Escravidão não é coisa do passado

Tpm / Moda

por Camila Eiroa

Um dos fundadores da ONG que criou o app Moda Livre, Leonardo Sakamoto fala sobre consumo consciente: ’’é quase um milagre’’

Você deixaria de comprar roupas de uma marca que trabalha com mão de obra escrava? Desde 2013, o aplicativo para celular Moda Livre vem mudando o consumo de moda no Brasil. A fórmula é simples: através de análise feita junto com investigações do Ministério do Trabalho e com questionários enviados a grandes redes varejistas, é possível denunciar marcas que utilizam trabalho escravo em sua cadeia de produção.

Nascido da ONG Repórter Brasil, que tem 14 anos, o APP funciona como uma peneira para o consumidor - as marcas apresentam melhor, intermediária e pior avaliação. O jornalista Leonardo Sakamoto, um dos fundadores da ONG, conta que a organização surgiu principalmente para tornar públicos casos de violação de direitos humanos, ambientais e trabalhistas.

Foram mais de 700 cadeias rastreadas pela Repórter Brasil desde 2003, o que permitiu que fosse criado o Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil em 2005, uma iniciativa que reúne as empresas que se comprometeram a combater o trabalho escravo no país - como Carrefour, Petrobrás e C&A.

"O consumo consciente exclui quem não tem dinheiro"

"Somos considerados referência mundial no combate ao trabalho abusivo, mas as pessoas só percebem a desgraça quando ela está muito perto. Em alguns países o quadro é pior, como Bangladesh. Mas acontece é um problema global", conta Leonardo. Sob constantes ameaças e processos jurídicos, a organização aposta nos grandes investidores para erradicar o trabalho escravo: "compradores têm medo de ter suas marcas vinculadas a quem tem trabalho escravo, marcas têm medo de perder a fonte do dinheiro".

Hoje, o jornalista acredita que "o consumo consciente é uma pegadinha". Para ele, é impossível cobrar do consumidor uma responsabilidade ambiental e humana se não lhe são oferecidas informações necessárias. "Como eu posso garantir esse tipo de comportamento se eu não garanto informação? Além disso, é preciso um contexto econômico favorável. O consumo consciente exclui quem não tem dinheiro", afirma.

No entanto, Leonardo não enxerga no boicote às marcas uma solução. "Se fôssemos boicotar tudo, não consumiríamos nada. O ato de boicotar funciona durante poucas semanas, no máximo. Depois o público se entrete com outros problemas sociais e as marcas podem trabalhar na sua imagem", diz, reforçando a força da publicidade em disfarçar marcas que estão sujas de exploração humana.

"Ninguém quer que empresa feche. Queremos que elas estejam saudáveis e gerando empregos"

Dois anos depois do lançamento do Moda Livre, Sakamoto conta que "as marcas não admitem que esse trabalho faz alguma diferença, mas por outro lado, muita gente chega através do aplicativo e critica a realidade do trabalho escravo de determinada loja. É algo muito limítrofe, as pessoas ficam realmente consternadas e não toleram mais isso."

Existem marcas que saíram da lista negra e trabalharam sua imagem para reverter o quadro. Outras, ao se recusarem de simplesmente responderem o questionário, entram para o ranking de não confiáveis.  No Brasil, a fiscalização é feita pelo Ministério do Trabalho desde 1995 através de denúncias. Diversas oficinas de costura em condições degradantes já foram descobertas como produtoras de grandes redes de fast fashion. "Ninguém quer que empresa feche. Queremos que elas estejam saudáveis e gerando empregos de acordo com a lei", finaliza o jornalista.

Vai lá: www.reporterbrasil.org.br  e www.inpacto.org.br

Segundo a ONG mundial ASI (Anti-Slavery International) são quatro os elementos fundamentais para definir escravidão:

Trabalho forçado; por opressão física ou psicológica

Servidão por dívida; quando o trabalhador é possuído ou controlado pelo empregador

Condições degradantes; trabalho sem dignidade, que põe em risco a saúde e vida do trabalhador

Jornada euxastiva; levar o trabalhador ao esgotamento completo pela intensidade da exploração, colocando em risco sua vida

 
  
fechar