Brigar não é ruim

Tpm

por Letícia González
Tpm #132

O psicanalista Luiz Alberto Hanns fala sobre raiva e discórdia a dois

Prestes a lançar um manual sobre terapia de casais para leigos, o psicanalista Luiz Alberto Hanns fala sobre raiva e discórdia a dois

Tpm. Por que os casais brigam?

Luiz Alberto Hanns. Há muitos motivos, mas, se tiver de dizer só um, diria falta de conexão. É o que mostram 30 anos de pesquisas de laboratórios de psicologia. Por exemplo, a esposa diz: “Fui promovida”. E o marido: “Que bom”, e continua lendo o jornal. Conexão seria: “Que maravilha! Quem te deu a notícia? Vamos abrir um vinho e você me conta tudo”. É uma escuta ativa, que se engaja com o outro.

É o velho clichê da mulher reclamando que o cara não ouve? Também. Eu digo que o grande órgão sexual dos amantes que transam com a mulher dos outros é o ouvido. Quando a mulher pede mais conexão, a maioria dos homens faz cara de interrogação.

Brigar muito é ruim? Não é o ideal, passo muito tempo no consultório ensinando casais a ter divergências sem brigar sempre. Mas há relações que funcionam bem entre tapas e beijos. Tem casais que não sabem conversar, mas têm atração erótica e sabem se reconciliar, pedindo desculpas ou fazendo sexo. Ao final, sempre temos alguns conflitos insolúveis.

O que seria insolúvel? Um querer filhos e o outro não? Esse é um exemplo de projetos de vida incompatíveis. São bem mais difíceis de negociar porque você vai passar a vida culpando o outro pelos filhos que não queria ter ou vice-versa. Mas há conflitos em que o meio-termo não agrada ninguém, como a macarronada da sogra: um quer ir todo domingo, o outro nunca quer ir. Para esses, vale mais viver e deixar viver, dar espaço ao parceiro e ter uma proporção maior de interações positivas que negativas. Pesquisas indicam que cinco momentos positivos para um negativo é uma boa média.

Como funciona isso? Se, no convívio semanal, o casal tem cinco ou mais momentos carinhosos ou prazerosos para cada briga, isso costuma valer mais do que nunca brigar mas ter pouco prazer. Há casamentos chochos. Cerca de 15% dos casais que vêm ao meu consultório não brigam, mas estão em relações sem encanto.

E dá para resolver? Dá pra trabalhar muitas coisas num casamento, etiqueta de convívio a dois, aprender a lidar com divergências e perceber o peso que cada coisa tem. O que não dá pra mudar são duas coisas: ter um parceiro sem sal e falta de química sexual.

 

“O que não dá para mudar: ter um parceiro sem sal e falta de química sexual”

 

Que outros motivos levam as pessoas ao consultório? Cerca de 20% vão por causa de uma infidelidade. Mas esse é o sintoma aparente, que esconde uma crise maior. Tanto que, resolvido o conflito, o casal pode ficar melhor do que antes. Mas o processo de recuperar a confiança é longo. Em terapia, pode levar vários meses.

Homens têm mais dificuldade de perdoar? Sim. Mas, quando gostam, perdoam. Apesar de o discurso oficial machista dizer que homem não perdoa, perdoa sim, isso já mudou.

Como se resolve uma briga? O ideal é não brigar. Se não for possível, tentar perceber que o radiador está fervendo e dizer: “Estou com muita raiva, vou ser injusto e dizer o que não quero, melhor falarmos mais tarde”. Em 1 minuto e meio, uma conversa que não começa bem desanda. É fundamental estancar os surtos de raiva.

E depois? Nesse intervalo, você tenta listar os motivos que estão levando o parceiro a agir dessa maneira. Em terapia ensinamos a pensar em cinco hipóteses do porquê de o outro ter agido assim. A primeira e a segunda geralmente são coisas como “porque ele não pode me ver feliz” ou “ele é um egoísta”. Na terceira, você começa a pensar em outras mais sensatas, como “talvez ele esteja cansado”, ou “eu o provoquei”. Também é útil pensar: “Qual foi o botão vermelho que ele apertou em mim?”, “Qual é meu ponto fraco que foi tocado?”

O que faz um casamento feliz? Nosso conceito de casamento hoje é um Frankenstein, tem aspectos do século 19, como um discurso romântico irreal, outros dos anos 60, como a paridade de gêneros, e a meta da autorrealização dos anos 80. As pessoas não casam mais como nossos avós, pra fundar um lar e uma família. Casam para ser felizes. O casamento tem de suprir tudo: cumplicidade, aventura, carinho, sexo, solidariedade, diversão... Muitas vezes esperam coisas que ninguém tem pra lhes dar.

O que não dá para aceitar? Em princípio não há regras, podemos aceitar tudo, desde que valha a pena. Você pode ter um cônjuge difícil, nervoso, depressivo, mas que você ache fascinante, inteligente ou sexy. Nesse caso pode valer muito a pena aprender a conviver com alguém difícil, mas do qual você não quer prescindir.

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