play

A Gana de Lurdez da Luz

por Camila Eiroa

A MC fala sobre seu segundo disco, Gana pelo Bang, que acaba de ser lançado

Algumas representantes do rap feminino vêm ganhando cada vez mais destaque na música brasileira. O cenário pode, em um primeiro momento, parecer intimidador e machista, mas elas não se deixam calar e mostram a potência de seu som. Lurdez da Luz é uma delas. Há 14 anos trabalhando como MC, fez escola na banda paulistana Mamelo Sound System e lançou um primeiro EP sozinha em 2010.

Ela acaba de lançar seu segundo disco, Gana pelo Bang, inspirado pela sonoridade eletrônica dos guetos do mundo - da Nigéria à Índia, da Jamaica ao Brasil. O produtor Leo Justi, que sofisticou o famoso pancadão carioca, é responsável por três faixas. Também na produção, Leo Grijó - da dupla Stereodubs - pesa a mão nas melodias eletrônicas. 

Aqui, uma conversa sobre o álbum e todo o suingue da cantora. 

Tpm Você diz que suas influências pra esse CD vêm das músicas produzidas nos guetos da Jamaica, na Inglaterra, Índia e muitos outros lugares... Como você teve contato com esses sons?

Lurdez da Luz Depois de um certo tempo sem ir pro Carnaval da Bahia, que eu costumava frequentar quando era criança por causa da minha família, voltei e conheci o pessoal da música independente de lá. Também comecei a pesquisar as músicas antigas dos blocos afro; Olodum, Araketu, Ilê Aiyê e até algumas coisas do começo do pagode, que hoje é outra coisa comecei.  É uma conexão que vem da infância e que influenciou no disco. A Jamaica também sempre existiu, o nome do meu antigo grupo é Mamelo Sound System justamente pela influência do sound system jamaicano e, bom, aí foi o começo de tudo, né? Algumas outras influências vêm do pós reggae, desse reggae roots digital. Mas mais na vibe mesmo do que no jeito de cantar, porque são vozes muito fortes e potentes. O funk daqui também contaminou muito o meu trabalho. A primeira vez que eu ouvi funk faz muito tempo e era uma coisa mais marginal. Eu gosto de algumas músicas, mais até do que a obra inteira. A África é um lance de pesquisa na net, de ter ouvido bastante... Foi assim, meio rua e meio internet que eu conheci essas paradas.

Me explica o nome, Gana pelo Bang. Então, na verdade veio de um diálogo com um menino chamado Akins Kinté [poeta que despontou em saraus pelas periferias de São Paulo]. A gente estava trocando uma ideia sobre o corre necessário pra fazer música hoje em dia. Porque existe a parada da criatividade, do estúdio, de show, de ser artista, mas existe todo o outro lado da coisa, de fazer virar seu som. Ele disse que tinha que ter muita gana mesmo pra conseguir isso, disse que tinha que ter muita "gana pelo bangue". E eu gostei da sonoridade e resolvi usar como nome do disco, porque também resume muito as ideias que eu quero passar com ele. Adaptei a palavra bangue pra "bang" pra ficar com quatro letras igual “gana", uma licença poética. E foi assim que surgiu o nome.

Faz 14 anos que você é MC, certo? Você começou com o Mamelo Sound System e em 2010 lançou seu primeiro trabalho solo. O que você acha que mudou até aqui? Isso, 14 anos. Na verdade no Mamelo eu participava sem muita responsabilidade, não ia em todos os shows e acontecimentos. Então, eu considero que sou MC profissionalmente há 12 anos. A parte de crítica social continua, a parte de relacionamentos amorosos continua também... O jeito que eu abordo os tema que estão passando pela minha cabeça é praticamente o mesmo. O que mudou um pouco foi a linguagem, acho que eu fazia letras um pouco mais abstratas, pensando em uma forma mais poética. Dessa vez eu quis fazer uma coisa que fosse mais papo reto. Não em todas as músicas, porque tem algumas que ainda têm essa parada do jogo de palavras de uma forma mais poética. de modo geral eu tentei me comunicar mais diretamente com o maior número de pessoas possível. Acho que foi isso que mudou.

E você no palco? Acho que eu evoluí um pouco em termos de interpretação e colocação de voz.

 

 

No seu primeiro CD você era acompanhada de um DJ, certo? Agora, tem uma banda ao seu lado com uma pegada mais soul, mais dançante... Na verdade isso sempre variou e os shows sempre foram muito diferentes do disco. No meu primeiro disco eu me apresentava com contrabaixo acústico, bateria e DJ em palcos maiores. Assim como já fiz show só com DJ porque é mais prático pra tocar em lugares sem muita estrutura e também porque é bacana você ouvir a sonoridade original das bases. Como eu gosto muito de música em geral e pra mim o show tem um lado mais performático, é muito bom ter instrumento também. Saindo o disco e estando na estrada, eu percebi que seria bom ter músicos comigo em palcos grande e na rua, principalmente pra aproximar a galera que não conhece a linguagem do som. Encontrei esses caras que estão tocando comigo agora e estou muito feliz porque eles são de black music mesmo e gostam do que eu gosto. Mas o disco em si é só beat, não tem muito instrumento não.

 

"Eu vejo que existe uma dificuldade no mercado de trabalho para as mulheres em geral e não só no rap"

 

Você vê alguma dificuldade no cenário do rap para as mulheres? Acha que mudou alguma coisa desde que você começou? Eu vejo que existe uma dificuldade no mercado de trabalho para as mulheres em geral e não só no rap. Eu vejo às vezes um acumulo de função, um problema de não acreditarem tanto na capacidade... Mas eu acho que, na verdade, as coisas estão mudando rapidamente e, conforme as minas vão fazendo um trabalho legal, vai rolando um espaço pra elas. Eu acho que o público quer e gosta de ouvir a voz feminina. Pra mim isso é uma realidade hoje em dia. Já existem várias representantes no rap e que as pessoas realmente gostam de ouvir.

O Gana pelo Bang você vai deixar só na internet? Não dá vontade de ter o CD físico? A minha ideia inicial era essa, mas confesso que depois do show de lançamento o público está me pedindo muito pelo disco. Eu dava uma desprezada nesse formato, mas as pessoas ainda ouvem CD e querem o físico na mão. Acho que vou prensar uma quantidade não muito grande. Pretendo lançar em vinil, que é uma coisa que eu já queria há muito tempo. Para os DJs e as pessoas que curtem música dessa forma também.

Você acha que o rap tem um papel político? Não sei se pra todo mundo, acho que atualmente a parada é mais pessoal. Já foi muito mais politizado e transformador. Em primeiro lugar, na verdade, o rap é a voz ativa da periferia e da juventude negra, então eu escrevi sabendo e principalmente respeitando isso. Hoje em dia eu não sei mais como funciona pra falar bem a real, acho que existe mesmo uma interpretação muito pessoal de cada artista. Mas eu tenho, sim, essa formação, não tem como fugir. Pra mim, minha música também tem seu papel político.

 

"Em primeiro lugar, na verdade, o rap é a voz ativa da periferia e da juventude negra, então eu escrevi sabendo e principalmente respeitando isso"

 

E como foi o show de lançamento, no Sesc Belenzinho (SP)? Foi muito legal e muito emocionante! Estava rolando há muito tempo o processo de criação do disco, então foi um alívio colocar pra fora, sabe? Pude perceber que o está tudo muito em cima com essa banda e com o Roger, que é o DJ que eu estou trabalhando agora. Também foi bom perceber que tem gente que foi só por causa do show... Porque às vezes você toca em festivais e não consegue saber quem é o seu público, então eu percebi que eles ainda estão comigo e que curtiram as mudanças estéticas do trabalho. Foi muito legal mesmo.

Você vai continuar se apresentando pra divulgar o CD? Agora a gente vai trabalhar bastante o disco, mas eu não quero mais ficar tanto tempo sem lançar um novo trabalho, nem que sejam singles. Minha ideia é fazer shows pra divulgar o Gana pelo Bang, fazer um clipe ou dois...

De quais músicas? A gente ainda está decidindo em equipe, mas eu estou muito a fim de fazer de Naija que é uma música que eu gosto muito da letra e já tenho um roteiro bem claro na minha cabeça.

 

 

Vai lá para ouvir o CD: http://www.lurdezdaluz.com/

fechar