Um carinho para a cidade

por Camila Eiroa

Duas amigas descobriram no crochê uma forma de chamar a atenção para lugares esquecidos da cidade e assim nasceu o coletivo meiofio

Crochê, geralmente presente nas lembranças queridas de vó. Assim como o tricô, as peças de lã ou linha feitas à mão trazem sempre um afeto consigo. Nara Coló Rosetto sabe bem disso, já que cresceu dando nós nas linhas junto com sua mãe e sua tia. Mesmo que o hábito tenha sido deixado de lado ainda na infância, a hoje arquiteta e urbanista não se esqueceu do sentimento de ternura pela prática.

Aos 28 anos, a paulistana se encontrou com uma amiga, Carol Stoppa (também arquiteta), e redescobriu a vontade de crochetar. Acostumadas a observar a cidade, surgiu, então, a ideia de fazer um crochê urbano. "Começamos a fazer intervenções em São Paulo junto com o Coletivo Agulha. Isso me deixou em contato com ativistas da cidade e percebemos intenções diferentes, o que nos levou a criar o coletivo meiofio", diz Nara.

Há um mês na ativa oficialmente, o meiofio já fez várias ações pela cidade. Entre elas, a festa junina no Minhocão, XIX Parada LGBT de São Paulo, Conexão Cultural no MIS São Paulo Francesa e o plantio de mudas na avenida São Luís, pela Green SP. O Sesc Pinheiros também foi palco para a intervenção Sombra Lineares, em que as sombras dos passantes foram tecidas por meio da técnica string-art, quando a linha forma desenhos ao redor de pregos.

Além das duas amigas, hoje tem cerca de dez pessoas que fazem parte do coletivo e engana-se quem pensa que só garotas se interessam pela iniciativa. "A grande maioria das meninas vieram do Agulha, mas o Heitor, por exemplo, veio da festa junina do Minhocão, ele aprendeu a fazer crochê na própria festa". Entre as arquitetas, tem também tradutor, produtor e nutricionista.

"Falta esse olhar carinhoso para a cidade e, a partir do momento em que você se identifica com o espaço, você tem que cuidar mais dele. Quando você sente um pertencimento àquele lugar, é levado a pensar como se fosse uma parte da sua própria casa. E a gente cuida da nossa casa, né?", explica Nara ao contar que a motivação maior é se apropriar de espaços públicos e chamar a atenção para eles. 

Essa é a principal motivação para que os encontros sejam feitos nas ruas. "Além de ser um jeito de se apropriar dos espaços públicos, de conversar com as pessoas e de entender o espaço que a gente está usando, a gente faz um carinho na cidade, leva um pouco de cor e chama a atenção das pessoas para um lugar que às vezes está esquecido", conta a arquiteta.

E por que o crochê? Ela responde: "São técnicas que remetem ao carinho, sempre feitas à mão para enfeitar a casa. As peças demoram para serem feitas, e durante o processo a gente costuma lembra de histórias das nossas avós, que se reuniam sempre no sofá para conversar e crochetar". Carinho, inclusive, é palavra repetida quando ela fala sobre o projeto.

"Acho que cria uma surpresa e um encantamento quando as pessoas encontram as intervenções. Elas sempre vêm acompanhadas com algum poema ou música e geralmente são em lugares que precisam de alguma manutenção", reflete a arquiteta.

Ela também conta que a maioria das peças não resistem muito, já que as pessoas costumam levar para a casa. "Às vezes a intervenção é mesmo nesse sentido, de as pessoas pegarem. Como exemplo, colocar cachecóis para as pessoas no frio, como a Carol já fez antes do meiofio, no inverno de 2014."

E isso não é motivo pra lamentos, significa que as ações estão servindo ao que vieram: trazer um olhar consciente e afetuoso dos transeuntes para a cidade. 

Vai lá: Facebook meiofio

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