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por Natacha Cortêz

Sexo, aborto, amor livre, culto ao corpo, nada escapa das palavras da artista independente mais poderosa da atualidade

Amanda Palmer, 36, ou Amanda Fucking Palmer, se você preferir, não tem lá um perfil ortodoxo de cantora pop, mas é capaz de fazer tanto barulho quanto às estrelas dos tapetes vermelhos e das listas da Billboard. Para produzir e promover seu terceiro disco de estúdio, Theatre is evil, a novaiorquina arrecadou 1,2 milhões de dólares através do site Kickstarter, sistema online de financiamento coletivo que apoia projetos artísticos. O surpreendente em tempos de ações como essa é que Amanda conseguiu doze vezes o valor que pedia. O álbum ficou em décimo lugar nas paradas dos Estados Unidos e o barulho, mais uma vez, aconteceu.

Mais uma vez porque a cantora não é nova em nada disso. Nem nos projetos de vaquinha pela internet, nem no burburinho. A última notícia sobre ela conta que andava pagando músicos de sua turnê com cerveja e abraços. Amanda confirmou a história. Feminista, sem travas na língua, bissexual e casada com o quadrinista e escritor Neil Gaiman, já fez músicas sobre aborto, sexo, amor livre, depilação, drogas e nudez. Nada escapa das suas palavras. Sua vida é uma extensão das canções que faz. Só canta o que vive, ou quer viver, "A música é a ferramenta perfeita para tudo o que eu tenho feito em toda a minha vida".

À Tpm, entre outros assuntos, ela falou sobre a experiência de produzir um disco sem amarras, sobre a relação livre com o marido e sobre a vozes por trás de suas músicas.

Tpm. Você parece ser uma artista livre. Seu comportamento diante dos fãs e diante da indústria musical parece muito livre também. A impressão é que apenas faz de acordo com a sua vontade. Como é manter essa postura? Deve haver um preço a se pagar por ser assim.
Amanda. Não é difícil, nem tão custoso assim. É fácil porque é o que quero, então é muito natural. Eu não queria chegar no ponto onde cheguei pra ser rica, ou famosa. Eu queria desesperadamente me conectar às pessoas, para encontrar meus amigos, minha comunidade. O dinheiro e a fama vêm, são muito bem vindos, mas eles não são o que eu procurava. Eu procurava por abraços, amor, conexão, o choro junto. Assim é fácil. A única coisa que é difícil é que também é difícil para as pessoas entenderem: minha agenda é diferente de um artista pop que só quer fazer seu dinheiro e obter uma mansão em Beverly Hills. Eu não vejo isso como um jogo que você pode ganhar. Eu acho que você só tem a ganhar quando você está dentro, feliz de fato, sentindo o verdadeiro amor, amando a si mesmo, agindo por amor. Dinheiro e fama não compram essas coisas.

 

"As relações que estão apenas jogando por regras são infelizes. Não se pode comprar um conjunto de regras de relacionamento em uma prateleira"


Você é bissexual e tem uma relação livre e aberta com seu marido. É isso mesmo? Você ainda acredita no conceito do amor romântico? Acha que um casal pode ser feliz para sempre com uma relação sem controle e os sentimentos clichês como o ciúme? É verdade. E eu acredito no amor mais do que qualquer outra coisa no mundo. Eu amo um monte de gente, e eu odeio que me digam o que fazer. Amor e sexo são conectados, mas eles não são a mesma coisa. Eu, principalmente, acho que você precisa do amor para construir um relacionamento para ser tão honesto, tão real, tão aberto quanto possível. Mas não machucar o outro. Você deve dizer tudo um ao outro. E esse é o tipo de relação que eu sempre quis. Durante anos tive namorados que eram possessivos, ciumentos, não podiam entender como e porque eu gostava de fazer sexo com outra pessoa só pra me divertir. Neil [Neil Gaiman] não só entende isso sobre mim, mas ele celebra. Amor, se é real, pode conquistar qualquer coisa. Penso que as relações que estão apenas jogando por todas as regras são infelizes, uma vez que a comunicação é menos sobre o que as pessoas realmente querem, precisam e esperam, mas o que elas devem fazer. Não se pode comprar um conjunto de regras de relacionamento em uma prateleira. Você precisa se entregar, ser verdadeiro, se arriscar. E muitas pessoas não vão ter tempo, nem ousadia para fazer isso, porque é  pode parecer assustador. Ser de verdade é assustador e demanda muita coragem.

*No video a seguir, Amanda e Neil Gaiman em uma parceria musical



Na canção "Map of Tasmania", do disco Amanda Palmer Goes Down Under, você fala de depilação. Mostra que não importa para uma mulher o cuidado exagerado sobre esta questão. Como é dizer isso para uma geração que está tão presa na idéia de corpos perfeitos e limpos? Você acha que a mulher hoje é livre o suficiente para não se importar tanto com a aparência? Eu acho que o grande problema que temos como mulheres é que não podemos encontrar a "área cinza", um lugar sem julgamentos. Há tanta crítica sobre o que significa você se depilar, não usar maquiagem, saltos, e tudo mais. É confuso, especialmente para as meninas mais jovens, que estão crescendo em uma cultura onde lhes é dito por um lado pra serem fortes, únicas, poderosas e pra que falem por si mesmas, e por outro lado são informadas de que há apenas um uniforme aceitável para sensualidade. Dói ver, especialmente após o quão longe chegamos nos últimos 50 anos, como mulheres. Como com muitas outras coisas, eu acredito que esta questão é escolha. Você está livre para usar botas, sapatos de salto, muita maquiagem, ou nenhuma. Depilar-se, ou deixar os pêlos crescerem. Experimentar, encontrar o seu próprio estilo. E isso deixa as pessoas malucas. Eu sempre acho engraçado quando eu uso saltos gigantes e faço penteados de estrela de cinema e depois mostro minhas axilas peludas para as pessoas. Eles agem como se não pudessem entender aquilo. Portanto, esse é um bom desafio para todas as mulheres: foda-se. Faça o que quiser. Absolutamente qualquer combinação é possível. É a única maneira de quebrar o sistema terrível no qual estamos presos: experimentando.

Para o seu novo álbum Theatre is evil, você conseguiu dinheiro através de crowdfunding. Como está sendo a experiência de fazer um álbum e promovê-lo sem a interferência das gravadoras? É um disco mais livre por isso? É totalmente livre. Eu nunca tive tanta liberdade pra fazer um trabalho. É um disco poderoso, é um disco pop, o que é uma loucura, mas é o que saiu de mim. Dançar, chorar, tudo ao mesmo tempo. Isso é o que eu queria com ele. Nós o chamamos de "cracing" (uma mistura de cry com dancing). E a banda que me acompanha é maravilhosa, só gênios. E as as críticas têm chamado este de o melhor disco que eu já fiz. Então, eu estou muito orgulhosa de todos nós. De mim, da banda, dos fãs que pagaram por isso. Eu sinto mesmo é que é Natal todos os dias.

 

"Eu não queria chegar no ponto onde cheguei pra ser rica, ou famosa. Eu queria desesperadamente me conectar às pessoas, para encontrar meus amigos, minha  comunidade"

 

Suas letras falam sobre sexo, drogas, aborto e qualquer outro assunto, sem censura, sem pudores.
Sim. Eu acho que toda mulher tem que fazer qualquer escolha por si mesma. Tanto quanto drogas e sexo, o que for. Vou defendê-las e suportá-las. Sexo é incrível. Drogas, quando usadas sabiamente, também podem ser incríveis. Eu diria a mesma coisa sobre os três: tudo é possível, mas não seja um idiota sobre nada. Sexo, drogas e aborto podem dar errado. Aja com sabedoria. Mas faça essas escolhas sempre para si mesmo.

Você acredita que sua música é a maior potência de sua personalidade? Eu não sei. Eu tento não analisar muito a minha música. Eu sou, antes de tudo, uma artista. Uma socializadora. Uma partidária do ser humano. A música é a ferramenta perfeita para tudo o que eu tenho feito em toda a minha vida. Mas eu não gosto de me sentir amarrada por ela, ou por minhas canções. As músicas são apenas histórias, histórias de momentos. E às vezes, uma música é realmente melhor do que um telefonema para alguém. Às vezes, as músicas são uma forma de se esconder. Em outras, elas podem fazer maravilhas, ainda melhor do que uma carta de amor. Mas você nunca sabe. Seu poder é misterioso é por isso que ele é tão incrível. E disso que eu gosto. Gosto de saber que eu nunca vou saber a resposta real disso tudo. E enquanto eu não sei a resposta, a magia nunca vai embora.

* Abaixo, o clipe de "The killing tipe", single de estreia de seu novo disco, Theatre is Evil, e "Want it back", no qual Amanda aparece nua em pelo.

Vai lá: www.amandapalmer.net - Aqui, você paga o quanto quiser, ou quanto não quiser, para o download do disco.

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