Meu coração de pedra-pomes

por Natacha Cortêz

Prestes a lançar seu segundo livro, Juliana Frank fala sobre suas livres personagens femininas


Paulistana e moradora do Rio há dois anos, a escritora Juliana Frank, 28, tomou gosto pela literatura desde muito pequena, quando lia e decorava as peças de Shakespeare. Em São Paulo, entre as ruas do Baixo Augusta, apurou seu estilo de escrever na noite rock and roll da região e o endossou com suas principais referências, que vão do russo Vladimir Nabokov à cantora e compositora Angela Ro Ro

Seu primeiro livro publicado, Quenga de Plástico (7 letras), a revelou como um dos novos e fortes nomes da literatura erótica brasileira. Por causa dele, a escritora ganhou fama de desbocada e ousada na sua linguagem e recebeu críticas por escrever sobre sexo da forma como faz.

Prestes a lançar seu segundo livro, Meu Coração de Pedra-Pomes (Companhia das Letras), Juliana teve uma longa e animada conversa com a gente. Ela contou como foi escrever seu último trabalho, falou de inspiração, de sua nova heroína, Lawanda, "uma adolescente sem pai nem mãe, meio sem norte nem oeste", e do gosto por criar personagens mulheres: "adoro as personagens femininas. Domino muito mais na levada narrativa. E sou filha do feminismo. Então percebo que eu devo escrever essas mulheres libertadas. Gosto de libertá-las".


Tpm. 
Esse é seu segundo livro. Certo?

Juliana Frank. Isso. O primeiro é o Quenga de Plástico (7 letras). Depois participei de uma antologia de contos eróticos da Editora Geração, 50 Versões de Amor e Prazer. E tenho mais um no prelo: Cabeça de Pimpinela (7 letras).

O que está no prelo vai ser lançado? Também este ano. Ainda não tenho data definida.

Meu coração de pedra-pomes fala sobre o que? Sobre a Lawanda, uma adolescente sem pai nem mãe, meio sem norte nem oeste. Ela trabalha em um hospital e é considerada louca. Ela cria suas próprias macumbas e coleciona besouros. É uma menina muito sozinha, cheia de idéias amalucadas. Quando eu comecei a escrever, alugava um quarto na casa de uma evangélica. Então quis falar de religião, de loucura. Essas coisas que estão por aí e estavam por lá.

Então sem sexo desta vez? É, quase não tem sexo desta vez. Mas no que estou escrevendo agora tem um pouco. O sexo não é mais o meu assunto. Essas coisas mudam naturalmente.

Não sentiu vontade de falar dele com Lawanda? A história foi ganhando outros contornos. Eu já escrevi o Quenga e diversos outros contos com muito sexo . Eu gosto de escrever sobre sexo porque liberta a narrativa. Mas a Lawanda tinha que pensar em besouros, tinha que pensar nas macumbas dela. A personagem me limitou dessa maneira. E eu fui contar a história dela.

O nome dela, a inspiração é a fragrância, lavanda? Não. O nome dela é Wanda. Mas como é pequeno e não quer dizer nada, ela mudou para Lawanda.

Qual é a idade dela? 19 anos.

Você disse que alugava um quarto na casa de uma evangélica quando escreveu o livro... Isso.

Onde foi isso, no Rio de Janeiro? Eu alugava uma casa na Gávea. A dona era evangélica e fazia orações o dia todo. Tentava tirar o diabo de mim. E eu coloquei ela como a vilã da minha história. Usei frases dela no livro. Eu escrevi o livro muito rápido. Escrevia dez, vinte páginas por dia. 

Mas você viveu até pouco tempo atrás em São Paulo, não? Eu nasci em SP. Mas me mudei para o RJ há dois anos.

E como você foi parar nesse quarto na Gávea? Eu vi um anúncio na internet e aluguei. Era um ótimo lugar para escrever e morar. Tranquilo, muito bonitinho. Mas foi só por um tempo.

E a Lawanda surgiu dessa experiência. Você não pensava nela antes? Não. Não pensava. Mas sempre quis criar uma personagem como ela.

Por que? Porque ela é guiada pelas suas ideias. E por isso é considerada louca. Hoje em dia, é muito comum ouvir que alguém tem distúrbios mentais. Uma banalidade qualquer pode ser vista como loucura. Ela faz trabalhos escusos no hospital, inventa as macumbas, jura que seu coração é de Pedra-Pomes.

E o que vocês duas têm em comum? Olha, eu me inspirei em uma amiga para criar a Lawanda. Mas é claro que ela deve ter algo de mim. Vamos esperar a leitura da minha terapeuta. 

E por que pedra-pomes? É aquela de manicure, né? Sim. A pedra flutua. É uma rocha vulcânica. Então, um coração leviano, eu diria.

Bem moderno, bem atual o tipo de coração. Por isso a Lawanda gosta tanto dos besouros? Sim, bem atual.  Coração de carne está fora de moda. Mas ela conversa com besouros, coleciona. Isso não quer dizer nada, absolutamente.

Nada? É uma mania dela. Só isso.

 

"E eu adoro as personagens femininas. Domino muito mais na levada narrativa. E sou filha do feminismo. Então percebo que eu devo escrever essas mulheres libertadas. Gosto de libertá-las."

 

Seu conto, o que saiu na Folha de S. Paulo, Viúva de quatro, tem bastante palavrão. Meu coração de pedra-pomes também, ou nada deles? Deve ter bastante. Mas palavrão é palavra. Formula frase igual.

O que a Lawanda tem em comum com suas outras personagens? Seja a viúva do conto, ou a prostituta do seu primeiro livro, Quenga de Plástico? Todas as minhas personagens gostam de peripécias. Isso é coisa minha. Eu sou muito folhetinesca. Tenho nojo de tédio.

Então são muito fantasiosas? Isso. A Lawanda é bastante fantasiosa. No meu livro novo (o que estou escrevendo agora) estou mais realista. Acho que é a idade.

Você está com 27? 28.

E qual é seu signo? É Peixes! Sou típica. 

E por que sempre meninas? Escreveria com um protagonista menino? Te animaria menos? Olha, eu já amei alguns homens. Mas jamais os entendi. Amar um homem é, basicamente, desistir de entender. E eu adoro as personagens femininas. Domino muito mais na levada narrativa. E sou filha do feminismo. Então percebo que eu devo escrever essas mulheres libertadas. Gosto de libertá-las.

Não entender os homens torna menos possível escrever sobre eles? Eu coloco uns homens na minhas histórias. Mas nunca coloquei em primeira pessoa. Talvez em um conto ou outro. Mas não aspiro criar um romance inteiro com um deles.

Como assim "sou filha do feminismo"? E como acha que contribui com as causas feministas com o seu trabalho? As mulheres da minha geração (talvez da sua), já cresceram votando, escrevendo, casando com o maluco que quiser. As nossas questões são diferentes. Por exemplo: eu recebo muitas críticas e ataques por escrever sobre sexo da forma como eu escrevo. As pessoas ainda esperam a delicadeza e a sutileza que ressoa dos tempos passados. Mas não ajudo em nada as causas, meu trabalho é propositalmente inútil.

Inclusive seu trabalho com roteiro é propositalmente inútil? Continua com os roteiros, certo? Sim. Eu sou roteirista. Escrevo por encomenda. Na hora de criar, eu prefiro escrever meus livros. Eu escrevo pra televisão, quase sempre. E é o mundo do não pode. Me vingo nos meus livros, onde eu posso tudo. Essa mania de que tudo tem que ter um fim educativo, elucidativo, transgressor, limita demais a criação. Eu não tenho essas ambições. Conheço pessoas que fazem literatura feminista, literatura contra a homofobia. Eu faço só literatura. Pode ser de péssima qualidade, mas eu faço.

Quando Quenga de Plástico foi lançado muita gente disse que você revolucionou a literatura erótica nacional com ele, que trouxe um olhar fresco. Pois é. Disseram. Talvez porque seja uma prosa não muito sentimental.

 

"Porque não esperam que uma mocinha se retrate usando aqueles termos todos. Isso me diverte. Eu cresci com liberdade (moral). Nunca pensei: sou mulher e vou fazer isso para chocar. Eu nem imaginava que o mundo era, ainda, tão obsoleto."

 

Ou porque quem escrevia era uma garota? Isso. Porque não esperam que uma mocinha se retrate usando aqueles termos todos. Isso me diverte. Eu cresci com liberdade (moral). Nunca pensei: sou mulher e vou fazer isso para chocar. Eu nem imaginava que o mundo era, ainda, tão obsoleto.

E quando Meu coração de pedra-pomes chega às livrarias? Em julho. Ainda não tenho a data exata, mas será em julho mesmo.

E me conta: quais foram seus primeiros contatos com a literatura? E suas maiores referências literárias, aquelas que te formaram como escritora? E as que te formaram como pessoa? Eu leio desde pequena. Acho que o livro que me levou a amar a literatura e escrever foi Lolita, Nabokov. Eu lia muito Shakespeare e decorava as peças.

Lolita é estupendo. Sim, melhor livro do mundo.

O que mais? Poesia é essencial para escrever. Kerouac, claro. Elliot. Cortazar, sempre. O Fante. Eu misturo muito. Dostoievski. Maia. Nelson Rodrigues. Esses caras todos.

Alguma mulher? Hilda Hilst. Sou fã das cantoras Maysa e Angela Ro Ro. Meu livro novo, que comecei há nem um mês, chama-se: Uísque e Vergonha, em homenagem à Angela.

A gente vai precisar se falar de novo quando esse livro sair. Claro. Mas vai demorar, esse. Escrevi o Meu coração de pedra-pomes muito, muito rápido.

Quanto tempo no total? Uma semana. Depois fiquei reescrevendo, durante muito tempo. Ah, coloca na matéria que a Marta Garcia me ajudou pra caramba. Ela que escolheu o título do livro e fez uma edição foda!

Marta deu a ideia do título então? E a ilustação da capa, de quem é? Elisa von Randow fez o design. Iza Figueiredo a ilustração, que faz esses trabalhos de costura incríveis! 

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