por Carol Sganzerla
Tpm #83

Descubra por que ficar em silêncio é tão difícil pra nós

"A gente quer se afastar de si próprio... Pra isso é que o muito se fala. O senhor sabe o que é o silêncio? O silêncio é a gente mesmo, demais”

- Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas

 

 

 

Quando foi a última vez que você ficou em silêncio? Sente num lugar tranqüilo, desligue seu celular, desconecte-se da internet e descubra por que a vontade de falar, escrever, postar se tornou tão incontrolável

Pisca uma vez, duas, três vezes. A luz se apaga. Os laptops silenciam-se e, em coro, ouve-se: “Aaahhhh”. Foi só um susto. A luz volta, o computador religa. Sem conexão. Sem internet. Sem MSN. Sem Twitter. Sem Orkut. Sem Skype. O pânico se instaura. Um, dois, três, cinco, dez minutos. Nada. E-mails não chegam, mensagens não saem, as informações não se atualizam. Pau na rede. Desorientadas, as pessoas levantam de suas cadeiras sem saber como se ocupar. Ufa, o celular funciona! Começam, então, a ligar desenfreadamente para informar, a quem interessa – ou não –, que estão desconectadas do mundo virtual. “Qualquer coisa estou no celular”, alguém avisa para o outro lado da linha. Entram em cena iPhones, BlackBerries, Smartphones: eles tocam, vibram, acendem, chamam. Seus donos agradecem; e-mails chegam, mensagens reaparecem, as ligações não param. Respiram, enfim, aliviados: estão on-line.

Hoje é assim. Não se vive mais off-line. Da mesma maneira que os bipes, as chamadas e os toques soam a todo minuto, a cabeça está sempre a mil. Olhos atentos, ouvidos ligados, voz em alto e bom som, mãos discando, digitando... Os radares do corpo não desligam e são estimulados pelas tecnologias, que proporcionam 24 horas de conectividade, onde quer que seja. Sua alma nunca se aquieta. Já parou para pensar há quanto tempo você não fica em silêncio?

As provas desse falatório constante não são palavras, mas números: uma pesquisa do Ibope, realizada entre agosto de 2007 e janeiro de 2008, mostra que as mulheres fazem mais ligações por mês do que os homens. Da turma que faz de 21 a 50 chamadas mensais, elas somam 62,40%, contra 37,60% deles. Quanto à duração, quando se trata de mais de 21 minutos falando, elas são 60,10%; eles, 39,10%. Um estudo da operadora Vivo, de 2007, aponta que a mulherada possui 54% das linhas de celulares do mercado e que, de um ano pra cá, passou a utilizar mais SMS do que os homens. Elas também aumentaram o número de envio e recebimento de fotos em 2,5 vezes contra 1,9 deles. E, ainda, nos últimos dois anos, dentro do aumento de 75% da média da evolução da internet residencial, o crescimento feminino foi de 93%, segundo dados do Ibope/Net Ratings, publicados no Meio & Mensagem, em 2008.

Silêncio = tortura
O filósofo Mario Sergio Cortella, professor da PUC e autor de sete livros sobre comportamento humano, explica o ruído: “Hoje em dia as pessoas precisam de barulhos contínuos para distrair o cérebro. Tem gente que não se suporta e precisa falar sem parar para não ficar com os próprios pensamentos”. Especialista em antropologia cultural, Mario Sergio conta que o silêncio não é algo positivo em nossa sociedade. “Ao contrário do Oriente, onde o silêncio é valorizado e considerado sinal de modéstia, de recato e de virtude, no Ocidente a quietude é sinônimo de solidão, de que alguma coisa está errada.” Ele lembra de como somos estimulados a falar desde cedo e de como uma das coisas mais admiradas numa criança é o fato de ela começar a balbuciar as primeiras palavras precocemente: “Falar é um sinal de independência”. E pode ser também um sintoma de perda da noção de interioridade, explica Eurico Cursino dos Santos, sociólogo da Universidade de Brasília. “A espiritualidade moderna torna-se tão mesmerizada pela tecnologia, que as pessoas se esquecem de si mesmas e de quão valiosas são as coisas simples da vida. O resultado disso é que as verdadeiras passagens, aquelas que devem ser festejadas, acabam passando batido por excesso de estímulos tecnológicos”, esclarece o especialista.

Cíntia Ferro, 31 anos, entra em pânico quando seu Nextel não toca. Estranha ninguém procurá-la. “Penso: ‘Será que estou perdendo alguma coisa?’.O sentimento é esse”, confessa a gerente de marketing, que, por mês, vê a conta do celular alcançar os R$ 1.500. “Sou ligada 24 horas, tenho uma vida social intensa, minha cabeça não desliga. Mas tenho plena consciência de que isso me estressa e cansa as pessoas que estão perto de mim”, assume.

Há nove meses, a produtora de áudio Maria Fernanda Bastos, 36 anos, viciou-se em postar comentários no Twitter – rede virtual que ficou famosa porque seus usuários, que só podem escrever posts de no máximo 140 toques, contam coisas corriqueiras e são “seguidos” por outros usuários. “É muito esse lance de você ser aceito. Ser seguido é um status. Não tem quem fale: ‘Estou no Twitter mas não importa quem me siga’. Lógico que importa”, solta a produtora, que não desgruda do laptop nem no sítio. “Não consigo parar de falar. Por exemplo, você queima o dedo e, antes de passar remédio, escreve lá ‘queimei o dedo no fogão’”, exemplifica Maria Fernanda.

Maria Lucia Stein, mestre em psicologia social e institucional pela UFRGS e membro da Associação Psicanalítica de Porto Alegre, chama a atenção para a falsa idéia de estar realmente conectado. “Pensar que você está sendo acompanhado por tanta gente produz um certo conforto. Mas, se olharmos para 140 caracteres ou 200, 300 seguidores, quem realmente está testemunhando algo da sua vida? Os recursos tecnológicos são, na verdade, um fenômeno para dar conta da fragilidade humana”, teoriza Maria Lucia.

Distraia seu cérebro
“Se o Twitter fosse com áudio, pareceria o Mercado Municipal”, diz um dos posts da publicitária Bruna Calheiros, 22 anos, a Baunilha, em sua página do próprio, traduzindo com perfeição o que a rede social parece: um amontoado de gente falando, perguntando, buscando seu espaço. Bruna achou o seu justamente na internet. Rascunhou seu primeiro blog há dez anos e hoje escreve em mais de cinco – um deles é o premiado www.sedentarios.org, com mais de 3 milhões de pageviews por mês. Ela tem quase 3 mil seguidores no Twitter – um dos recordes da rede – e, por ser blogueira, foi contratada para gerenciar a versão on-line da agência de promoção Bullet. “O contato que tive com a internet trouxe muita coisa para minha profissão”, diz Bruna, que recentemente comemorou dois anos de um namoro que começou no Orkut. “A vida passa a girar em torno disso, passo mais tempo na internet do que em casa, do que com meu namorado”, admite.

A diretora de criação e sócia da agência Hell Suzana Apelbaum, 35 anos, é unha e carne com seu iPhone. Até na cama: “Sempre li muito antes de dormir. Agora, fico navegando na internet. É tão bom que chega a ser ruim”, conclui ela, que despende entre R$ 2 mil e R$ 2.500 mensais falando, falando, falando...

Segundo o filósofo Mario Sergio Cortella, talvez o som mais agradável para o ser humano seja a própria voz, porque ela afirma a identidade. E, como vivemos a era da conectividade, a sensação que se tem é a de que temos que permanecer em voz alta o tempo todo.

Muito se discute se realmente a mulher fala mais palavras ao dia do que o homem. Estudos norte-americanos se contradizem, principalmente no total de palavras ditas, mas o resultado é sempre o mesmo: as mulheres falam infinitamente mais. As comparações podem variar entre – mulher e homem, respectivamente – 7 mil X 2 mil, 25 mil X 12 mil e 50 mil X 25 mil.

De acordo com Cortella, do ponto de vista sociológico, há uma razão de natureza cultural para todo esse blá-blá-blá: “As mulheres foram por muito tempo silenciadas: sem voz na política, na empresa, na família. Durante muito tempo, a única forma de ocupação das mulheres foram as conversas. Diferentemente dos homens que, em lugares como bancos, escritórios, fábricas, precisavam ficar mais quietos, concentrados”.

Bia Nicotero, 39 anos, é tão conectada que não suporta sujar o dedo com o papel do jornal. Notícias, só on-line. Diretora executiva de uma empresa de conexões digitais com sede na Europa, carrega dois notebooks, tem seu perfil no LinkedIn (versão business do Orkut) e o Smartphone fica ao pé do ouvido caso apareça um e-mail na madrugada. “É quase uma compulsão, tenho que tomar cuidado. Não gosto de deixar as coisas para depois, me tranqüiliza saber que tenho todas as informações, 24 horas por dia, em um aparelho”, justifica Bia.

Necessidade parecida bateu em Priscila Zogbi, 33 anos, quando uma amiga grávida corria risco de morte.“Queria acesso à minha vida pessoal 24 horas”, lembra ela, que mora em Nova York desde 2002 desenvolvendo fragrâncias para a Avon. “Sem meu BlackBerry me sinto tão insegura e exposta como quando estou sem brinco ou batom”, confessa. “Outro dia me peguei atravessando uma avenida olhando o celular. Em um flash vi que poderia perder a vida assim. E pensei: ‘Mas que vida?’. A vida não é a que se vive por meio dos eletrônicos e sim a de ver que o sol estava se pondo, que um homem estava sorrindo, que as folhas estavam começando a cair...”, reflete Priscila.

Um silêncio que ninguém ouviu
Mario Sergio Cortella bate nessa mesma tecla: “Nós, ocidentais, perdemos a capacidade de contemplar, observar as coisas sem precisar falar”. A fundadora da comunidade zen-budista do Brasil, Monja Coen, explica por que as pessoas não querem ficar com elas mesmas. “O silêncio nos leva às profundezas, por isso é fácil nos escondermos na superficialidade. Temos medo porque essa penetração pode tocar em pontos essenciais e gerar transformação. Mas, se eu ponho pano quente nos meus questionamentos, um dia eles explodem”, conclui. Os momentos de silêncio, segundo ela, existem, só que não damos atenção porque estamos acostumados a só perceber o som. E sugere: “O que nos falta é treinamento. Não que tenhamos que ficar horas no topo de uma montanha. Mas o silêncio pode acontecer em breves instantes no trabalho, no trânsito... Não há necessidade de estimular os sentidos o tempo todo. Procure ficar quieta 5 minutos, sem fazer nada, mas presente em si. E pense: ‘Será que em algum momento do dia eu consigo acessar algum lugar mais profundo dentro de mim, na quietude?’. Procure, porque esses momentos são possíveis”. Monja Coen ainda frisa a importância de reaprendermos a dialogar: “É nas coisas simples, como ouvir os próprios passos, que estamos presentes e, a partir daí, desenvolvemos a capacidade de ouvir melhor. E, assim, minimizar o falar para o que é adequado, e não só por impulso”.

Fica a sugestão, uma vez já pensada por Arnaldo Antunes na canção “O Silêncio”: “Vamos ouvir esse silêncio meu amor: o astro pelo céu em movimento. O som do gelo derretendo. O barulho do cabelo em crescimento. A música do vento. A matéria em decomposição. A barriga digerindo o pão. Explosão de semente sob o chão. Diamante nascendo do carvão. Antes de existir a voz existia o silêncio. O silêncio foi a primeira coisa que existiu”.

240 HORAS DE SILÊNCIO ABSOLUTO

Passar dez dias quieta foi, sem dúvida, um dos maiores desafios da minha vida

POR LAÍS FLEURY*

Foi conversando com viajantes na Índia que fiquei sabendo do curso de meditação Vipassana, uma das mais antigas técnicas de meditação do país, resgatada pelo mestre Goenka e considerada “um remédio universal para doenças universais”.

Fui procurar mais informações no guia Lonely Planet, e o que encontrei: “Sério curso de meditação com duração de dez dias. Envolve acordar diariamente às quatro da manhã, dez horas de meditação por dia, e silêncio nobre durante todo o retiro”.

Silêncio nobre significa não estabelecer comunição oral e visual com ninguém. Confesso que, inicialmente, me pareceu mais fácil meditar dez horas por dia do que ficar dez dias em silêncio absoluto. Um desafio interessante para uma mulher, resolvi peitar!

O curso começou com uma apresentação do código de disciplina, uma releitura das regras exigidas, como: o silêncio, não comer depois da meia-noite, não ler, escrever etc. Aí perguntam pela última vez se você realmente tem interesse de assumir esse compromisso, porque, uma vez que o curso começa, não é permitido abandoná-lo. Cheguei a pensar, fico ou não fico? Fiquei…

Foram 240 horas em silêncio. Mas o que é o silêncio, afinal? Segundo o Aurélio, silêncio significa o estado de quem se cala. Eu acrescentaria: o estado de quem se cala em relação ao outro!

Descobri que o silêncio não é ausência de voz, porque nossa voz interior não cala. A voz alta dos meus pensamentos e do meu coração são absolutamente incontroláveis. Parecia uma estação de rádio que nunca desligava!

As coisas como elas são
A verdade é que, independente do seu real significado, o silêncio mudou a minha perspectiva de desafio no curso. O difícil não era ficar sem me comunicar verbalmente com as outras pessoas, e sim parar de conversar comigo mesma, conseguir meditar.

O fato de me silenciar em relação ao outro permitiu que eu tivesse um encontro íntimo comigo. Me dei conta de que nunca tinha feito isso antes, dedicar tanto tempo para dentro. E observar a minha mente me fez descobrir quão inquieta e falante ela é! Talvez venha daí o significado da palavra Vipassana: ver as coisas como elas são.

*Laís Fleury, 34 anos, é empreendedora social pela Ashoka. Atualmente trabalha como instrutora de atividades ao ar livre para Nols (www.nols.edu) e Outward Bound Brasil (www.obb.org.br)

FALA QUE ALGUÉM TE ESCUTA

O fala-fala feminino invade a web e engrossa o caldo das intimidades para consumo imediato

POR DENISE GALLO*

As mulheres falam. Certo. Os homens também falam. Crianças, animais, até as plantas falam. Tudo fala neste mundo eloqüente. Mas dizem que as mulheres falam mais. Entre mulheres, então, muito mais.

A medicina explica que o centro da fala é mais desenvolvido no cérebro feminino. As meninas, em geral, falam mais cedo do que os meninos. O talento para a conexão pessoal aparece logo: com apenas três dias, as meninas sustentam o olhar em direção a um adulto pelo dobro do tempo dos meninos. Há, também, a oxitocina, hormônio que tornaria as mulheres mais inclinadas a amizades e parcerias (ai!, que medo dessas explicações que enquadram a “natureza feminina”).

As influências culturais (ufa!, agora sim) deram seu empurrãozinho nessa solidariedade. Com pouco espaço para se expressar, a amizade entre mulheres foi, por muito tempo, um oásis em suas vidas. E incutiram tanto romance açucarado em suas cabeças, que esta máxima pega até hoje: mulheres gostam de falar de relacionamentos, de gente, de amor. Tudo isso para explicar aquilo que qualquer um que esteja esperando para usar o telefone já sabe há muito tempo: a gente fala pelos cotovelos!

Na passagem para o mundo virtual, a oxitocina escorre pelos teclados. Estudos americanos constatam que as garotas publicam mais conteúdo, têm mais blogs, cultivam mais as amizades on-line. No Brasil, o aumento do número de mulheres na web e o crescimento das redes sociais femininas indicam que estamos indo para o mesmo caminho. Que caminho?

Publico, logo existo
Entre os muitos usos, uns maravilhosos e outros desastrosos, a que se presta essa hiperconectividade, a exposição da intimidade parece ser um dos mais populares. Os desabafos, assim como o cotidiano sem graça, que antes ocupavam páginas de diários secretos, ganham dimensão pública, numa ciberterapia curiosa.

A vida íntima precisa de platéia para ganhar sentido. Publico, logo existo. Assim, todo mundo pode ter o seu momento “pinguepongue com a Gabi”, se autoperseguir como um paparazzo e jamais dar um passo sem avisar ao público invisível que sua vida não é nem mais nem menos banal do que a de qualquer um.

*Denise Gallo, 38, é sócia de Uma a Uma, empresa de inteligência de mercado especializada em comportamento feminino: blog.umaauma.com.br. Seu e-mail: denise@umaauma.com.br

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