Valesca Popozuda

por Redação
Tpm #143

Em entrevista à Maitê Proença, funkeira desabafa: ’eu queria ser aceita pelas mulheres’

 

Para a funkeira Valesca Popozuda, 35 anos, investir pesado no “popô” não é só questão de vaidade, mas de ganha-pão. Já a atriz Maitê Proença56, disse uma vez à Tpm: “com tanta vida pra viver, não dá pra passar 3 horas do dia com a cabeça na bunda”. O encontro entre essas duas figuras não poderia ser mais inusitado – e foi mesmo: nestas páginas, Maitê entrevista a moça que virou feminista involuntária e um dos fenômenos culturais mais curiosos do momento

 

A carioca Valesca Santos nasceu no bairro do Irajá, zona norte do Rio de Janeiro, em 1978. É mãe de Pablo, 14 anos, filha de Regina e trilhou o caminho mais ou menos comum entre as celebridades instantâneas que o Brasil costuma reconhecer por pouco mais de 15 minutos: descoberta quando era frentista de um posto de gasolina (por Leandro Gomes, o Pardal, pai de Pablo e seu empresário até hoje), virou cantora e dançarina de um grupo de funk (o Gaiola das Popozudas), foi capa de Playboy (em 2009), integrou o elenco de um reality-show (A fazenda 4, na TV Record, em 2011) e há menos de um ano está na carreira solo que deslanchou com o lançamento do vídeo Beijinho no ombro (produção que teria custado quase meio milhão de reais e que até o fechamento desta edição contabilizava quase 30 milhões de views no YouTube).

Cabelo liso e loiro, peitos com meio litro de silicone de cada lado, bunda também aumentada cirurgicamente, pernas bombadas por muita musculação, agenda frenética de shows, apartamento na Barra da Tijuca: são muitas as provas de que a menina do Irajá é hoje outra pessoa. Valesca é um fenômeno cultural que transita entre ricos e pobres, uma mulher engraçada que atraía plateias essencialmente masculinas dos bailes proibidões, mas que ganhou a simpatia também das mulheres com versos que ela considera feministas – do tipo “agora eu tô solteira e ninguém vai me segurar”.

Convidada para entrevistá-la, a atriz Maitê Proença descreve suas impressões sobre ela e a conversa que passou por infância, maternidade, arte, sexo, dinheiro, Fábio Júnior, Roberto Carlos e outros sonhos:

“Foi curioso o convite. Pareceu-me que pretendiam colocar frente a frente as duas pontas de um mesmo bicho chamado mulher. Por isso, aceitei. Também queria entender onde estavam as diferenças e se haveria semelhanças. Sempre há um mundo recolhido atrás das aparências, e ele é quase sempre mais interessante do que o outro, visível. Neste caso, fiquei em dúvida. Porque o mundo de peitos e bundas empinadas em estocadas que simulam a penetração, os palavrões gritados em ritmo de funk, e a apologia do ato sexual sem qualquer necessidade de metaforizar, tudo isso que se vê, me parece incrivelmente intrigante. Ainda mais intrigante foi ouvir Valesca, uma moça doce e romântica, gente boa pra caramba, discorrer sobre as motivações que a levam a cantar frases como ‘tô olhando tua piroca e tô vendo uma anaconda’, para citar uma das mais singelas. Valesca tem pouca voz, ela mesma afirma, mas basta soltar três palavras, para o público – frenético e hipnotizado por sua presença – obedecer ao chamado de cantar junto com ela em catarse delirante. O funk da Popozuda leva milhares ao êxtase em estádios lotados. E ela canta o que eles querem, sem censuras. Diz que arte é isso, cantar a verdade. E que o funk é a verdade da periferia”.

Maitê Proença. Como era a Valesca pequenininha? Gostava de brincar de boneca ou brincava com os meninos?

Valesca Santos. Eu gostava de brincar de boneca, de brincadeira de menina. Brincava com meninos quando juntava todo mundo, aquela coisa na rua, jogar queimada, vôlei... Mas sempre fui mais de brincar de panelinha, fazer comidinha.

Você era vaidosa? Sim, muito, sempre fui. Pegava as coisas da minha mãe, a maquiagem, o secador.

E já se achava bonita? Sim, me achava. Assim... me achava normal. Quando criança a gente olha e quer colocar roupa nova, botar um sapato novo e ficar toda feliz.

Você acha que era mais bonita pequenininha ou está mais satisfeita com o jeito com que se apresenta fisicamente hoje? São fases, né? Vai mudando cada vez mais. Mas eu prefiro hoje, a idade vai deixando a gente mais bonita [risos].

Fala uma mulher que você acha bonita. Pode ser do meu mundo, artista da música? Beyoncé.

E homem? Ai... por incrível que pareça, eu gosto do Fábio Júnior.

Você não gosta daqueles homens bombados? Não, não tenho essa tara, não. Meu estilo é meio que Fábio Júnior mesmo.

Como foi sua adolescência? Essa é uma fase complicada, as pessoas estão se procurando. Foi uma fase atormentada ou você passou batido, tranquila? Não, eu dei muito trabalho. Corria pra lá, corria pra cá, mentia pra minha mãe, sabe? Falava que ia pro cinema e ia pro baile, com a turma mesmo, matava aula pra passear no shopping... Vinha uma coleguinha, “vamos ali?”. Vamos! Respeitava minha mãe, mas dava dor de cabeça.

Sua mãe era brava com você? Reprimia, botava de castigo, ou passava a mão na cabeça? Era compreensiva, não era só castigo.

Você bate no seu filho? Não... Já bati, fui criada na dificuldade e a minha mãe me ensinou assim: “Hoje nós vamos sair, não me peça nada, que eu não posso te dar. Nem uma bala. Vamos só ali fazer isso, resolver isso e aquilo e vamos voltar”. Tá bom. E quando ela tinha trabalho e recebia, aí me dava presentes, roupa. O meu filho eu também vinha criando desse jeito, só que às vezes a criança, quando quer uma coisa, um brinquedo, e você não tem condições de dar, ela esperneia, se joga. Então, uma vez em Madureira ele queria uma patinete, devia ter uns 4 anos pra 5 e aconteceu isso. Aí eu dei uns tabefes nele, sabe? Mas eu ficava sempre, assim, com o meu emocional... eu passava mal. Depois eu vi que, assim, não ia adiantar.

Que horas você acorda? Que horas eu vou dormir, né? [Risos.] Eu vou dormir 7 da manhã. Meu trabalho é sempre de madrugada, e eu trabalho todo dia. Se não tiver compromisso, meio-dia eu tô de pé.

 

"Por incrível que pareça, eu gosto do Fábio Júnior. É o meu estilo"

 

Você dorme umas 5 horas? É. E se tem alguma matéria, foto, alguma coisa pra fazer, só cochilo 2 horinhas. Ontem eu cantei num aniversário em São Paulo. Cheguei no flat já eram 5 da manhã e levantei às 9. Amanhã vou trabalhar em Vitória [Espírito Santo], fazer shows, TV, rádio. No sábado eu tô em Ribeirão Preto, no domingo eu tô em Brasília.

Não tem dia de descanso, ficar em casa? Tá difícil. Assim, não é que eu não quero... casa faz falta, meu filho me faz falta. Mas, assim, é um trabalho, faz parte. Eu gosto de fazer e a gente tem que aproveitar. Eu sempre busquei isso, desde o momento em que eu me entendi nessa coisa de artista, cantora.

Quando tem um tempo livre, como você ocupa? É muito curto, né? Tenho que me dividir, minha mãe, meu filho, funções de casa, ver como o Pablo está no colégio. Não dá pra dormir o dia todo e acordar na hora que quiser. No dia seguinte já tenho que viajar.

Você lê? Não muito. O último livro que eu li foi A menina que..., ai meu Deus. Peraí, vamos conversando que eu vou lembrar.

E quando entra no avião ou no tempo antes do showo que você faz? Fica sozinha no quarto de hotel? Tem um lado solitário no trabalho? Não, porque eu tô sempre em companhia, com as pessoas da equipe, viajando... A menina que roubava livros! Lembrei. Bom, quando chego no hotel, tô muito cansada. Pego o café, tomo banho e apago.

Você já ficou muito triste, deprimida? Às vezes acontecem problemas, de chorar, de achar que nada tá dando certo. Você busca tanto um foco no trabalho e fala “cara, nada dá certo. Onde eu tô errando?”, sabe? Como trabalho com funk, tem um pouco de preconceito. Então você fica martelando: “Poxa, se as pessoas me conhecessem melhor, iam ver que eu não sou isso que elas estão pensando”. Tenho sentimento, coração, família.

Que preconceito é esse? É por você ser mulher? Ah, por ser mulher, cantar funk... tem as pessoas que não gostam.

Você é um fenômeno semelhante à Gretchen e à Rita Cadillac? Ou é outra coisa? Eu acho que são estilos totalmente diferentes, né? A semelhança, podemos dizer, é o popozão, ser popozuda. Elas também carregaram isso. Vai mais por aí.

Quão importante é o popô pra tua carreira? Jamais quero tirar esse nome, Popozuda. As pessoas trocam, às vezes, no decorrer da carreira; eu não, esse sobrenome eu quero carregar pra sempre. O nome veio de Gaiola das Popozudas, o grupo que eu trabalhava, e aí começaram a me chamar de Valesca Popozuda. Foi o nome que construímos e ficou forte. Isso é hoje quem eu sou, me ajudou bastante.

 

 

Você se identifica com as letras das suas músicas? Sim, me identifico, sempre. A maioria delas é voltada pras mulheres, né?

Mas aquilo é o que você pensa? “Tô olhando a tua piroca e tô vendo uma anaconda”? Essa não é minha.

Eu já vi você cantando isso. Sim, mas é porque [risos] são músicas de outros MCs, que a gente coloca no repertório... são estouradas, a gente faz um melody dessas músicas e eu canto.

Por exemplo: “Minha boceta é o poder/ mulher burra fica pobre”? É verdade. A letra no nosso funk é a vida das pessoas, é o dia a dia. A vida da comunidade, o que acontece, então a gente expressa essa coisa em música, mas sempre levantando, eu nunca vou denegrir a imagem da mulher. É sempre botando o que acontece, sabe, na vida real. Eu sou uma mulher, então eu sei, eu sofro, eu sinto. Porque, assim, a mulher é sempre tachada como vagabunda e o homem não.

Ela é tachada de vagabunda quando usa o corpo pra conseguir coisas. Você não tá promovendo isso, de certa forma? Usar o corpo pra ficar rica? Mas é o que acontece na vida! É o que a gente vê na vida, no dia a dia.

Você tá sugerindo que as mulheres façam isso? Não estou sugerindo, eu estou cantando o que acontece, né? Não vou falar “vá lá se prostituir”. Cada um faz o que quiser.

Você acha errado? Se prostituir? Eu não acho; acho que a mulher tem que saber o que tá fazendo. Não deve ser fácil, tem que ter coragem pra estar ali. Muitas se prostituem por não ter um caminho aberto pra fazer outra coisa. Quantas se formam e não têm um espaço pra exercer a função? Então elas buscam sobreviver, é uma mulher guerreira.

 

"Eu não canto, encanto. Seduzindo de forma que as pessoas vibrem, cantem junto. Isso me dá prazer"

 

Você fala muito de sexo no seu repertório. Você é liberal na cama? Sou, dentro de quatro paredes vale tudo. As pessoas fazem o que quiserem da sua vida.

Você tem mais prazer na sedução ou no sexo em si? Como assim?

Quando você tá no palco, você seduz uma plateia inteira de certa forma. Tô, tô seduzindo. Como eu digo, eu não canto, encanto. Levando alegria, né? Seduzindo de forma que as pessoas vibrem, cantem junto. Isso me dá muito prazer, eu gosto mesmo.

Eu acho que as pessoas que pisam num palco têm uma necessidade de atenção maior do que as outras. Eu me incluo nisso, a gente tem uma carência do tamanho de um bonde, precisa daqueles aplausos. Sim, isso te dá um prazer, é uma alegria, ainda mais quando você faz o que você ama. Já cansei de, antes de entrar no palco, estar triste, ter chorado, mas é pisar no palco e começa... os fãs não têm culpa do que a gente vive, né?

Você tem tempo pra namorar? Assim, no momento eu não tenho, tem séculos que eu não tô namorando, não tem ninguém sério. No momento, assim, eu tô focada 100% no meu trabalho, 100% na minha carreira.

Você não sente falta? Ultimamente não, ando tão cansada... E quando eu falo pra você que eu tenho que dividir meu tempo, meu filho, família e é tão pouco tempo que às vezes isso passa totalmente batido, sabe?

Não sente falta do sexo? Nem do sexo.

Nem do chamego? Nem do chamego. Chamego, eu sinto falta do meu filho, quando eu chego e fica juntinho...

E de ter uma pessoa com quem você possa dividir as suas intimidades? Eu sou uma pessoa muito calada. É muito difícil eu ficar falando as minhas coisas, eu me privo, eu me travo, não sou de ficar contando, sabe, “ah, fulano, isso aconteceu”. Eu guardo.

Então aquilo tudo, aquela pessoa solta do palco, na intimidade é uma pessoa reservada? Sim.

Qual é o palavrão que você mais gosta? Porra! [Risos.] Que é sempre o que a gente fala... Mas eu danço conforme a música. Também faço matinê, canto pra crianças, sabe? Não preciso ficar com o palavrão 24 horas. E eu não fui criada assim, com a minha mãe não podia falar palavrão. As pessoas acham que eu já vou chegar dizendo “caralho”, entendeu? Porque eu sou funkeira, canto funk, tem palavrão no meio das músicas... mas, não, não tenho isso, eu falo um palavrão se estiver com muita raiva.

Então nos shows você controla, se precisar. É, eu tenho que ter limites nos shows; quando pode, a casa libera, o público mesmo canta. A gente faz um mix de músicas, fica uma coisa bem eclética, não só o funk. Tem sertanejo; sertanejo não, o arrocha, né? E pagode, axé, tipo “Lepo Lepo”, Xuxa, Balão Mágico. A mistura depende da plateia.

Você acha que vai se casar um dia? Eu já tive esse grande sonho de entrar na igreja vestida de noiva, sabe? Ter uma megafesta, mostrar pra todo mundo “tô casando”, mas hoje não sei, eu já sofri tanto por amor que eu me bloqueio.

Não é por que você está fazendo coisa demais? Hoje eu foco 100% no meu trabalho, porque entrei em carreira solo e a gente tem que focar. São 14 anos e tá mais e mais, não me imagino vivendo longe do que eu gosto de fazer. Quero deixar a vida me levar até onde der. E não ter aquela coisa de homem mandando, manipulando... “Tá onde? Tá fazendo o quê? Traz minha comida, lava a minha cueca...” Já passei por isso, não dá.

Que idade você tem? Eu tenho 35.

Já aconteceu de cantores funcionarem durante uma época e depois a coisa ir esfriando. Você tá preparada pro ostracismo, se acontecer? Sim. Isso vai acontecer dependendo do foco do trabalho. Acho que, se eu focar sempre, minha carreira vai mais e mais... Entrei em carreira solo e eu não penso em parar, isso não entra na minha cabeça. As pessoas esfriam, às vezes somem, mas porque não fazem um trabalho... Assim, não dão um foco no trabalho. Mas eu não, eu não penso que vai esfriar. Amanhã posso ser uma grande empresária no meu mundo.

Seu tesão tá mais no palco ou na grana? Tá no palco. Dinheiro é bom, ajuda, sim, mas o palco é melhor ainda.

O que foi a primeira coisa que você comprou quando ganhou seu primeiro dinheiro? A primeira coisa grande foi o meu apartamento, na Barra. Eu já tinha uma casa, aí tirei minha mãe de onde ela morava, em Campo Grande, no Cabuçu, e trouxe ela pra morar perto de mim. Ela morava de aluguel e aí, quando eu posei pra Playboy, em 2009, eu comprei meu apartamento, reformei a casa onde eu morava e botei minha mãe pra morar lá.

Então foi bom ter posado pra Playboy. Você já era conhecida? Já.

E você já tinha esse bumbunzão? Você botou um pouquinho mais, né? Foi difícil? Nada, é uma cirurgia tão tranquila.

Contaram pra mim que era terrível, que passa por dentro do músculo e você tem que ficar de bumbum pra cima durante um mês. Nada, não, com um mês eu já tava trabalhando, acredita? Eu senti mais no peito do que no bumbum. Depois da gravidez o peito fica em decadência. Então era um grande sonho... depois de cinco anos trabalhando foi que eu consegui colocar meu silicone.

sua vida melhorou por causa disso? Ah, a autoestima da mulher. Nossa, não tem nada como você olhar no espelho e se sentir bem.

Você tem inimigos? Guarda algum rancor? Não tenho, acho que a única pessoa da minha vida que pode ter marcado desse jeito pode ter sido o meu padrasto. Ele acabou com a vida da minha mãe. Tem uns sete anos que ele foi embora de casa. Sabe aquela história de “vou ali comprar um cigarro e já volto”?

E o seu pai? Meu pai morreu, eu não fui criada por ele. Minha mãe me criou com um padrasto que também já morreu. Porque meu pai me rejeitou, disse que eu não era filha dele. E minha mãe não tem ninguém, foi criada em colégio interno e saiu de lá pra trabalhar em casa de família. Não conheceu família, eu não conheço avó, bisavó, minha mãe não sabe nem se tem irmã. São essas mágoas que puxam um pouco, entendeu? [Chora.] Sua mãe morar com uma pessoa que não gosta, pra ver a filha bem, sabe? Deixar a filha numa comunidade pra poder trabalhar e sustentar. Por isso tenho mais vontade de crescer e dar o melhor. Já tive isso na vida, de sofrimento com homem.

 

"Sou romântica. Gosto de receber flores, de carinho, de atenção"

 

Você já se apaixonou por alguém que te tratou mal, como sua mãe foi tratada? Porque às vezes a gente repete, né? Repete, mas eu não quis repetir esse erro.

Você disse que já sofreu muito. Já, já sofri, a minha gravidez não foi mole, não foi desejada, não veio no momento certo. Por não gostar do meu padrasto eu saí de casa com 14 anos. Não porque ele fez alguma coisa comigo, mas pelo que eu via ele fazer com ela.

Você teve um filho pra segurar o homem? Não, veio porque aconteceu. Ele deu apoio, mas a gente não chegou a ter aquela coisa de marido e mulher. Teve um tempo em que fui morar com ele, porque tive que parar de trabalhar, e o que eu ia fazer? Ele me deu suporte, de não faltar nada, mas não amor.

Tem coisas que a gente é obrigada a fazer por dinheiro mesmo... Você tem medo de um dia perder tudo, financeiramente? Eu sou gastadeira. Sou compulsiva. Mas eu guardo. Desde que comecei o trabalho, eu faço investimentos, a poupança do meu filho. Penso no dia de amanhã. Já pensei muito só no dia de hoje, mas há muitos anos eu foco nisso. Eu não quero viver na riqueza, no luxo, sabe? Ter várias empregadas? Ter uma mansão? Eu moro em apartamento, sonho em ter uma casa. Mas não uma mansão de dez quartos. Uma casa aconchegante, né?

Você é convidada para prêmios de música? Eu tô concorrendo agora, meu primeiro prêmio. Do Multishow. Tô concorrendo a Melhor Cantora. Eu nunca sonhei em ser cantora, sabe? Aconteceu, Deus me colocou nesse caminho, entrar nesse mundo da fama. Eu fiz muita figuração na Globo, tava todo dia no Projac. Fiz um book pra uma agência, ia começar a fazer teatro. Um tempinho depois descobri que estava grávida, aí desmoronou tudo... E hoje tô concorrendo a esse prêmio de melhor cantora. Que eu não sou! Eu encanto, levo alegria. E com música chiclete. 

Você se considera uma artista? Você disse que não é cantora. Considero, claro! Mas eu não canto assim, de cantar bem, né? De como muitos que tem por aí, cantando maravilhosamente, que não desafinam [risos]. Cantar bem é não desafinar, né? A gente sempre dá aquela desafinada... mas eu encanto.

Mas você se vê um dia no palco ao lado do Ney Matogrosso, da Maria Bethânia? Ah! Eu me vejo... Deles não, mas ao lado do Roberto Carlos [risos]. Eu sou louca por ele. Eu me vejo nos meus sonhos: “São tantas emoções!”. Sonhar não paga nada de imposto, né? Eu vou sonhando.

Você acha que o que você faz é arte? Sim!

O que é arte? O que é arte? Arte é levar uma alegria, né? Você me corrija, por favor, que você é mais... Arte é... Você expor ali, é o que você gosta de fazer. As pessoas vibrarem com o seu talento, com as coisas que você faz... Acho que vai por aí.

Mesmo se você estiver dizendo “minha boceta tem o poder”. É, é uma arte. Faz parte da vida, é o que acontece. O que a gente vê, o que se passa dentro das comunidades. A gente expressa em forma de música.

Tem um documentário sendo feito sobre você, não tem? Sim, Da favela para o mundo.

E quem tá fazendo? A gente tá fazendo, independente. Minha equipe. Hoje estamos negociando com os canais, pra ser exibido. Vai ter desde o começo da minha carreira, viagens... Dia a dia, casa, família, fãs... Como eu chamo, meus “popofãs”.

Você se mete na produção? Você aprova ou deixa o empresário tomar conta de tudo? Eu sempre vejo alguma coisa ou outra. Às vezes eu falo: “Ah, podia botar aquilo que a gente gravou”. Sempre dou uma opinião.

Mas ele comanda? Ele comanda. Confio plenamente. Tô com ele há anos, né?

O que um homem precisaria ter pra conquistar a Valesca Popozuda? Eu sou romântica. Gosto de receber flores, de carinho, de atenção. O cara tem que ser verdadeiro, carinhoso, dividir os problemas. Viver pra família, pro filho, dar atenção. Ser companheiro, né? Mesmo que tenha os perrengues. Na vida nada é 100%.

Se você tiver que sustentá-lo, tá na boa? Por mim tá na boa, sim.

Se ele pisar na bola e te trair? Eu já perdoei várias situações. Eu acho que quando a gente ama a gente peca por esse lado, de aceitar porque ama, sabe? Se eu amar e gostar, eu perdoo.

E se você trair ele, ele tem que entender? Aí, já não sei... Bom... é difícil trair. Só vou trair se tiver que trair mesmo, se não estiver aguentando, mas acho que, quando chega esse caso, a melhor coisa é cada um ir pro seu lado. Senão vira uma bagunça, sabe? Acabou o respeito, pra que viver juntos?

Que qualidade é indispensável numa mulher? Uma qualidade indispensável? É... Se dar o respeito, para ser respeitada.

O que quer dizer “se dar ao respeito”? É se impor, entendeu? Ter voz firme, buscar o que quer, sabe? Pra si... Não esquentar para o que as pessoas falam. Eu me valorizo, sabe? Falo quando tenho que falar, não tenho medo. Muitas fãs chegam pra mim e falam que se identificam. E muitas senhoras... Eu tenho hoje, graças a Deus, fãs de todas as idades que se identificam e gostam da minha atitude. Não tenho aquela coisa de querer agradar; pisou no meu calo, eu grito.

Você tem medo da decadência física? Da velhice? Não. Não tenho medo porque vai vir. Vai acontecer. O que cair, a gente vai lá e dá uma deitadinha de novo [risos]. Eu quero ser feliz. Já liguei muito pra esse lado de estética. Já fui muito assim “ah, tenho que malhar, ficar gostosa, tenho que me olhar no espelho e não ter uma celulite”, sabe? Mas hoje não tenho esse pensamento. Nada é perfeito, sempre vai ter uma ziquizira.

 

 

Deus existe? Existe. Sim, existe.

Você é religiosa? Sou. Deus existe, sou religiosa, mas eu sou espírita.

Tem algum ritual antes de entrar em cena? Eu rezo todos os dias. Durmo e agradeço. Acordo e agradeço. Peço proteções. Peço por quem eu gosto, minha família, meu filho. 

Não existe contradição entre o que você faz no palco e suas crenças religiosas? Não... Eu só quero é cuidar do meu lado... Deus em primeiro lugar, sempre.

E tem algum ritual físico pra entrar em cena? Sim, a gente sempre alonga um pouco, mas assim... Hoje, o fundamental é aquecer mais a voz, né? Tenho fono, equipe. A fonoaudióloga me ajuda a puxar essa coisa, pra não ficar rouca. Eu vivia muito rouca.

Ela vai na estrada com você? Ela vai, tá sempre na estrada comigo. Antes de sair do hotel, eu aqueço um pouco... Depois, no camarim... Aprendi a cuidar das cordas vocais. Você é que tem que se reeducar, saber o que é bom pra você e o que você quer.

Me explica: qual é a diferença entre você e as outras funkeiras? Posso dizer que sou a Valesca, não posso dizer por elas... Mas o que eu sou e o que eu aprendi na vida, desde o momento em que entrei pra esse mundo, é ter humildade, pé no chão. Respeitar e valorizar um fã. Eu dependo deles.

Você tem vergonha de fazer alguma coisa? o é você que escolhe o seu repertório, é? Não, é meu empresário.

E não tem nada que você cante que você fale“Não, essa aqui não quero cantar”? Não. Eu vou e me jogo. Canto o que as pessoas querem. E gosto de show movimentado. As pessoas paradas, não dá. O que tá na boca da galera é o que o povo gosta, sabe?

Se chegar com uma letra escabrosa, você canta. Se a galera tá curtindo, canto... Se os fãs curtem... Menos inglês, que eu não canto, né? Não entendo essa língua, então...

Deixa eu voltar numa coisa. Como você fala muito de sexo... “Beijinho no ombro” não é sobre sexo. Você viu o “Beijinho no ombro”?

Vi, claro. “Beijinho no ombro não, mas é tudo muito em torno de sexo. E querem que seja, você dá o que eles querem. Sim.

Mas você disse que não sente falta disso na vida. Agora não... Pelo foco no meu trabalho. Não tem nem um ano que tô trabalhando em carreira solo. Aonde a Gaiola [das Popozudas] ia era mais masculino, bundão, peitão. Era 100% masculino, homens na frente do palco. Chegou um tempo que eu queria as mulheres também. Eu queria ser aceita por elas. Foi quando fui buscando músicas como “Late que eu tô passando”, “Agora eu tô solteira”. Os proibidões só são executados nas comunidades, né?

O que são os proibidões? São essas letras que têm palavrão. Quando vai pra TV e pras rádios, vira uma versão light.

Sei, mas no palco tem um clima erotizado. Minha pergunta é: você, na intimidade da cama, acha que é indispensável o gozo? Numa trepada, precisa gozar? Claro! Óbvio. Fazer e não gozar é terrível... Tem que ter o orgasmo, tem que subir pelas paredes. Tem que ser bem-feito! Sair satisfeita.

É porque às vezes as pessoas gostam mais de seduzir, de conquistar. E a coisa do sexo em si, falam muito, mas fazem pouco... Eu não falo muito, não. Não me gabo. E também não sei se sou boa... Que eu gosto, eu gosto. Quem não gosta? Quando falo que não quero me envolver, que não tenho tempo pra namorado... é claro que me relaciono. Eu transo de vez em quando. Eu namoro, mas não aquela coisa de “quero amor, quero pra casar”. Não! Quero focar no meu trabalho.

Essas pessoas que acontecem, quando cabe nessa agenda... você apresenta pro seu filho? Não, não... Eu respeito. Minha mãe fala: “Tava onde, hein? Sumiu...”. Aí eu falo: “Ah, fui namorar um pouquinho”. Mas não tem essa de levar pra casa. Minha casa é eu e meu filho. E a Talita, que trabalha comigo. 

Qual foi a melhor época da sua vida? Quando fui descoberta. Assim, quando eu tive um grande boom, né? Ter o reconhecimento.

Quando foi isso? Foi quando eu lancei “Agora eu tô solteira”... Há uns cinco anos.

 

"Fazer e não gozar é terrível... Tem que ter orgasmo, subir pelas paredes. Tem que ser bem-feito!"

 

Mais do que quando você era criança? Mais do que qualquer momento? Sim... Porque busquei isso, né? Um trabalho, reconhecimento, passar na rua e falarem: “Caraca! A Valesca!”. Fiquei muito feliz quando eu comecei a ter o meu palco, com 80% de mulheres na frente, cantando comigo. E tenho muitos fãs homens, né? Mas é com carinho mesmo, de fã. Não é com tesão, “quero te comer”. Isso ficou lá pra trás.

O funk é a voz da periferia? Sim. É a voz da periferia. Tem funk ostentação, tem funk de várias formas. Funk pop melody. Sempre falando do que acontece nas comunidades.

E por que tem tanta gente fora das comunidades que também gosta? Ah, porque se identifica e começa a cantar...

Mas se identifica com o que, se tem uma vida completamente diferente? Ah, mas às vezes se identifica com algo e vai buscar. Às vezes você não vive ali no meio... você tem que saber, tem que buscar. Tem que estudar aquilo tudo pra saber, pra poder defender uma comunidade, sabe?

Me fala três coisas pelas quais vale a pena viver. Pelo meu filho, minha família, né? Pelo meu trabalho, que eu gosto mesmo, amo. E pela vida mesmo, que é tão boa de ser vivida.

Pela vida é muito amplo. Tem que escolher uma coisa. Dançar, plantar couve. Viagens, você gosta? Eu gosto de viajar.

Pensa em conhecer o mundo? Já fiz várias viagens internacionais. Já fui pra Europa várias vezes, pros Estados Unidos. Trabalhando, fazendo turnês. Comecei a viajar com o meu filho todo ano.

Viajar seria uma coisa? Viver pra viajar?

Você tem que encontrar alguma coisa! Nem que seja um hobby. Se um dia você não puder cantar Ah, um hobby? Se um dia eu não puder cantar e fazer nada, aí eu vou vender os meus sapatos. Vou montar um brechó.

Vale a pena viver pra vender sapatoÉ que até lá vai ter uma montanha, eu amo! Tenho mais de 200 pares. Gosto de sapato. Adoro. Fico deprimida se não comprar.

O que você faz pra manter esse pernão? Eu sempre tive, é de família.

Do pai ou da mãe? Mãe. Bundão, pernão. Eu, quando tive meu filho, fiquei bem magrinha, palito mesmo. Só que sempre com perna, batata, bunda. Aí, depois que entrei pra trabalhar com funk, comecei a malhar. Você vê as meninas tudo com popozão e eu sem...

As pessoas gostaram de você grandona... Eu não acho que as pessoas gostam por ter um popozão, por ter um corpo, sabe? As pessoas começam a gostar de você conhecendo, vendo a personalidade, conhecendo o profundo. O corpo não diz nada. O que diz é a nossa verdade, a sinceridade. É o que você é, onde não consegue enganar. Agora o corpo...

Não vale nada? Não vale nada. Um dia acaba tudo, os bichos vão tudo comer.

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