por Karla Monteiro
Tpm #93

O Nirvana, no Rio de Janeiro, está mais para filial do Projac do que para escola de ioga

Desde que a Globo é Globo o Rio de Janeiro se tornou um grande Projac. E sua sala de estar, de uns tempos pra cá, tem sido o Nirvana, badalada escola de ioga na zona sul da cidade. De Fernanda Torres a Rodrigo Santoro, de iyengar a ashtanga, o lugar exala o suor dos famosos o dia todo. Nossa correspondente em solo carioca deixa o tapetinho de lado e investiga o fenômeno

Debora Bloch está sentada no café, de legging preto, tênis, camiseta branca e faixa no cabelo. Ela toma um suco com uma amiga. Não dá para ouvir direito o que elas falam. Mas estão discutindo relacionamentos, de uma e de outra. Betty Gofman desce a escada. Suada, com uma bermuda de moletom descolada, top e Havaianas. Mira o cardápio pendurado na parede. Pensa. Senta e pede uma salada e um suco verde. Rodrigo Santoro come uma salada de quinoa com folhas verdes. Ele conta uma história bizarra. Alguém invadiu o seu e-mail e espalhou mensagens para centenas de pessoas. Maria Flor veste um shortinho vermelho com elástico nas pernas e um top. Passa direto para o vestiário, descalça. Carla Camurati sai de uma das salas com uma bermuda de ginástica cinza, uma camiseta amarfanhada e comenta com alguém que a aula foi puxada. Fernanda Torres chega com o seu indefectível chapéu, de abas gigantes, que cobriria até o sol do Saara. Passa na roleta de entrada e, dando um alô apressado para as meninas da recepção, pergunta qual é a próxima aula. Alguém responde: “Iyengar, com a Shakti”. Ela faz um sinalzinho de joia e corre para se aprontar.

Bisbilhotices e karmas
Como bem se sabe, o jornalismo é, por excelência, uma profissão bisbilhoteira. E os famosos, por profissão, sujeitos que atraem a bisbilhotice. Todas as minhas manhãs, de segunda a sábado, são assim: povoadas, invadidas, infestadas de celebridades. As cenas se misturam na minha cabeça. Nos corredores, no café, nas salas de aula, na lojinha, no chuveiro, na sauna, os globais estão por toda parte, azucrinando o meu momento diário de relaxamento. Como repórter que sou, não consigo – embora tente – não prestar atenção nos movimentos dessa turma que transforma o Nirvana, a minha escola de ioga, em uma extensão do Projac. O Nirvana foi inaugurado em 2004. Ocupa um prédio bacana, de 814 metros quadrados, nos domínios do Jóquei Clube, na Gávea, zona sul do Rio. Capitaneado por professores renomados, o lugar atraiu a nata carioca, de várias tribos: madames desocupadas; jovens bonitos e sarados, com cara de Leblon; pessoas comuns, que só estão querendo se esticar um pouco; iogues focados, que encaram a prática com severidade; e muitos, muitos rostinhos célebres.

Rodrigo Santoro diz que o legal da escola é a possibilidade de variar, de experimentar diversos estilos. Em um dia, ele dá uma banda na aula de hatha, a ioga mais tradicional. No outro, sua a camisa na ashtanga, modalidade vigorosa e fluida, criada no sul da Índia pelo festejado iogue Patthabi Jois, morto em maio deste ano. O estilo preferido do moço no momento, porém, é a vinyasa-ioga, um tipo de ioga que também privilegia a fluidez, sem, no entanto, manter uma série fixa de posturas, como a ashtanga. “O Nirvana é muito bacana. Frequento desde o início”, comenta. A escola tem três salas, 700 alunos e 23 aulas por dia. Abre às seis da manhã e só para às dez da noite, com práticas de uma hora e meia. Apesar de focado em ioga e ter um spa voltado para terapias alternativas, o Nirvana funciona como uma academia convencional. Os praticantes podem fazer quantas aulas quiserem, em qualquer horário. Quase toda essa turma estrelada, aliás, veio das academias. Há cinco, seis anos, a Estação do Corpo, na Lagoa, badaladíssima, era o point da galera. Hoje está todo mundo na ioga. Por quê? Além do modismo, cada um tem uma resposta. Cynthia Howlett faz quase sempre ioga com bolas, uma junção da prática indiana com o pilates, e garante: “Eu faço ioga porque me deixa em paz, trabalha o meu corpo e minha mente”. Frederico Reuter emenda: “Me dá concentração, equilíbrio, me alonga, me dá sensação de estar fazendo algo bom para o corpo e para a alma”.

 

 

No Nirvana, as aulas mais procuradas – e lotadas – são as de iyengar, método desenvolvido pelo mais importante iogue vivo, B.K.S Iyengar, que tem como foco o alinhamento corporal e a permanência nas posturas. Fernanda Torres, por exemplo, era praticante de ashtanga. Hoje migrou para as aulas de iyengar. Das 8h45 às 10h15, ela está sempre lá, de tapetinho em punho, depois de já ter deixado os filhos na escola. Betty Gofman frequenta a mesma turma. Durante Caminho das Índias, optou por aulas particulares. Mas assim que terminou a novela voltou para o Nirvana. Segundo Betty, aulas particulares funcionam porque são elaboradas de acordo com o desenvolvimento pessoal do praticante. Mas ela prefere a energia, a vibração das aulas em grupo. “É muito bacana a coisa do grupo. Tem o fluxo de energia. E eu adoro o Nirvana. O espaço é lindo e, com a diversidade de horários, não falto nunca”, comenta. “Ioga para mim é fundamental. É bom para a respiração, me proporciona tranquilidade. E me traz muita felicidade.” Ano passado, Betty se machucou fazendo posturas invertidas. Ficou longe da ioga por um tempo. Hoje aprendeu que a história é se conhecer para não ir além das possibilidades do corpo. “Tem que ter certo cuidado. Há movimentos maravilhosos para você, outros não. É importante também fazer uma aula que esteja dentro do seu nível de prática”, recomenda. “Eu sou apaixonada por iyengar. Não vivo sem.”

 

O tapete e a antena
Depois de três anos de Nirvana, já me acostumei a praticar ioga assim, cercada de trabalho. E já que não consigo deixar a repórter em casa quando saio todas as manhãs, com o meu tapetinho nas costas, resolvi conciliar a minha paixão com a minha profissão. Hoje, por exemplo, marco entrevistas no café orgânico da escola. E, às vezes, confesso, cometo algumas barbaridades decorrentes dessa mistura da pessoa jurídica com a pessoa física. Vou contar aqui a minha maior – e um tanto vergonhosa – indiscrição. Numa certa manhã, depois de uma aula de iyengar, fui para o vestiário tomar banho. Depois da prática, dez minutinhos de sauna e uma chuveirada demorada. Deixo que meu momento de relax, então, se desvirtue por causa da... voz da Fernanda Torres. Com seu timbre inconfundível, ela fala ao telefone. Tento me desligar. Não consigo. Papo vai, papo vem, a atriz, uma das mais difíceis de marcar entrevista, dita o número do seu celular para o interlocutor. Fim da chuveirada meditativa. Passei o resto do banho repetindo o número mentalmente. Pingando água, peguei o meu celular e gravei o número. Graças a Deus, memorizei errado. Ufa! Um karma a menos.

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