Pau na mesa pra quê?

por Letícia González
Tpm #130

Como as mulheres podem mudar o mundo do trabalho?

O mundo do trabalho foi desenhado pelos homens. Pelo número de reclamações, não tem funcionado bem. Como as mulheres, que ganham cada vez mais espaço nas empresas, podem mudar essa situação?

O censo de 2010 poderia vir com um tapinha nas costas das mulheres. Elas têm a maioria dos diplomas de 15 dos 20 cursos universitários mais populares do país, incluindo medicina e administração. Também têm mais pós-graduação, segundo pesquisa da agência de contratação Catho. Só que, apesar da melhor formação, seguem empacando em cargos mais baixos e ganhando menos que irmãos e maridos.

A situação já era assim em 2000, quando o censo anterior foi divulgado. A novidade é, justamente, que pouco mudou desde então. Em 2012, a consultoria de contratações Michael Page mapeou os salários, em cargos de gestão, maiores que R$ 8 mil no Brasil. Constatou que 72% caem na conta bancária dos homens. Que o mercado é sexista, a maioria dos especialistas já reconhece. Mas uma nova corrente de pensamento diz também que falta às mulheres ambição e, principalmente, saber negociar carreiras que se encaixem em suas vidas.

É o que defende a diretora de operações do Facebook, a americana Sheryl Sandberg, no livro Faça acontecer (Companhia das Letras), que chega este mês às livrarias brasileiras. Sheryl diz que, ainda muito jovens, as mulheres fazem escolhas de carreira que beiram o autoboicote. “Por exemplo, quando são advogadas em um escritório e pensam: ‘Não sei se devo me tornar uma sócia, porque vou querer ter filhos um dia’.” Fazer escolhas precipitadas, diz ela, é o pior caminho. “Se voltar a trabalhar depois de ter filhos for opcional, você só vai fazê-lo se o trabalho for atraente. Mas, se anos antes você parou de se desafiar, a essa altura já vai estar entediada.”

Ela admite que as mulheres não cavam o próprio buraco por burrice. Estão, na maioria das vezes, prevendo a sobrecarga causada por trabalho, casa e filhos. Sheryl chama a atenção para o fato de as americanas empregadas em tempo integral fazerem o dobro de trabalho doméstico que seus maridos. Mas, no Brasil, o número é pior: fazem quase três vezes mais que os companheiros (26,6 horas semanais contra 10,5 deles), segundo a Organização Internacional do Trabalho.

Mas a sensação de sobrecarga não é nem de longe exclusividade das casadas. E a culpa também não é toda do acúmulo de funções imposto pelas empresas. Estar ocupado, de alguma maneira, virou algo positivo para a nossa imagem nos últimos anos. “Temos a ideia equivocada de que a atividade vai nos fazer felizes”, diz à Tpm o filósofo australiano radicado em Londres Roman Krznaric, especialista em empatia e autor de Como encontrar o trabalho da sua vida (Objetiva). “Mas isso pode ser uma distração de coisas que realmente importam na vida, como viver no presente e focar na qualidade das experiências mais que na quantidade.”

Por causa do trabalho, diz Roman, negligenciamos família, amigos e a própria saúde (leia o boxe de Nina Lemos na página 43). “Há tantas pessoas tentando desesperadamente chegar ao fim do mês e pagar suas dívidas que trabalhar muito é visto como algo necessário e justificável”, afirma, para em seguida completar: “Por outro lado, é extraordinária a obediência que damos ao nosso empregador, quando muitas vezes somos tratados como peças anônimas da engrenagem, podendo ser rebaixados ou demitidos a qualquer momento. Nossos amigos e familiares não nos tratam de forma tão desumana (ao menos não normalmente)”.

Para a socióloga Bila Sorj, especialista em relações de trabalho e desigualdade de gênero, equilibrar a vida pessoal e o trabalho é o maior desafio das mulheres brasileiras hoje. Ela desdenha a ideia de que, na maioria dos lares, as mulheres optam 
por centralizar as tarefas, irritadas com uma pretensa “incompetência masculina” para lavar louça ou varrer a casa. “O que existe é uma grande resistência da parte dos homens em aprender essas tarefas. Claro que as mulheres se irritam e tomam a vassoura deles. Mas acho muito engraçado que os homens consigam aprender a manejar programas complexos de engenharia e, ao mesmo tempo, sejam incapazes de fazer montinhos de sujeira quando varrem o chão”, cutuca.

"Trabalhar muito é visto como algo necessário e justificável" Roman Krznaric, filósofo

Rainha do lar
Seus levantamentos mostram que, nos anos 1980 e 1990, as brasileiras contaram com uma boa ajuda em casa para entrar no mercado de trabalho, mas não foi a dos maridos. “A empregada doméstica foi a grande propulsora das mulheres de classe média. Permitiu que elas [as patroas] ocupassem posições, neutralizando o peso das tarefas da casa.”

Mesmo assim, diz Bila, muitas mulheres seguem priorizando os cuidados da casa por pura falta de alternativa. “Há uma correlação muito forte entre o formato da família e o tipo de emprego. Não à toa, mulheres não casadas conseguem empregos melhores”, diz. A estudiosa acha que a coisa não vai melhorar sem políticas públicas. “Não é mais possível resolver de forma privada. Precisamos de creche, pré escola, escola em tempo integral. Não há país desenvolvido no mundo em que as crianças permaneçam apenas quatro horas na escola”, afirma.

"Nenhuma mulher consegue fazer tudo. Nenhum homem consegue. Nenhum humano consegue" Debora Spar, cientista política

O filho é mais dela?
Essas medidas seriam mais eficazes, acredita a socióloga, do que a flexibilização da carga horária, o que ela vê como um tiro no pé. “O caminho errado que muitas empresas estão tomando é criar ‘tempo parcial’ para as mulheres. Só que são cargos sem carreira, sem investimento em capacitação. Sob pretexto de auxiliar, acabam criando uma trabalhadora de segunda categoria”, critica.

Outra coisa que traria equilíbrio às famílias, defende a pesquisadora, são licenças-maternidade e paternidade conjugadas, em que pai e mãe podem dividir uma folga mais longa como preferirem. “Mas sem transferência. Se o homem não usa a parte dele, a família perde o benefício.” É assim que funciona na Suécia, onde os casais têm 16 meses para dividir como quiserem, desde que cada um use no mínimo dois.

Para a psicóloga americana Toni Schmader, autora do estudo, na Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá, sobre a transmissão de valores de pais para filhos, um mundo em que homens e mulheres lavam – literalmente – a roupa suja só pode ser construído com bons exemplos. Toni e outros três colegas entrevistaram 625 pais e filhos de 7 a 13 anos para entender como as crianças enxergam os papéis de homens e mulheres. Se surpreenderam ao constatar que, entre as meninas, as atitudes do pai eram fundamentais para a cristalização de valores. Se o pai ajudava pouco em casa, suas filhas tendem a entender os cuidados com a família como algo feminino, enquanto veem o trabalho remunerado como masculino. Isso ocorreu mesmo em famílias que defendiam um discurso igualitário, mas que, na prática, não o aplicavam.

Os especialistas concordam que não há avanço no horizonte das mulheres sem um maior equilíbrio entre a vida pessoal e o trabalho. Mas isso passa, também, por diminuir expectativas e não aceitar a pressão de ser ótima em tudo. “As mulheres de hoje cresceram ouvindo que são capazes de qualquer coisa. A mensagem é reiterada nas escolas, na mídia, nas famílias”, diz Debora Spar, presidente da escola para mulheres Barnard College, filiada à Universidade Columbia, de Nova York.

“O fracasso é um dos maiores medos das mulheres e, com tanta pressão para ser perfeita, não surpreende que estejam tentando ‘ter tudo’, mesmo que isso não seja realista ou satisfatório”, afirma Debora. “Nenhuma mulher, por definição, consegue fazer tudo. Nenhum homem consegue. Nenhum humano consegue.”

Seis mulheres contam como conseguiram equilibrar suas vidas com o trabalho.

Ter prazer no trabalho pode ser uma meta de carreira
Dia típico no trabalho de Clarice Falcão, 23 anos: gravar um episódio da do programa veiculado na internet Porta dos fundos, em que atua, posar para a capa do seu primeiro disco, Monomania (previsto para o fim de abril), dar entrevista à Tpm e ver um filme com o namorado, o também ator e roteirista Gregório Duvivier, 27. “Às vezes, estou no cinema e pensando no filme que poderia fazer”, diz, explicando por que tem dificuldade em separar trabalho de vida pessoal. Do mesmo jeito que o dia a dia serve de inspiração para roteiros, muitos compromissos parecem lazer. “Não tem nada mais divertido do que ir a uma gravação de Porta dos fundos”, afirma.

O jeito misturado de encarar ócio e produção tem a ver com os pais, o cineasta João Falcão e a escritora Adriana Falcão. “Lá em casa sempre foi meio circo, todo mundo trabalhando e vivendo junto”, lembra. As primeiras lições sobre roteiro foram na mesa de jantar, ouvindo os pais debaterem sobre peças de teatro. Ficaram mais concretas quando a mãe passou a usar a mão de obra da filha nos roteiros que escrevia para o seriado A grande família, da Globo. “Nem sei se posso contar isso, mas, quando ela estava muito enrolada, me chamava: ‘Clarice, faz esta cena aqui’”, lembra. “E ela me mostrava o que estava bom, o que estava horrível. Era uma aula.”

De “ghost-writer” passou a escritora oficial de Louco por elas, seriado criado pelo pai e inspirado na vida dele – na trama, o personagem de Eduardo Moscovis vive rodeado só por mulheres, como a avó, a filha, a enteada e as alunas.

A ideia do coletivo pegou, e Clarice segue achando que os melhores projetos são aqueles feitos entre amigos, em família, ou, no mínimo, com prazer. “Você passa muito tempo da vida trabalhando. Não pode só esperar as oito horas passarem pra ganhar dinheiro”, diz. “E a gente faz com mais esmero as coisas de que gosta.”

É o caso de um dos vídeos mais vistos da Porta dos fundos, “Spoleto”, que tem mais de 4 milhões de acessos, e do primeiro curta-metragem que dirigiu, Laços, vencedor de um concurso internacional do YouTube. Por causa dele, Clarice chamou a atenção da TV Globo e foi convidada para atuar em A favorita, de 2008. Um pulo ideal para uma atriz iniciante, mas que não bateu como um sonho para ela. “A novela e o [autor] João Manuel Carneiro eram incríveis, mas eu não estava pronta.”

Poder de escolha
Sofreu também com a exposição e as críticas. “Era a época do Orkut e eu custava a entender, por exemplo, que tinha gente em Belo Horizonte falando de mim.” A fase ajudou no traquejo com a internet, de onde vem boa parte de seu público atual, e para mostrar que gostava de coisas mais leves, como comédia. Fez um papel na peça Confissões de adolescente e, na noite de estreia, ficou pela primeira vez com Gregório, com quem está há três anos. “As pessoas talentosas me atraem”, pontua.

Não demorou muito, os dois já estavam trabalhando juntos na websérie e, em 2012, estrearam O fantástico mundo de Gregório, reality show de mentira sobre a vida dele. Dormem juntos todos os dias e brigam mais quando estão em projetos separados. “Um fica com ciúme do trabalho do outro. Quando fazemos juntos, pode até ter uma discussão mais acalorada sobre o trabalho, mas acaba e um diz pro outro: ‘Onde vamos jantar?’.”

A criação coletiva e as diversas frentes que abriu – atuação, escrita e música – também servem para garantir a independência em relação aos contratantes. “É legal você ter dinheiro entrando de vários lados porque isso dá poder de escolha”, analisa. “No ano passado, eu estava escrevendo o Louco por elas. Ao mesmo tempo, podia gastar dinheiro fazendo música.” Agora, espera inverter a balança com o lançamento do seu CD. E torce para que a fama não tire o prazer da coisa. “Óbvio que quero que o meu trabalho atinja mais pessoas. Visibilidade é fundamental. Mas tenho medo de crescer e o trabalho se transformar num negócio burocrático. Não quero isso.”

Você pode trabalhar menos. só tem que aprender a viver com menos
Trabalhando por mais de dez anos com advocacia de alto padrão, com casos complexos e muitas vezes milionários, a advogada Mariana Belisário, 36 anos, se irritava com a falta de flexibilidade do escritório com quem tinha filhos, como ela. “Não precisa ter rigidez de horário. Se você quiser dar conta, vai dar.”

Ela costumava acordar às três da manhã para adiantar o trabalho – que era muito – em casa. Mesmo assim, quando o relógio batia as 19 horas, e queria deixar o escritório, recebia olhares fortes.
“Minha chefe dizia: ‘Por que você não tem uma babá que dorme?’”, lembra. “Eu não via sentido naquilo.” Corria do trabalho para casa e vice-versa sem nunca se livrar da impressão de estar devendo.

Pedindo para sair
Quando a filha mais velha tinha 7 anos e quebrou o dedo na escola, Mariana ia saindo para o pronto-socorro quando ouviu da mesma chefe: “Não tem ninguém que possa fazer isso por você?”. “Falei: ‘Não é que não tem, é que eu não quero’, e disse que ela podia me demitir.” Quando engravidou da segunda filha, não recebeu parabéns. A gravidez foi tão complicada e com tantas ausências que, no fim da licença-maternidade, não deu outra. “Fui mandada embora.”

Foi para outro escritório, onde comandava uma equipe de 14 pessoas e tinha um chefe – homem – mais compreensivo, mas as longas jornadas a afastavam da bebê, que nasceu com problemas de saúde. “Quando me peguei gritando com um cliente ao telefone, com o salto enfiado na caixa de areia do jardim de infância no meio da adaptação da minha filha, vi que tinha algo errado.”

Pediu para sair e montou um escritório de direito da família em casa, onde trabalha sozinha. É ela quem atende o telefone, vai ao correio, entrega processos e, quando precisa receber um cliente, usa o salão de festas. “Sei que coloquei o pé no freio na carreira, que não vou chegar aos altos cargos e ter esse status”, diz, admitindo que isso a incomoda ainda mais do que trocar as férias na Disney por uma viagem de carro pelo interior de Minas.

Hoje, a família tem um carro só e Mariana não faz mais tratamentos caros no dermatologista. Priorizou a escola das filhas e concluiu que, se a primeira – nascida numa época de vacas magras, quando a mãe era universitária – está ótima, a bebê também pode ser feliz numa família com menos dinheiro.

“Eu escolho como usar o meu tempo. Posso passar uma tarde no clube com as meninas [hoje com 13 e 3 anos] e, no domingo, sentar para terminar um processo. Eu que decido.”

Você pode (e dá para) mudar de carreira depois dos 30
Pessoas a evitar, se você planeja uma mudança radical de carreira: amigos, namorado, pais. Esse é o conselho que Juliana Motter, 36 anos, dona da doceria Maria Brigadeiro, tem para dar. E ela fala por experiência. “As pessoas mais próximas projetam as coisas delas em você, têm medo por você”, diz. Quando estava prestes a trocar oito anos no jornalismo para fazer suas receitas sofisticadas do docinho, ouviu de um amigo “entendido em negócios”: “Se a ideia fosse boa, já teriam feito”. E da chefe: “As portas estão abertas para quando você quiser parar de brincar”.

Desde menina, Juliana quis seguir o ofício da avó, doceira, mas fez a mesma faculdade que a mãe, jornalismo. “Ela foi a primeira da família a romper com o ciclo da dona de casa, chegou a fazer greve de fome para que a deixassem estudar”, lembra. “Quando eu dizia que queria fazer doce, respondia: ‘Eu fiz um esforço tão grande para você sair da cozinha, não acredito que vai querer voltar por livre e espontânea vontade’.” E, no fundo, queria mesmo.

Você vende?
Mas só encarou o fato depois de ter tomado três taças de vinho numa festa e ver sairem da sua boca palavras que ela nunca tinha dito antes: “Eu tenho um ateliê de brigadeiros gourmet”. A festa era o aniversário do filho de uma amiga e Juliana tinha preparado os doces. Quando os convidados quiseram encomendá-los, resistiu, mas dali saiu com a sua nova profissão. No dia seguinte, mil brigadeiros estavam encomendados para ser servidos no lançamento de um livro.

Foram três meses operando de madrugada na cozinha apertada do seu flat, enquanto encarava o dia seguinte na redação, que não a satisfazia mais. Desde que a mãe morrera, um ano antes, ela se perguntava o que estava fazendo da vida. As encomendas trouxeram de volta o prazer de ficar perto do fogão. “Pedi demissão e aluguei uma casinha de vila.” Em um ano, já tinha muitos clientes e o quarto tomado por caixas, então foi morar com o pai por um tempo. Ele até hoje se encanta com o sucesso da ideia – a Maria Brigadeiro foi a primeira loja de brigadeiros gourmet do Brasil e hoje faz 5 mil doces por dia. “Ele chega aqui e diz: ‘Filha, não é que está dando certo?’.”

Você pode mirar em ter mais dinheiro. Mas precisa saber as consequências dessa escolha
O cargo de Samantha Giusti, 37 anos, na gigante Microsoft é partner account manager, assim mesmo, em inglês. Isso significa que ela vende soluções de tecnologia para empresas e negocia sua implementação dentro delas. Os contratos fechados podem engordar seu salário em 40%, desde que ela bata a meta mensal estipulada pelos chefes.

O trabalho é pesado, às vezes com 15 horas diárias e fins de semana sacrificados, mas, como ela mesma diz, “se você vender, ganha”. Esse foi um argumento forte para que Samantha optasse pelas vendas. “A diferença [em relação ao marketing, em que ela trabalhou após se formar como analista de sistemas] era nítida. Essa é uma área na qual você cresce rápido”, diz. É também um setor em que a maioria dos colegas é homem, e o clima é ditado por eles. “Com certeza o ambiente masculino nos torna mais ‘meninos’”, diz ela, que hoje afirma ter muito mais amigos do que amigas.

A recompensa financeira segue sendo uma grande motivação para sua escolha de carreira, mas não é a única. A adrenalina das metas batidas também tem o seu poder. “Quando a coisa fecha, me sinto fazendo parte daquilo, é muito bacana.” E é por causa do dinheiro que ganha que Samantha virou uma mulher que se sustenta. Antes, quando era casada e tinha 20 e poucos anos, contribuía com apenas um quinto das despesas da casa.

Luxos privados
Hoje, Samantha paga as próprias contas e faz planos ambiciosos. Quitou em três anos um apartamento financiado para ser pago em mais de 30. Também comprou, com a irmã, um imóvel para a mãe e costuma usar o “a mais” no fim do mês para pagar viagens de férias, carro novo e alguns luxos. Há alguns anos, passou a não se importar em gastar em bolsas Gucci e Balenciaga e sapatos Louboutin. “Quando comprei o primeiro, fui com um amigo e ele dizia: ‘Você parece uma criança na loja de brinquedos’. E é essa sensação mesmo, com a diferença que não ganhei de ninguém, fui eu que conquistei.”

Passados quase dez anos nesse ritmo, diz gerenciar melhor o tempo do trabalho e o da vida pessoal, que inclui um namoro de três anos. “Se deixar, acordo no meio da noite para ver e-mails, porque sei que vai ter algo pra fazer. Mas tento me policiar, deixar o que dá para o dia seguinte.” E não pensa em parar. “Eu adoro o que faço.” 

Você pode escolher ser dona de casa (desde que a escolha seja sua)
Desde 2007, Sayuri Kobaiashi, 43 anos, dona de casa, não faz reunião, não pleiteia aumento, não bate ponto. Virou uma espécie de funcionária fantasma, só que ao contrário: trabalha e ninguém vê. “Dispensei a babá e comecei a buscar os meninos na escola. Passei a fazer esse trabalho invisível”, diz. Chegou a ouvir de amigas: “Adoraria fazer igual, mas não consigo ficar parada”. Parada? “Não quero passar a imagem de dondoca. Mas maturidade é se importar menos com os outros.”

Sayuri sempre se motivou com elogios e com a sensação de ser uma peça fundamental na engrenagem das grandes empresas pelas quais passou, como Kaiser e Brastemp. “Era isso que me capturava, mais que o dinheiro”, lembra ela, que é formada em relações públicas e trabalhou na área desde a faculdade – assim pôde pagar o curso e ajudar os pais.

Glamour de corporação
No dia a dia, as jornadas se estendiam facilmente até as 22 horas, e os eventos à noite faziam parte do “glamour da corporação”. Mas começaram a perder o brilho quando o primeiro filho, Pedro, nasceu. Antes, o foco de Sayuri era trabalho, trabalho e trabalho. No dia marcado para o parto – cesárea – ela foi ao escritório, “dar uma última olhadinha nas coisas”.

Depois que virou mãe e voltou ao trabalho, “recebia fotos da babá e me perguntava se estava no lugar certo. Não era que o bebê precisava de mim, mas eu é que estava perdendo”, afirma. Quando engravidou de Vitor, dois anos depois, optou por um ano sabático. O tempo do bebê foi também o tempo que ela precisava para curtir o jardim da casa nova, a cozinha – “até bolo aprendi a fazer” – e descobrir prazeres cotidianos.

Quando o ano acabou, não se animava com as propostas que recebia. Pensava em abrir negócio, mas as ideias não iam para o papel. Decidiu ficar, dando atenção para os filhos. Topou ser sustentada pelo marido, também executivo, mas passou por uma fase de adaptação. “Eu relutava em ter conta conjunta, queria ser autossuficiente. Mas essa postura parecia dizer ao meu marido que não estávamos no mesmo barco. Faltava dizer: ‘Preciso de você, quero sua opinião, estamos juntos’.”

O casal ficou mais unido com a mudança e, quando a crise veio – ele perdeu o emprego em 2010 –, tinham uma base sólida para enfrentá-la. Hoje em dia, ela se diz feliz por ver os filhos, 9 e 6, crescerem de perto. “A minha família é japonesa, não tive tanto contato físico.”

No futuro, eles não precisarão tanto dela, e Sayuri pensa em voltar à ativa. “Mas não quero trabalhar daquela forma.” Como gosta de escrever, planeja narrar, com anedotas, a história de famílias comuns, como a dela.

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