David Lynch Foundation Concert

por Kátia Lessa

Ela viu o show dos Beatles Paul e Ringo, e conta tudo para seu filho (que ainda não nasceu)

Vai soar estranho... Mas quando alguma coisa grande acontece na minha vida eu sento e escrevo uma carta para o meu filho. Eu ainda nem tenho um, mas quando ele crescer vai ganhar uma pequena pilha de rabiscos que guardo desde os 14 anos. Uma espécie de melhores (e piores) momentos da minha vida. A última delas foi escrita na semana passada, em NY, e ficou assim:

Querido(a) ................................... (use o espaço em branco para escrever o nome dele(a) e provar que as cartas são mesmo suas. Isso pode inclusive ser usado contra mim).

I Want to Tell You...

Escrevo esta carta de um banco no Central Park, em NY, acompanhada apenas de um café com creme. Faz muito frio e é a primeira vez que vejo neve. Não deveria nevar, estamos em abril, mas os últimos dias têm sido tão mágicos que eu não duvidaria se um arco-íris aparecesse por aqui também. Acho que nunca falamos sobre os Beatles, né? Vim até NY por causa deles. OK, 50% deles. Paul e Ringo tocaram juntos no último sábado (eles não faziam isso desde o tributo a George Harrison, em 2002), no festival promovido por um outro homem do tipo que você deveria prestar atenção: David Lynch (a cabeleira dele não é incrível?). Além de ser um dos maiores diretores da minha geração, ele trabalha para implantar a meditação nas escolas, e o concerto aconteceu para arrecadar grana para essa causa. E foi uma noite muito especial. Talvez você nem ligue. Talvez você ache esse papo de meditação meio hippie ou não seja apaixonada por rock ou cinema tanto quanto eu. Mas queria que você lembrasse que, às vezes, vale a pena jogar tudo pro alto para viver alguns poucos minutos de alguma coisa de que você realmente goste muito. Pode ser um show, uma final de campeonato, o cheiro de uma comida, uma pesquisa científica, o que for... Só para sentir o coração acelerar, as mãos ficarem geladas, o sorriso incontrolável. Só para um dia você poder contar para o seu filho e reviver tudo aquilo.

Quando a sua avó tinha pouco menos da minha idade, ela passou uma temporada na Europa. Eram os anos 60, e ela não foi a nenhum show dos Beatles nem dos Stones, apesar de gostar das duas bandas. Nunca consegui entender. Quando os Stones foram para o Brasil pela primeira vez, fiquei maluca para ver os caras no palco e não repetir o feito da minha mãe, mas... Durante uma briga besta com a sua tia Marina, quebrei o nariz dela e fiquei de castigo, proibida de ver o Mick Jagger. Desta vez, mais velha, cuidei para não machucar a fuça de ninguém e tive uma noite inesquecível.

Tudo aconteceu no Radio City Music Hall, onde as quase 5 mil pessoas presentes estavam especialmente eufóricas. Do lado de fora, a polícia isolava os fãs espalhados por toda a lateral do teatro (que, aliás, é lindo). No salão de entrada, milionários, hippies, artistas, crianças e idosos não conseguiam esconder o sorriso largo. Eu não vi, mas dizem que Yoko Ono e Martin Scorcese também compareceram. Para entrar ali, foi preciso fazer uma inscrição pela internet, para tentar ser sorteado e ter o direito de comprar a entrada. O que torna todas aquelas pessoas ainda mais sortudas. Eu não fui sorteada, mas consegui uma credencial, e um dia depois já estava aqui.

A atriz Laura Dern ajudou David na apresentação das atrações. Para começar, o pianista Angelo Badalamenti tocou a música tema da série Twin Peaks (já ouviu falar?). Sob as cortinas de veludo vermelhas tocaram também Bettye Lavette, Eddie Vedder (incrível), Donovan, Ben Harper, Moby e Sheryl Crow. Mas o ponto alto mesmo foi ouvir, ali na minha frente, “I Saw Her Standing There”, “Cosmically Conscious”, “Boys”, “Yellow Submarine”, “Here Today” , “Lady Madona”, “Got to Get You Into My Life” e os clássicos “Blackbird” e “Let it Be”. Principalmente por não serem tocadas por bandas cover de peruca ridícula e terninho preto. Eu chorei tanto... Meu Deus... Tudo isso acompanhado de vídeos antigos dos Beatles, principalmente da passagem deles pela Índia, gritos e participações cômicas de Jerry Seinfeld (ele é ainda mais engraçado ao vivo) e o maluco do Howard Stern.

Ah, como eu queria que você sentisse tudo isso também. Faz frio, o café acabou e o vendedor de hot dog aqui em frente não entende por que esse meu sorriso escapa insistentemente. Do you want to know a secret? Eu tenho 27 anos e acabo de ver dois dos Beatles. Será que você consegue os Stones?

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