por Marcus Preto
Tpm #95

Ela saiu do anonimato e virou um dos mais relevantes nomes da música em menos de dois anos



A infância passou há tanto tempo que nem parece mais propriedade dela. Desbota no fundo da memória como se fosse história de outra pessoa, cena assistida no cinema. A puberdade, a adolescência, isso ela só se deu conta de que existia quando já não existia. Rápido, a vida adulta ficou sua amiga muito íntima: bastou o primeiro encontro para que as duas já não pudessem viver uma sem a outra. E ela, já assim madura, ainda nem completou os 18.

Para contar a aparentemente curta história de Mallu Magalhães, de nada valem os raciocínios cronológicos. O tempo corre diferente naquele mundo. Basta pensar que, em coisa de dois anos (contados no nosso calendário de pessoas comuns), ela saiu do completo anonimato e se colocou, com seu violãozinho enfeitado de adesivos, entre as artistas mais relevantes da nova música do Brasil.

“Meu maior amadurecimento foi aprender a lidar com a vida com mais tranquilidade. Saber que vou errar muitas vezes, cantar mal alguns dias, tocar mal em outros. E tudo bem”

Entre os 15 e os atuais 17 anos, completados em setembro, Mallu estourou como fenômeno no YouTube e no MySpace, ganhou a simpatia do público, fez shows em lugares pequenos, lançou um disco independente, um DVD ao vivo, fez shows em lugares grandes, largou o namorado músico de 23 anos (de quem era fã), conquistou um de 30 (de quem era mais fã ainda), ganhou com o próprio trabalho muito mais dinheiro por mês do que qualquer menina de sua idade costuma receber de mesada por ano, assinou com uma gravadora multinacional, lançou mais um disco (melhor que o primeiro), ganhou a antipatia de gente que nem sabia dizer por que a achava simpática antes. Fez sucesso – com os prós e contras que ele traz.

Produtor de discos recentes de Caetano Veloso, Vanessa da Mata e Adriana Calcanhotto, o carioca Kassin observou bem de perto o funcionamento de Mallu. Foi ele quem produziu o recém-lançado segundo álbum, Mallu Magalhães. “O negócio é sinistro”, ele diz, empolgado. “Ela chegou no estúdio com, sem exagero, umas 60 músicas ótimas pra gente escutar. Todas dela. E a cada dia vinha com uma nova, que tinha acabado de fazer. É uma maturidade musical absurda, nunca vi nada igual.”

“Mas acho que meu maior amadurecimento”, Mallu se analisa, “foi aprender a lidar com a vida com mais tranquilidade. E com a pressão. Saber que ainda vou errar muitas vezes, falar muito mais que a boca, cantar mal em alguns dias, tocar mal em outros. E que, apesar disso, vai ficar tudo bem.”

Acaba o ensino médio neste ano. Pretende fazer faculdade, mas não agora. Quer esperar um pouco, viver a profissão que descobriu para si, fazer as viagens todas que não pôde por causa das aulas.

Desde o começo do ensino médio que seu desempenho vem capengando, passa de raspão. Muda de escola muitas vezes. Agora, nessa nova, vai à aula nos dias que pode. Nos outros, recebe em casa os temas estudados pela turma e faz os trabalhos para completar a nota.

“Teve uma coisa que sempre me doeu muito”, ela diz. “Por que eu tinha que estar naquele ambiente que me obrigava a podar as emoções se a minha vida é justamente colocar o coração pra fora? Por que eu tenho que ser uma pessoa de manhã e outra a partir do meio-dia? Na escola, quem não se adequa é condenado. É sempre o burro, o folgado, o desatento. Esse sistema educacional não tem espaço para as pessoas que estão em outra.”

A musa e o músico
Mallu fala com voz doce e tranquila, fazendo um arco com a sobrancelha esquerda cada vez que o papo fica mais sério. Responde tudo sem muita reflexão, o negócio já parece estar pensado dentro da cabeça dela. No meio da conversa, dá pistas ao interlocutor de coisas que quer dizer, que quer que ele pergunte. Manda recados nas entrelinhas, ou nas frases que deixa pela metade, ou naquelas que não diz.

O violão está do lado, e ela pergunta: “Quer ouvir umas músicas que fiz esses dias?”. Canta quatro, uma

em seguida da outra, todas inéditas. Metade delas fala em casamento. Está querendo se casar, Mallu? Ela ri enquanto responde: “Até que seria bom”.

O namoro com Marcelo Camelo vai muito bem. O músico se mudou para São Paulo no começo do namoro, e principalmente por causa dele. Como recompensa, foi “a musa” de grande parte das canções do último álbum de Mallu.

O namorado acompanhou pessoalmente a feitura das fotos que ilustram esta reportagem. Ficaram grudados por quase todo o tempo que ela não estava na frente da câmera. Segundo Mallu sugere na entrevista – e chega a deixar claro na letra de “Te Acho tão Bonito”, do disco novo –, é Marcelo o ciumento do casal.

“Existe uma divisão: tem o mundo e tem o amor. São coisas diferentes”, ela diz. “O que a gente faz? Tenta trazer o amor para o mundo. Mas nem sempre consegue. Em várias situações do mundo o amor não cabe, porque as pessoas ficam ocupando os espaços com sensações ruins. Por isso eu já sofri tantas vezes com isso.”

Ela se refere, principalmente, ao começo da relação com Camelo, quando enfrentaram todo tipo de comentário desagradável, principalmente pela diferença de idade entre os dois.

“As pessoas reagiam com um ódio que eu não conseguia entender de onde vinha”, diz. “Fui xingada como se tivesse cometido um crime. De andar na calçada e as pessoas gritarem de dentro do carro: ‘Vagabunda!’. Em restaurantes, sempre aparecia gente zoando. E você lá, comendo com o seu namorado, conversando de coisas simples, como o gato que está com a pata machucada, tinha que levantar e ir comer em outro lugar.”

Camelo diz que não tem o menor interesse em fazer parte desse “universo de circulação de informação” e aponta a contradição em que não quer cair. “Se estamos aqui pra celebrar a autonomia de pensamento e sentimento, não posso ao mesmo tempo aceitar o papel de modelo de comportamento, pagando tributo aos outros pelo que fazemos ou deixamos de fazer”, ele diz. “Estou vivendo minha vida, nossa vida e, na maior parte do tempo, muito feliz por isso.”

Dudi, pai de Mallu, engen heiro, conta que, a princípio, também ficou “meio ressabiado” com o namoro. Mas, aos poucos, foi entendendo que a filha estava muito mais bem cuidada ao lado de Marcelo do que junto de qualquer moleque da idade dela. “Hoje em dia nos damos muito bem. Ele e a Mallu gostam bastante dos programas familiares e nos divertimos muito”, afirma.

Mallu já se sentiu feia, gorda, esquisita. Em outra fase, olhou o espelho e se viu magra, muito magra. E, pior: gostou daquela imagem. Passou a comer pouco e eliminou a carne do cardápio.“Ficava doente o tempo todo, mas achava normal. Até que minha menstruação não veio por dois meses. Fui procurar na internet e vi que era problema de nutrição, coisa de gente que tinha anorexia”, diz. “O mundo exige que a gente só seja feliz se estiver bonita. É bom saber separar qual é a felicidade do mundo e qual é a nossa. Quanta gente não passa a vida inteira vivendo a felicidade do outro?”

 

Antes de o sol nascer
Acorda cedíssimo. Antes do café, passa três esfoliantes. Um é oriental: segundo ela, “lava os chacras e várias partes do corpo que ficam carregadas – as axilas, por exemplo”. Os outros são para as pernas e para o rosto. Também faz exercícios de ioga em cima da toalha de banho. Para cumprir esse ritual, tem que acordar antes das seis. Mas gosta mesmo é de levantar às cinco e ver o sol nascer.

“O mundo exige que a gente só seja feliz se estiver bonita. É bom saber separar qual é a felicidade do mundo e qual é a nossa. Quanta gente não passa a vida vivendo a felicidade do outro? ”

“Sou muito diurna. Me distanciei da minha geração de rock porque era estranhíssimo eu não beber, não usar droga, não gostar da noite. Ficou complicada essa minha situação”, diz. “Não tenho amigos. Fico vendo as pessoas na televisão, aquela conversa de ‘ai, amiga, adivinha o que eu fiz hoje...’. Não consigo. Eu tentei, uma vez. Mandei um ‘olha, amiga, que lindo meu esmalte’. Mas não funcionou. Ninguém gostou do meu esmalte. Era azul-escuro.”

Seu melhor amigo com menos de 30 anos continua sendo Manoel Brasil, 20, o Mané – seu primeiro produtor, ainda na fase pré-profissional. Foi ele quem colocou as músicas de Mallu no YouTube e, por consequência, é responsável por ela ter se tornado quem é agora. Mas eles se veem pouco. “Quando se tem um amigo, tem que ter coisa em comum”, diz Mané. “Tenho mais assunto com a Mallu porque conheço seu universo. Agora ela anda com poucas pessoas: comigo, que tenho 20, com o Marcelo, que tem uns 30, com a Eliete [Negreiros, professora de canto], que tem uns 50, com minha avó, que tem 60. Eu era o amigo mais velho dela, agora sou o mais novo.”

Os tempos de Mallu Magalhães, portanto, são todos esses. Convivem espremidos na música que ela faz, no modo como lida com a profissão, a família e a escola, na total falta de aptidão para se comunicar com o público de TV, no jeito nada programado de formular raciocínios.“De vez em quando a gente quer ter opinião, mas não consegue encontrar. Eu não sei o que eu acho. Em várias situações, tive que deparar com essa questão do não saber”, ela diz. “Com essas, aprendi a escolher e a escutar. Amadurecimento é conseguir encontrar um caminho dentro de você pra demonstrar seus sentimentos. Em 2009, consegui encontrar uma boa parte de mim que ainda não conhecia. Mas, nossa, era uma parte de que eu estava precisando muito.” E ela, já assim madura, ainda nem completou os 18.

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