Um beijo ou um queijo?

por Luara Calvi Anic
Tpm #94

No primeiro encontro você vai no prato suculento ou faz a linha saladinha extralight?

Dê uma busca em sua memória visual: quantos homens você já viu degustando quiche com salada? Mandando ver na iguaria francesa, a ponto de lamber os beiços? Definitivamente “mandar ver” não rima com “quiche”. Um bifão acebolado também não merece a piscadela de uma mulher. Pelo menos é o que mostra um estudo publicado pela Universidade McMaster, no Canadá. Segundo a pesquisa, a quantidade de calorias ingeridas por uma mulher durante a refeição depende de quem está à mesa. Ou seja, quem vai definir se ela vai na saladinha extralight ou em opções mais suculentas é o dono da cadeira da frente. “Mulheres escolhem pratos com um número menor de calorias mais quando comem com um homem do que quando estão acompanhadas de mulheres”, diz a conclusão do estudo, que observou 469 estudantes, a cerca de 10 metros de distância, em três diferentes cafeterias da universidade. Em média, mulheres que jantam com um ou mais homens consomem 220 calorias a menos do que quando estão acompanhadas das amigas. Já os homens não estão nem aí para o que vão achar do seu X-salada cheio de maionese. No caso deles, a escolha dos pratos não é, em nenhum momento, influenciada pelo acompanhante.

“Elas só comem mesmo é depois do rala e rola ou quando estão com as amigas”, confirma um garçom do Paris 6, um bistrô romântico em São Paulo. A grande maioria das mulheres ouvidas pela Tpm diz que usa certo critério na hora de pedir o prato. Principalmente nos primeiros encontros, quando a impiedosa “primeira impressão” dá o tom – e a tensão – da ocasião. “No começo do relacionamento eram aqueles pedacinhos bem picados de frango, aquela saladinha de leve. Tudo ajeitado em movimentos bem lentos no talher”, diz a estudante Flávia Elisa, 20. “Temaki só depois de um tempo de namoro. É esquisito ficar mordendo aquele cone”, diz a publicitária Patricia Barros, 30. “Carne?! Nem pensar! Só se tiver certeza de que nada mais vai rolar depois do jantar. Imagina aquela proteína bombando no seu estômago a noite inteira?”, diz a advogada Natascha Curi, 29.

“É improvável que cada grupo observado seja formado por pessoas que tenham um relacionamento amoroso. De qualquer modo, nós achamos que a comida é um caminho para sinalizar seus atrativos diante de um parceiro em potencial. É possível que a relação entre escolha da comida e companhia não aconteça com indivíduos que estão em um relacionamento mais longo”, diz Meredith Young, psicóloga canadense responsável pelo estudo.

“As mulheres que pedem melhor a comida são aquelas que comem com mais volúpia. É mulher mais solta, dada aos prazeres” Alex Atala, chef do restaurante D.O.M.

Essa autocobrança até na hora de passar o pedido ao garçom é mais um aspecto da cultura que privilegia a aparência, o modelo de beleza padrão, aquele que está na capa da maioria das revistas. Além disso, os bons modos pregam o comedimento, quem come demais é visto como indisciplinado. “A mulher é sempre associada à delicadeza e ao belo. Homens gordos são vistos como ricos e bem-sucedidos, mas não é tolerável uma mulher bem-sucedida ser gorda. Elas se poupam de uma avaliação crítica ou punitiva pedindo pratos mais leves”, explica a psicanalista Joana de Vilhena Novaes, coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza da PUC-Rio.

Manda um duplo!

Essa ideia de que mulher tem que comer menos do que o homem é tão antiga que no clássico... E o Vento Levou, lá em 1939, a babá de Scarlet O’Hara diz para ela comer antes de sair para um jantar porque “em público uma moça deve comer feito passarinho”. Tá, mas lá em 1939 as mulheres não faziam metade do que fazem hoje. “Quando a gente come o que quer fica mais feliz e satisfeita. É isso que nos deixa mais bonitas e interessantes!”, defende a publicitária Emmanuelle Saeger, 30. Em Nova York, por exemplo, comer saladinha é coisa dos anos 90, moda girly ou típica de mulherzinha. É o que diz um artigo do The New York Times intitulado “Sejam vocês mesmas, garotas. Peçam uma costela”. Segundo o jornal americano, na década passada, quando as mulheres eram menos bem-sucedidas no mercado de trabalho, uma saída para manterem a imagem de magras e delicadas era, assim como Scarlet O’Hara já sabia, comer alguma coisa em casa antes do “date”. Mas isso é coisa do passado. Segundo o artigo, escolher um prato caprichado é sinal de que você é “despretensiosa, tem os pés no chão e não é neurótica”. Também mostra que não é “obcecada com seu peso, apesar de ser magra, e que não tem problema algum com comida”. O artigo conta a história de Martha Flach, que no site de busca por parceiros match.com escreveu: “Eu amo arquitetura, a revista The New Yorker, cachorros… filé para dois e palavras cruzadas”. O historiador italiano Massimo Montanari explica essa associação de carne e poder em seu Comida como Cultura (Senac). Para ele, a carne sempre esteve associada “a um estilo de vida e alimentação culturalmente identificado com o exercício do poder, da força, da violência. Negar a carne significa afastar de si a sedução do poder”, diz. A comida frugal é vista como mais feminina. A carne vermelha está muito relacionada com o ser homem, ser macho. “Eram eles que caçavam e traziam comida para casa”, lembra a nutricionista do Hospital das Clínicas Adriana Kachani.

“As mulheres que pedem melhor a comida são aquelas que comem com mais volúpia. É mulher mais solta, dada aos prazeres”, atesta o premiado chef paulistano Alex Atala. Para ele, as mulheres que “pedem melhor” a comida são mulheres mais livres. “Cá entre nós, minha experiência diz que homem adooora mulher que come bem, mulher sem frescura, parceira, sabe?”, diz a publicitária Emmanuelle. “Já ouvi de um monte de amigos que acham o máximo mulher companheira no rodízio”, completa.

Da próxima vez que olhar para o garçom, que tal escolher um prato tão apetitoso quanto o moço da sua frente? E se o seu par estranhar o pedido, ofereça uma garfada na boca.

E no Twitter...

Perguntamos para as mais de 11 mil seguidoras do Twitter da Tpm: “Mulher come menos quando está acompanhada de um homem? Verdade? Mentira? O que vocês acham?”. Abaixo, palpites em até 140 toques

@izabellee Talvez não coma menos, mas posso dizer que por mim, dependendo do clima, prefiro comer coisas “graciosas”.

@izabellee Graciosas leia-se alimentos que não sujem o dente com orégano ou deixem bafo.

@andreiamm Difícil. Não na companhia do meu! Depois que comecei a namorar engordei 5 quilos. Ele engordou 14 quilos!

@susana_mieko Depende da intimidade. Sempre comi menos na frente dos meus ficantes, minha mãe come até demais na frente do meu pai.

@danibarsotti Não acho que seja uma regra, mas já conheci homens que reparam e muito no que a gente come.

@oliveiramafezoca Como bem menos quando tô na companhia do bofe. Chego em casa e abro um pacote de bisnaguinha.

@adayohanna Depende da mulher, claro. Eu como bem, nada de pedir salada e ficar de olho gordo nas batatas fritas do moço.

@li_magalhaes Se você já é íntima do cara, não. Caso contrário, as mulheres se policiam, sim!

@oliveiracarolinices Verdade! Não sei de onde tiramos que comer muito é feio. É culpa dos estereótipos de mulher magra, da imagem de mulher perfeita.

Vai comer?

Nina Horta, cozinheira, banqueteira e colunista da Folha de S.Paulo, explica por que um pescoço de ganso pode interferir no papo do primeiro encontro

Por Nina Horta

Vamos lá sem grandes psicologias pois sou cozinheira e não quero ir além das chinelas. Alguma coisa deve haver em torno do comer em frente aos outros. As freiras dos colégios não podiam comer diante das alunas, e em piqueniques, quando saíam conosco, ficavam em jejum. Uma delas, bem mocinha, comeu uma ameixa no pé, com a boca tampada por um lenço e depois ficou se corroendo de remorsos. Por quê? Comida de rua. Agora acho que até proibiram, mas vendiam pedaços de melancia, rodelas de abacaxi no centro da cidade. A mulher que comprasse e saísse comendo pela rua levava cantadas e assobios, o que sempre me intrigou. Por quê? Como tenho um buffet reparo nessa atitude das mulheres desde a mais tenra idade, e isso quer dizer bar mitzvah e 15 anos. São grandes festas com muita comida e as crianças não comem absolutamente nada, a não ser sushis que vão de uma bocada só e sorvete de copinho. As mães insistem, pedindo uma massa, mas sobra tudo. E dá para entender. As meninas de salto alto, maquiadas, cílios postiços, querendo namorar, é muita informação nova para administrar. Chegando em casa se esparramam na cozinha, jogam longe os sapatos e comem um sanduichão de pão velho com a maior gula. Os meninos, bem menores que as mulheres, quase de calças curtas, só pensam em todos os estratagemas possíveis para tomar o primeiro porre, que lhes daria coragem de enfrentar aquelas mulheres novas, que ainda de manhã eram molecas.

E para nós, mulheres em geral, é só lembrar de um primeiro encontro para jantar. Com um homem. Ou com uma mulher. Desconhecidos. É altamente provável que estejamos mais interessadas neles, no que têm a dizer, do que no bife. E se chega à mesa uma comida muito complicada, que precise de faca afiada, o tal filé acebolado, um peixe com espinhas, complica tudo. Ele e você, ela e você querem causar boa impressão e um pescoço de ganso recheado pode interferir demais no papo. Agora, depois das primeiras formalidades, nada mais bonito e sensual do que uma mulher que sabe apreciar um prato de comida, come bem, com gosto, curiosidade. E, quanto mais apaixonada a mulher estiver, mais fome vai ter. Da freira aos homens da rua, aos adolescentes, deu para ver que comida é o que há de mais sexy, e que o verbo “comer” tenha dois sentidos, e que um deles não seja apropriado para falar alto e de bom-tom. Por quê?

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