por Maria Ribeiro
Tpm #94

Somos todos carneiros à espera do corte, como diz Dostoiévski; à espera do fim de tudo

A primeira vez que eu amei tinha 6 anos. Lembro-me da ansiedade de entrar na sala de aula e ver onde Eduardo estava sentado. Da angústia de resolver se iria pra escola de rabo de cavalo ou maria chiquinha. Porque não era um amor, assim... bonitinho, eu sofria. Ouvia o Jairzinho cantando “Se Enamora” e pensava... “Como vai ser meu vestido de noiva?”.

Com 13 me apaixonei de novo. Dessa vez doeu um pouco mais. O rapaz, com 15, meio inteligente e meio bonitinho, tinha um grande fã-clube, e, apesar de alguns beijos (os meus primeiros), nunca namoramos. Quer dizer, ele nunca namorou comigo. Porque eu não me importava em não ser correspondida. Eu gostava de sentir, e minhas lágrimas sempre rendiam textos, cartas e um terreno perfeito pra ouvir A-ha.

Aos 17 tive meu primeiro namorado: Rafael. Cara incrível, ficamos juntos uns três anos. Me ensinou a ver filme de arte, viajamos de carro pelo Brasil, fui muito feliz. Mas, pela primeira vez, vi a mão do tempo sobre o amor. E passamos a brigar, fomos indelicados um com o outro, até que acabou. E eu não sabia que acabava. Só pelo Chico Buarque.

Portanto, quando conheci meu primeiro marido, aos 21, já trazia algum remendo. Mas o coração é leviano, e eu me apaixonei como se tivesse 6 e tive vontade de dar minha vida pra ele e quis ter filho e coloquei nossos nomes em todos os meus livros e quis ficar junto pra sempre. Assim foi. Nove anos.

Meu ex-marido vinha de um casamento de 23 anos. Sua dor era maior que a minha, eu percebia a melancolia pelo fim do seu casamento, e achava injusto. Mas hoje compreendo. E acho que deveríamos todos nos dar as mãos. Somos todos carneiros à espera do corte, como diz Dostoiévski. À espera do fim do amor, do fim da vida, da velhice.

A vida sorri
Não sei se algum dia vou me recuperar do fim do meu casamento, até hoje não me refiz da morte do meu cão da infância, e nem sei se gostaria que fosse diferente. Também decidi que não vou ser amiga do meu ex-marido, acho uma falta de decoro com tudo o que vivemos, e há que se honrar o passado. Mas a vida sorri sem avisar.

Com 31 me casei na igreja. Meu namorado me trouxe de volta meus sonhos de menina. E, vestida de princesa, jurei amá-lo pra sempre, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza. Foi, junto com o dia em que nasceu meu filho João, o dia mais feliz da minha vida. Que Deus nos proteja, e não sei se acredito em Deus. Mas acredito no amor.

No amor e nas análises combinatórias. Porque, as filhas do meu ex-marido, eu as amo. Também não admito que falem mal da ex-mulher do meu marido, esse é um direito só meu. Tenho um profundo respeito pela ex do meu ex. Vou sempre achar que quem está ou esteve à volta de quem eu amo ou amei é alguém muito especial, e que, não fosse a vida um pouco áspera, passaríamos todos juntos o Natal.

E pro meu filho, que volta e meia se confunde e fica triste com essa família meio torta, com duas irmãs que não são filhas da mamãe, um irmão que vai chegar e não é filho do papai, eu digo:

Eu não digo nada. Digo que o amo muito, e o deixo chorar um pouco. E, como num mundo ideal, onde os amores se acumulam e não são substituídos, ele pergunta: “Mãe, e o bebê, com quem vai parecer?”. E eu, grávida de oito meses de mais um menino, respondo: “Ah, João, com você, comigo, com o Caio...” . E ele, depois de um tempo: “E com o meu pai, né, mãe?”.

Sorrio. E com o seu pai, filho. Com o seu pai.

* Maria Ribeiro, 34, é atriz e diretora do documentário Domingos, sobre o diretor de teatro e de cinema Domingos Oliveira. Atuou em Tropa de Elite, em 2007, e atualmente interpreta uma policial na novela Poder Paralelo, da Record. Seu e-mail: ribeirom@globo.com

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