Quem é a favor descriminalização do aborto no Brasil

por Natacha Cortêz

Leia o que pensam alguns dos apoiadores da campanha #precisamosfalarsobreaborto

 

"Estamos diante de um fato: no Brasil, as mulheres morrem por abortos mal feitos há décadas. Nós, como sociedade, pretendemos continuar cúmplices dessa mortandade? Precisamos falar sobre aborto" - Marília Gabriela, apresentadora de TV 

"Não tenho dúvidas de que o aborto é um direito inalienável da mulher. Nesse caso, nenhum homem deveria ser permitido sequer a opinar. O filho é gestado dentro do corpo da mulher. A mulher não pode ser considerada uma redoma ou um viveiro, um mero hotel onde o homem se hospeda por nove meses. Ela é um ser humano dotado de individualidade, vontade, subjetividade e tem o direito de escolher se quer ter um filho ou não. Sua função na terra não é fazer filhos. A criminalização do aborto é um dos muitos sintomas do machismo da nossa sociedade, que acha que o corpo da mulher é assunto do homem. A mesma sociedade que se acha no direito de julgar o corpo da mulher, taxá-la de gorda ou de gostosa, dizer o que ela deve vestir também acha, claro, que tem ingerência sobre seu útero. Um dia, espero, ainda vamos achar a proibição do aborto um absurdo, assim como achamos um absurdo a escravidão ou o Holocausto. Assim como nesses casos, há por trás da barbárie a conivência de grande parte da sociedade. As pessoas não param de morrer. Acho estranho que quem defende a vida intrauterina se importa tão pouco com a vida extrauterina. Parece que a vida da mulher vale menos do que a de um feto (claro, o feto pode ser homem)" - Gregório Duvivier, ator 

"Sim, porque, sem a descriminalização, será impossível regulamentar o aborto e evitar que ele continue sendo o que já é: um espécie de método anticoncepcional maluco, perigoso para os pobres, menos perigoso para os ricos, mas propriamente traumático para todos" - Contardo Calligaris, psicanalista

"Sou a favor da descriminalização do aborto, por ser um direito meu sobre meu corpo escolher se quero ter um filho ou não e a hora disso acontecer ou não. Todo mundo sabe que métodos anticoncepcionais são caros, às vezes falham e as mulheres não podemos ser punidas por isso. Se homem engravidasse, o aborto seria legalizado em todo lugar do mundo. É preciso ter noção dos direitos sobre o próprio corpo, se informar, procurar saber como é em outros lugares do mundo antes de falar que é contra. Inclusive porque, mesmo quem é contra, tem que ter esse direito garantido por lei, caso precise abortar um dia. Mulheres de todas as religiões e sem religiões abortam e continuarão abortando. As que morrem ou ficam com sequelas são as pobres. O aborto ser proibido é uma grande violência contra as mulheres" - Karina Buhr, cantora

"Obviamente ninguém é favor de aborto. A pergunta que deve ser feita é: “Você acha que a mulher que faz aborto deve ir pra cadeia?". Porque é isso que o código penal estabelece. Um plebiscito sem antes discutir a questão com a população vai ser desastroso. E, pra começar, essa não é uma questão plebiscitária, e sim de fórum íntimo, de direito privado. O aborto inseguro mata mulheres e os recentes exemplos do Estado do Rio mostram isso. As mulheres que precisam de um aborto precisam ser acolhidas, não condenadas. Precisamos considerar essa uma questão de saúde pública e juntar a ela planejamento familiar e incentivo ao uso de contraceptivos. Porque gestações indesejadas podem acontecer mesmo se mulheres usarem contraceptivos. O SUS tem mais de 150 mil internações por ano em decorrência de complicações de aborto inseguros. A rede pública arca financeiramente com a clandestinidade, que provova verdadeiros desastres, fazendo com que brasileiras recorram à condições precárias pra realizar aborto. Temos um gasto enorme não só porque o SUS precisa tratar a mulher que vem de um aborto inseguro, mas também precisa tratar as sequelas que um procedimento malfeito pode deixar. Problemas de ordem reprodutiva, por exemplo" - Thomaz Gollop, ginecologista e coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA)

"Precisamos muito falar sobre aborto. Precisamos falar que aqueles que dizem que são contra o aborto estão condenando à morte mulheres pobres, mas não mulheres ricas. Porque as ricas seguirão fazendo. Então passou da hora de tirarmos conceitos religiosos e morais da questão. E de limpar toda a poeira que a hipocrisia deixa sobre o tema. Abortos continuarão a ser feitos, e serão feitos inclusive por aqueles que se dizem 'contra o aborto', mas apenas as mulheres pobres morrerão fazendo. É, portanto, questão de saúde pública. Apenas isso. Nossa! Precisamos muito falar sobre aborto" - Milly Lacombe, colunista da Tpm

"O aborto tem que ser legalizado no Brasil urgente. O motivo é muito simples. As pessoas fazem aborto. Quem é rico ou de classe média paga uma clinica particular decente (e mesmo assim está cometendo um crime, atenção!). Quem não tem morre como a Jandira, que na tentativa de fazer um aborto ilegal teve o corpo carbonizado. Todas as mulheres de todas as classes sociais têm que ter os mesmo direitos. Eu fiz um aborto com 18 anos. Muitas amigas minhas tambem fizeram, em uma clinica de classe media da zona sul carioca. Na época, eu tive apoio da minha familia e do meu namorado e, atenção, eu já fazia análise. Resultado: não tenho nenhum trauma. Nenhum mesmo. Só gostaria que todas as mulheres tivessem o mesmo tratamento que eu tive. E isso tem que ser uma decisão da mulher. Não é homem que tem que decidir se aborto tem que ser legalizado ou não, mas as mulheres. É um problema nosso, do nosso corpo. E plebiscito não vai adiantar. Tem que ser totalmente legalizado, com estrutura e apoio psicológico para que as moças possam tomar sua decisão sem culpa. Assim como eu tomei. Nunca me achei uma monstra por ter feito aborto. Nem nunca vou me achar. E se eu tivesse uma filha e ela quisesse abortar, eu a levaria na clinica" - Nina Lemos, repórter especial da Tpm  

"As pessoas devem ter a liberdade de escolher o que fazer com o seu próprio corpo. Escolher seu parceiro, escolher ter um filho e escolher como este filho vai nascer. Sexo deveria estar ligado ao prazer e à celebração da vida. Por isso, a escolha por um aborto é tão paradoxal. Deve ser legalizado, mas não banalizado como um método anticoncepcional" - Estela Renner, cineasta

"Passou da hora de falar de aborto. Em 2007, eu apresentei dois projetos de lei relacionados a aborto na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Mas não consegui avançar com nenhum deles porque a casa não permite. O silêncio e a falta de debate criam o tabu em torno do assunto. A gente precisa mudar o discurso. A luta política deve ser pedagógica. O debate do aborto carece desse viés pedagógico. Será que a mulher que comete o aborto precisa ser algemada e presa? É isso que a gente quer?" - Marcelo Freixo, deputado estadual mais votado do Rio de Janeiro nas eleições deste ano

"É mais do que emergencial a discussão deste tema de maneira séria e como uma questão de saúde pública. É um tema delicado que merece mais atenção. Meninas de 14 anos engravidam e muitas (se não, a maioria) não têm assistência alguma. Precisamos que os deputados e senadores eleitos estejam dispostos a discutir os direitos humanos e questões como aborto. Estamos em 2014 e ainda existem governantes e religiosos contra aborto de feto anencéfalo, por exemplo. Estas pessoas já passaram por curetagem ou aborto espontâneo? A cirurgia é violenta. Será que conseguem ao menos imaginar como é uma operação desta feita de maneira clandestina?" - Sarah Oliveira, apresentadora de TV

"Sou completamente a favor da descriminalização do aborto. É muito cansativo esse papo de que isso é incentivar que mais mulheres façam abortos. Os abortos já são feitos, descriminalizar só evita que mulheres sejam presas ou morram por conta da clandestinidade imposta por conta de uma lei velha e sustentada pela bancada religiosa. É um absurdo que, em pleno 2014, os dogmas religiosos deixem tantas mulheres entre a vida e a morte. É desnecessário, desumano e egoísta" - Bia Granja, idealizadora do festival YouPIX

"Mulheres abortam todos os dias de forma insegura. Mulheres que são mães abortam ilegalmente. Mulheres que não querem ter filhos abortam diariamente. Mulheres religiosas “contra” o aborto abortam diariamente. Mães de família abortam, adolescentes abortam, mulheres pobres abortam, mulheres ricas abortam, mulheres casadas, mulheres solteiras, mulheres empregadas, desempregadas. Mulheres de todos tipos abortam e não há opinião alheia que vá fazer isso mudar. Eu já fui essa mulher. Sei bem o que estou falando. Quando fiz um aborto, em 2009, tinha a cabeça bem diferente de agora. Não foi sussa, não foi nada de boa e fiquei em frangalhos depois, tanto emocionalmente quanto hormonalmente, por vários motivos. Mas não dava. Eu não podia ter outro filho e, depois de muita discussão com meu então namorado, acordamos que assim seria. Não foi “descuido”, eu tomava pílula. Acontece. Aconteceu comigo" - Clara Averbuck, escritora 

"É um abuso imperdoável da sociedade fazer com que mulheres que já estão desesperadas fiquem numa posição ainda mais vulnerável. Enquanto nos países mais ricos o aborto é um direito em praticamente qualquer situação, aqui no Brasil continuamos criminalizando as mulheres. O pior é que vivemos copiando os países ricos, crentes de que "lá fora é tudo melhor", mas quando é pra se imitar o que eles fazem certo, inventamos que aquilo não serve pra gente. O Brasil precisa urgentemente deixar de ser hipócrita no que se refere à legalização do aborto. Inúmeras brasileiras já abortaram, e a gente finge que só adolescente faz isso. Hoje o aborto é algo simples, feito com comprimidos. Mas os dogmas religiosos insistem que um embrião de algumas semanas é mais importante que uma mulher adulta. É a eterna tentativa de controlar o corpo feminino. Chega. Vamos nos libertar" - Lola Aronovich, professora de Literatura em Língua Inglesa da Universidade Federal do Ceará e autora do blog feminista Escreva Lola Escreva

"Não posso imaginar a dor de uma mulher que tenha de tirar seu bebezinho da barriga. Talvez o aborto seja uma das maiores agressões físicas e emocionais. Em casos de estupro, talvez seja esta, de fato, a melhor saída. E já que estamos discutindo o direito de a mulher tomar decisão sobre o seu corpo, que tal incluir a prevenção de uma gravidez indesejada no mesmo balaio? Acredito que mulheres alfabetizadas e crescidinhas sabem (e, por isso, devem) evitar uma gravidez. Engravidar não é um “acidente”, é uma consequência. Como diz uma obstetra que conheço: “Informação é poder”. Criar uma nova vida é algo sério; se abortar já é doloroso, colocar uma criança no mundo sem dar amor e cuidado é ainda pior. Ao discutir o aborto (que, sim, deve ser legalizado), vamos debater também as formas de prevenir gravidez indesejada em pré-adolescentes de comunidades menos privilegiadas. Vamos falar sobre educação sexual em escolas e em comunidades de baixa renda. Vamos analisar o papel das instituições religiosas nesta questão, além debater o papel de pais instruindo filhos. E, sim, vamos envolver os homens. Porque sozinha ninguém embucha. E, sem gravidez, não há aborto" - Tania Menai, colunista da Tpm

"Definitivamente, precisamos falar sobre esse assunto. Precisamos debater, esclarecer, dialogar, mas com respeito, com maturidade. Um problema grave, que exige soluções urgentes. Deixar os credos pessoais de lado e encarar a miserável realidade do nosso país: a de mulheres morrendo, dia a dia.Não acredito que exista alguém nesse mundo que seja “a favor” do aborto. Qualquer ser humano é a favor da vida, da luz e do amor. Mas, num ato desesperado, e por razões que - acredito - não nos caiba julgar, uma futura mãe pode acabar precisando decidir pelo aborto. Eu realmente acredito que a falta de debate, diálogo aberto e apoio levem a maioria das mulheres a essa triste situação. O procedimento abortivo é uma situação trágica e extremamente dolorosa - física e emocionalmente. Clínicas ilegais atuam na clandestinidade e aproveitam-se desse momento tão difícil para fazer o seu caixa. Acredito que esse silêncio cruel, este tabu, levem muitas mulheres (especialmente as de baixa renda) a procurar lugares como estes. E aí, Brasil? Até quando vamos continuar silenciando, calando e consentindo este crime impune? Quem paga por essas mulheres (jovens na sua maioria) que ficaram nas macas? Quem paga pela falta de diálogo responsável? Quem paga pela falta de ajuda num momento tão desesperado e terrível como esse? Está na hora de conversarmos, de ouvir o que essas mulheres, estas jovens, têm a dizer. Está na hora de ajudar quem realmente precisa, de políticas públicas sérias. Está na hora de acabar com a imobilidade dos governantes, dos legisladores. Sou, sim, a favor da legalização do aborto, em casos de estupro, por exemplo. Mas, mais que isso, sou a favor de um país consciente, humanitário, laico e livre. De um país que zele verdadeiramente por suas mulheres,com dignidade e oportunidade, oferecendo ajuda imediata. Para mim, não há princípio moral, filosófico ou religioso que justifique o sofrimento e a morte de tantas meninas e mães neste país. Está na hora de abortar esse silêncio" - Ana Cañas, cantora 

"Sou absolutamente a favor da descriminalização do aborto. Se as leis visam por excelência proteger e cuidar do ser humano na sociedade, tirar da própria mulher essa decisão é julgar que estamos vivendo em uma sociedade medieval" - Thiago Pethit, cantor 

"A descriminalização do aborto faz parte da agenda permanente na Anis. Quem aborta é a mulher comum. Ela é sua mãe, a minha irmã, a menina que trabalha com você. Ela é a religiosa e a não religiosa. Nossa ONG foi responsável por entrar com a ação no Superior Tribunal Federal para autorizar o aborto em casos de gravidez de fetos anencéfalos. Começamos a desenhar a ação no início dos anos 2000 e ela só foi aprovada em 2012. Foi preciso uma década para que isso acontecesse! Nesse momento, nossa agenda é de contenção de retrocessos na legislação atual. Corremos o risco de perder os avanços que já conquistamos. O Congresso Nacional é conservador e a eleição deste ano só endossou isso
O aborto não é algo pra ser contra ou a favor. A pergunta que deveria ser feita é: "Como proteger as necessidades de saúde da mulher?". Com a descriminalização do aborto, tendo amplo acesso aos serviços de planejamento familiar. Todos os países que legalizaram a prática reduziram o número não só de mortes maternas, mas também o número de abortos realizados. A abordagem em relação a esse assunto não pode ser policial, precisa ser de saúde pública" - Debora Diniz, presidente da Anis, ONG que luta pelos direitos sexuais e reprodutivos dos brasileiros 

"Estamos tentando ao máximo garantir o que está hoje na lei porque o que temos no Congresso Nacional são vários projetos de lei que tentam retroceder o que já temos. O Parlamento só tem ficado mais conservador. A interdição legal e a religiosa só têm provocado malefícios para as mulheres, não impedem que continuem abortando. A punição do aborto tem um viés de classe social. Quem morre é mulher pobre. E quando não morre, tem sequelas graves, psicológicas e físicas. Esterelidade é muito comum, às vezes precisam retirar útero e ovário" Rosângela Talib, psicóloga, mestre em Ciência da Religião pela UMESP, coordenadora de Católicas pelo Direito de Decidir

 "Acho que a ameaça de gravidez precoce é usada para a menina nova não fazer sexo com quem bem entender. A religião diz que sexo é sujo, os pais acham que pega mal uma filha sexualmente livre - e aí ninguém reforça a necessidade de anticoncepcionais, proíbe-se a escola de educar nesse sentido (porque "crianças são puras") e proíbe-se o sexo antes do casamento. Mas sexo é ótimo, né? A menina vai fazer o quê? Fazer sexo escondido - e sem proteção. E depois tentar esconder a gravidez. Talvez fazer um aborto por conta própria, para os pais não saberem. A gravidez na adolescência é isso: a confirmação social de que a menina fez sexo, que é 'sujo'. Uma 'vergonha' que ela pode tentar portar como orgulho - de que é fértil e é mãe, logo, 'tem responsabilidades'. Muita gente acha que quem faz aborto é irresponsável - coisa de quem quer só a parte boa da vida, fazer sexo sem se preocupar com consequências. Mas, primeiro, todos os métodos anticoncepcionais falham. Segundo, a mulher adulta que procura o aborto está preocupada com a qualidade de vida do possível filho. Muitas vezes, o cara com quem ela dormiu não presta para ser pai, ou ela não tem condições econômicas/emocionais, ou tem outros sonhos na vida incompatíveis com ter filho naquele momento. Antes de ser uma geradora de sujeitos, ela é um sujeito - coisa que muita gente não quer admitir. Acredito que o aborto deveria ser permitido até a 12ª semana da gestação (três meses), quando o embrião não tem consciência. Aliás, é bem comum sofrer abortos espontâneos até os três meses, o que é conhecido popularmente como "não vingar". Tanto é verdade que muitas famílias que querem bebês esperam três meses antes de divulgar que estão grávidas, para não ter que explicar depois caso haja esse aborto espontâneo. Quem alega que o embrião necessariamente levará a um bebê com consciência - e que abortar aquele equivaleria a matar este - está ignorando esse fato natural" - Simone Campos, escritora

"Como mulheres católicas, pensamos que criminalizar o aborto não favorece ninguém. Ao contrário, condena à mortalidade muitas mulheres que tomam a decisão de abortar, provocando um maior número de abortos clandestinos e inseguros. A criminalização é uma política a favor da morte que não pode ser defendida coerentemente por ninguém que afirma defender a vida. As políticas de criminalização do aborto, só fazem é com que as mulheres pobres se submetam a abortos inseguros, em condições insalubres. Provocam seqüelas: lesões dos órgãos genitais, infecções, hemorragias, perfurações do útero, esterilidade, incontinência. Por outro lado, a criminalização do aborto, fomenta a existência e a proliferação das clínicas clandestinas freqüentadas por mulheres de classe média ou alta. O aborto não é praticado sem dor e sofrimento, não se trata de um gosto, de uma frivolidade. Muitas vezes é o último recurso encontrado, feito nas piores condições e pondo em risco a vida das mulheres. O núcleo material de uma cultura patriarcal é o controle do corpo das mulheres. E a base desse núcleo é o controle de sua capacidade reprodutiva. É sobre esse eixo que se levanta o edifício social e simbólico do patriarcado. Ampliar os direitos reprodutivos das mulheres dá a elas maior autonomia, debilitando o núcleo patriarcal de dominação e as bases simbólicas de poder das hierarquias religiosas conservadoras" - Regina Soares Jurkewicz é doutora em ciências da religião pela PUC-SP e coordenadora do projeto Direitos Reprodutivos, Religião e fundamentalismos na América Latina: propostas para o avanço dos direitos das mulheres

"Condenar uma criança a crescer onde não a querem por pena de um embrião: não é um contracenso?" - Antônio Prata, escritor

"O tratamento da questão do aborto no Brasil revela a face criminosa da nossa hipocrisia. Mas, como é uma hipocrisia compartilhada, é também acobertada. Mulheres como Elizângela Barbosa, 32 anos, e Jandira dos Santos Cruz, 27, morreram durante o processo eleitoral ao tentarem interromper uma gestação que, por motivos que só dizem respeito a elas, não tinham como levar adiante. O aborto virou caso de polícia, mas não tema urgente do debate entre os candidatos à presidência. Em 2010, quando o tema surgiu na campanha, foi apenas como moeda eleitoral na disputa do voto religioso. A grave questão de saúde pública, representada pela morte de mulheres como Elizângela e Jandira, mulheres jovens que deixam uma vida incompleta e órfãos os filhos que escolheram ter, é ignorada. Suas mortes são “naturalizadas”, quando não se transformam em “punição divina” na boca de lideranças religiosas destituídas de dignidade, responsabilidade ou compaixão. Estas não têm pudor em vomitar seu ódio sobre o cadáver de mulheres, mas talvez o restante da sociedade tenha pudor demais para assumir a luta pela descriminalização do aborto. A outra face dessa hipocrisia compartilhada é a de que são as mulheres pobres as que mais sofrem com a criminalização do aborto, porque são elas que precisam da rede de saúde pública, do SUS, para ampará-las em sua decisão e garantir que possam interromper a gestação em condições seguras. As mulheres de classe média e alta realizam aborto em silêncio em clínicas clandestinas, mas muito melhores, com uma chance bem menor de saírem delas mortas. A questão do aborto é também uma questão de classe. No início de 2005 acompanhei Severina Leôncio Ferreira, uma agricultora nordestina analfabeta, em sua luta na justiça e no sistema público de saúde para interromper uma gestação anencefálica. Sua trajetória se transformou no documentário “Uma história Severina”, disponível no YouTube, do qual sou codiretora. Pude testemunhar ali a tortura por que passa uma mulher em um momento que já é de imensa dor. A interrupção da gestação em caso de feto anencefálico é hoje uma das três possibilidades de aborto legal porque a sociedade se mobilizou pelas mulheres severinas. Por que não se mobiliza por mulheres como Elizângela e Jandira?" - Eliane Brum, jornalista e escritora

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