Nudez sem castigo

por Carol Sganzerla
Tpm #97

Despidas de roupa, vergonha e Photoshop, elas toparam ser fotografadas por um desconhecido

"Sou leitora assídua da Tpm porque nunca encontrei uma matéria que me causasse aquela sensação de mal-estar por ser como sou. Por isso, resolvi sugerir uma matéria. Hoje, fotografei com um artista chamado Matt Blum, que está em São Paulo fotografando para o The Nu Project. Nesse projeto, ele busca a essência das pessoas e não só a beleza exterior, que estamos cansadas de encontrar em todo lugar. Ele me deixou super à vontade, a ponto de me esquecer que estava sem roupa. A sensação agora é que renovei minhas forças para uma vida inteira.”

A paulistana Michele Lerner escreveu esse e-mail para a Tpm tão logo fechou a porta de casa ao se despedir do fotógrafo Matt Blum, em fevereiro passado. Por uma tarde, ele a retratou, na presença do marido, nua – sem maquiagem, produção nem camuflagens. Assim como Michele, mais 11 brasileiras foram clicadas para o The Nu Project, projeto que o norte-americano iniciou há cinco anos, em Minneapolis, onde mora, para depois levá-lo para outras cidades do mundo. Por enquanto, fotografou cem mulheres, entre norte-americanas e francesas. Com a vinda ao Brasil, para um casamento no interior de São Paulo, Matt anunciou em sites que procurava protagonistas para o seu primeiro ensaio no país. Em 15 horas, recebeu mais de 500 solicitações. Entre as escolhidas, Juliana, Michele, Thaisa, Luana e Ariane.

Brasil, mostra sua cara
Agora, o que leva uma mulher comum a aceitar ser retratada nua por um fotógrafo nunca antes visto? Joana Vilhena de Novaes, autora de O Intolerável Peso da Feiura e coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da PUC-Rio, acredita que, embora o The Nu Project não tenha sido pensado especificamente para cada uma dessas mulheres, elas ganham uma exposição e uma repercussão que as fazem se diferenciar das demais. “Isso hoje tem um valor absoluto porque vivemos numa sociedade do espetáculo. Um corpo que não tem visibilidade é um corpo que não existe. Expondo-se, você confere a ele uma existência que, sendo gorda ou magra, é distinta”, explica Joana. “Por isso choveu gente querendo expor esse corpo. Numa cultura de massa, quem não quer algo que seja único?”

Esse talvez seja um dos motivos pelos quais projetos fotográficos como o de Matt ganham tanta repercussão na mídia. Ele não é o primeiro que vem ao Brasil atrás desse tipo de trabalho. O norte-americano Terry Richardson e o peruano Mario Testino, renomados mundialmente, já retrataram um Brasil “nu” por meio de suas lentes. O primeiro, autor do Calendário Pirelli 2010, que, por acaso, foi produzido no país, lançou, em 2007, Rio Cidade Maravilhosa, em que, entre figuras anônimas, registrou Luiza e Yasmin Brunet nuas. O segundo, figura importante no mundo da moda, dois anos depois publicou MaRio de Janeiro Testino, com imagens das atrizes Fernanda Lima e Alinne Moraes seminuas.

O projeto de Matt Blum foca mulheres comuns, longe de ser – ou de seguir – um padrão de beleza cultuado pela sociedade. “O interessante do trabalho dele é que cabe todo tipo de mulher: a magra demais, a gorda demais, a que tem marcas”, comenta Juliana Bertechini, uma das personagens brasileiras. Matt, de 28 anos, iniciou o projeto sem pretensões, fotografando pessoas comuns sem experiência na frente da câmera. “Procuro capturar detalhes de humanidade pura e não distorcida. Não há produção e, muito menos, falsa sexualidade”, explica.

Mas por que o Brasil? “Pensei que seria interessante tirar fotos de pessoas normais, já que todos vão ao país para fotografar modelos e praias do Rio de Janeiro”, esclarece. No ponto de vista de Joana Vilhena de Novaes, é interessante ver um Brasil fotografado “gordo”. “Sendo o país um cartão-postal de corpos sarados, esse projeto cumpre um papel social importante”, acredita. E, considerando que o autor vem da cultura norte-americana, em que Hollywood desacostuma nosso olhar aos feios, aos imperfeitos e aos velhos, só mostrando pessoas lindas, magras e jovens, Matt vai na contramão ao fotografar imperfeições. “É importante as pessoas darem uma arejada no discurso que segue no sentido de criminalizar a gordura”, conclui.

Juliana Bertechini, 32 anos, professora e tradutora

O maior desafio para esta paulistana que fala com as mãos e de sorrisão aberto foi, durante o ensaio, conter o riso. “Nunca fui retratada sem sorrir, sou expansiva. Mas descobri, vendo as fotos, que posso fazer um olhar, uma expressão que não conhecia. Me emocionei com o resultado”, conta Juliana, que segue blogs de fotografia e conhecia o trabalho de Matt Blum desde 2007. Vontade de posar para um ensaio de nu artístico ela já tinha, mas nunca pensou que pudesse fazê-lo por achar esse tipo de trabalho incomum no Brasil. “Aqui se leva muito para o erótico, queria um trabalho em que estivesse nua de alma”, conclui.

Você é feliz com o seu corpo? Nenhuma mulher é 100% feliz com seu corpo, sempre tive uma encrenca com a minha barriga. Mas não deixo de comer uma lasanha nem digo não para a cervejinha de sexta-feira. Adoraria poder colocar um vestido mais justo, mas não sou infeliz por isso. As pessoas levam a perfeição muito a sério.

Michele Lerner, 24 anos, artista plástica

Há menos de um ano, pouco antes de se unir ao primeiro namorado da vida, escutava: “Você não vai emagrecer para o casamento?”. Ela rebatia, indignada: “Isso não diz respeito a ninguém, só a mim”. Michelle viu seu corpo ser posto em discussão desde menina, quando participava de um grupo de dança folclórica judaica. “Sempre fui gordinha, baixinha, de cabelo preto e enrolado”, assume ela, responsável pela ideia desta reportagem. “O negócio dele é ver gente normal, muito diferente dos editoriais de moda, que mostram que a beleza está na magreza. Quando vi as fotos, um portal se abriu para mim. Não importa quanto eu pese, foi um tesão ver o resultado”, relata.

Que relação tem com seu corpo? Não me sinto fora dos padrões ao mesmo tempo que nunca pertenci a um padrão de estilo. Sempre gostei das coisas diferentes, tenho seis tatuagens. Mas claro que me incomoda não conseguir comprar qualquer roupa que queira e perceber aquele olhar crítico de alguém quando tomo uma Coca-Cola ou uma cerveja!

Thaisa Burani, 25 anos, editora de livros infantis

“Para quem eu sou bonita e para quem eu não sou bonita?”, questiona-se Thaisa há 25 anos. Dona de um corpo esguio e rosto delicado, ela cresceu ouvindo que deveria ser modelo. Só não dos pais, intelectuais de esquerda, que concordavam com a opinião da filha: “Sempre tive medo de submeter meu corpo ao mercado”, explica. Além disso, não queria expor suas cicatrizes espalhadas por peito, braço e abdome, oriundas de cirurgias do coração – ela tem uma doença congênita – e de seguidas internações. “Sempre me vi nessa linha tênue de estar dentro e fora do padrão de beleza. Dentro porque sou magra, alta e tenho um rosto bonitinho, mas fora porque tenho poucas curvas e muitas cicatrizes. Nunca me senti a gostosona.”

O que significou para você participar do projeto? As fotos me deram uma sensação de liberdade. Estão muito naturais e honestas porque fazem parte de um processo genuíno. Para mim, fechou uma questão, vi mesmo que não quero fotografar para depois terem que “photoshopar” a minha bunda. Só repetiria se fosse, de novo, uma coisa experimental.

Ariane Lins, 38 anos, empresária

Ariane chegou de Manchester, na Inglaterra, onde mora há seis anos, para passar três meses de férias no Rio de Janeiro, com vontade de se submeter a uma lipoaspiração. Conforme foi frequentando as praias cariocas, começou a perceber no corpo de outras mulheres tudo aquilo que incomodava no seu. “Não era nada que me impedisse de viver”, brinca a capixaba. Ao mesmo tempo, soube pela mãe, que mora em Nova York, que Matt estaria no Brasil e realizaria o The Nu Project. “Gostei muito da proposta porque ele consegue tirar a beleza do feminino, você não precisa ser necessariamente uma mulher bonita para os padrões”, explica.

Como foi ser uma das personagens de Matt? Fiquei orgulhosa por ter tido coragem de fazer as fotos consciente de que não teria nenhum retoque. Sabia que estava me expondo, mas percebi que realmente não tinha por que me esconder, afinal, é como se as lentes de Matt captassem o seu interior.

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