O que faremos do que fizeram da gente?

por Elisa Gargiulo
Tpm #133

Algumas das artistas e militantes que mais têm inspirado a luta feminista de Elisa Gargiulo

A primeira vez que ouvi uma música feminista, não entendi a letra, em um inglês atolado em microfonia e guitarra distorcida. Eu tinha 15 anos. Coloquei o CD do Bikini Kill The cd version of the first two records e ouvi algo tipo “revollshhhnn GIRL styyghh NOW!”. Arrepiada, tranquei a porta do quarto – acho que com medo do que eu poderia fazer com o mundo dali pra frente. Depois aprendi que isso se chama empoderamento. Estranho no início, porque ensinaram que se você sai do script algo de ruim acontece, e tudo é culpa sua. Mas depois vamos descobrindo: essa estrutura de medo e culpa é uma grande mentira.

Sete anos depois, em 2002, outra banda feminista, Sleater-Kinney, descrevia (com “One Beat”) o que se passou no meu quarto: “Sou uma bolha numa onda sonora, um empurrão sônico para energia, explodindo como o Sol, um flash de esperança limpa e leve. Vocês cientistas podem segurar seu fôlego. Decido me mostrar?”.

É o que sinto quando estou na Marcha das Vadias ouvindo as mulheres gritar palavras de ordem. Existe a parte teórica do ativismo. E tem essa força doida que vem quando ouço um discurso em que só o tom da voz já me faz arrepiar. Esse é o mistério que pode transformar uma leitura inspiradora em ação. É o que faz a gente levantar, sair da frente do computador e ir às ruas. É a força feminista que não querem que divulguem.

Mas eu vou fazer isso aqui através de algumas coisas que arrepiam essa não tão jovem alma riot grrrl.

Três artistas feministas brasileiras

Ana Antonov (https://www.facebook.com/annagrrl)

Minha amiga Maiara me mostrou um tumblr com desenhos, frases e símbolos típicos do movimento riot grrrl. É lindo. E a dona dos traços tem 16 anos, mora em Cachoeirinha, no RS, e tem na música a grande fonte de ideias. “Algumas bandas feministas me influenciaram a começar tudo isso, principalmente Bikini Kill e Hole, com letras que contam como é a vida de meninas como eu, que vivem em uma sociedade machista e preconceituosa. Grande parte das minhas ilustrações são inspiradas em trechos dessas músicas.”

NegaHamburguer (http://negahamburguer.blogspot.com.br)

No meio do mar de cartazes da Marcha das Vadias de São Paulo em 2013 reconheci em um deles as linhas da NegaHamburguer. Já tinha visto trabalhos dela pela internet e percebi que era a própria que estava levando o desenho com a frase “Faço o que você quiser, mas só quando EU quiser”. Fiquei eufórica e saí correndo pra fotografá-la. “Vejo beleza em todos e todas. Essa beleza não é aceita por causa de um padrão em que uma minoria se encaixa. Não precisamos caber em formas. Fico feliz pelas mensagens que recebo falando que minhas ilustrações as ajudam a se aceitar”, diz a artista.

Elisa Riemer (http://pinterest.com/liriemer)

Ela produz cartazes pra eventos, marchas e atos feministas e LGBT de todo o país, constrói a Marcha das Vadias de sua cidade, Maringá, participa do coletivo Maria Lacerda de Moura, entre outras mil coisas foda. De onde vem o sopro artístico revolucionário? “O que me inspira é a opressão, a realidade da mulher violentada, a que trabalha e é mal paga, a lesbofobia e transfobia, o fundamentalismo religioso e aquilo que vivemos dentro da chamada ‘família’. Essas relações me inquietam e, dessa forma, as artes são meu grito para a sociedade.”

Ativistas que fazem os feminismos se repensarem

Blogueiras Negras (http://blogueirasnegras.wordpress.com)

Acompanho desde o início e perguntei pra Charô Nunes como começou: “Foi com uma provocação do blog Tempo Fashion, perguntando onde estavam as blogueiras negras”, conta ela, fã de Nina Simone, Clementina de Jesus e Dona Ivone Lara. Com exemplos como o Blogueiras Feministas e o LuluzinhaCamp, pôs a mão na massa com Larissa Santiago e Veronica Rocha. Hoje também colaboram Zaíra Mau Humor Pires e Maria Rita Casagrande, do site True Love. “Somos 150 mulheres negras e afrodescendentes alimentando o blog. A maioria tem entre 25 e 45 anos, estuda, trabalha, milita. Fazem a mágica com sua escrita generosa.”

Transexualismo da Depressão (www.facebook.com/transpatologico)

Página do Facebook que é uma das mais inspiradoras sobre as questões de transexuais e travestis. É feita pela militante trans Daniela Andrade, que tem a ajuda de Aline Freitas e Sammie e marca presença em eventos e debates do movimento LGBT. O que a inspira? “Todas as travestis e transexuais que cotidianamente batalham em nome da vida, neste país que nos nega o direito de sermos vistas como gente. Me inspiram Brenda Lee, ativista que lutou por travestis soropositivas, Janaína Dutra, primeira travesti a se formar advogada no Brasil, Luma Andrade, doutora em educação que venceu estigmas e preconceitos no Nordeste, Marina Reidel, educadora e mulher trans de importante papel social no Sul.”

E tem mais gente que me inspira há tempos...

Top bandas feministas: Bikini Kill (EUA), Sleater-Kinney (EUA), Huggy Bear (Inglaterra), Spitboy (EUA), Bulimia (Brasil) e Ligera (Brasil)

Autoras feministas do coração: Audre Lorde, Bell Hooks, Octavia Butler, Simone de Beauvoir e Judith Butler

Ativistas cujas atuações construíram meu caráter: Amelinha Teles, Débora Diniz, Católicas pelo Direito de Decidir, Angela Davis e Sylvia Rivera

Fotógrafas feministas que amo: Cindy Shermann (EUA) e Elaine Campos (Brasil), que retrata as diferentes subculturas feministas brasileiras

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