está sendo submetido. Alguns fazem o que querem, outros o que podem e somente os que têm coragem fazem o que devem. Ela denuncia aquela prática desumana e o preso é removido para uma instituição menos opressiva. Nesse processo, ele fica conhecendo os três filhos dela, naturalmente se apaixonam e querem virar família.
O preso ganha nova vida, inicia estudos de pintura; ela vende seus quadros e a vida parece caminhar para a pacificação. Um de seus amigos na prisão, em busca de fuga, esconde uma arma dentro de uma de suas latas de tinta. Os guardas encontram. Em castigo, ele é removido para uma prisão de regime duro, onde seu sonho de família parece se acabar. O sofrimento é aterrador e é então que ele começa a pensar que não tem mais o direito de formar família. Remete-se ao policial que pediu pela vida em nome de sua família e ele o matou. Arrepende-se amargamente ao perceber na carne o quanto significava a família para sua vítima.

E eu, exatamente nesse momento, também entrei em parafuso. Eu também matei um policial. Sempre soube que ele tinha família. Jamais acreditei que os mais de 30 anos de prisão que cumpri, pagasse a estupidez de meu ato. Sempre que vem à mente, penso nos filhos de minha vítima: o que terá acontecido com eles? Sei de minha responsabilidade sobre isso e a assumo inteiramente, mas jamais me ocorrera que, porque impedi esse homem de continuar sua família, me fosse negado construir a minha. E agora, depois de assistir a este filme, essa dor se abateu sobre mim com uma violência tão louca que bem sei explicar.

Tentei construir família, casei e tenho dois filhos pequenos. Mas estou separado há anos, desde antes haver sido libertado da prisão. Saí cheio de vontade de encontrar alguém para amar, ser feliz e talvez, juntos, construir família. Agora, após três anos, começo a perder a esperança e já nem procuro mais. Talvez eu vá ficar sozinho exatamente porque não mereço família, amar, ser amado ou ser feliz. Diante das circunstâncias, dá para pensar isso, ou não?

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