por Luciana Obniski
Tpm #129

A melhor maneira de viver? Uma posição social? Uma necessidade?

A melhor maneira de viver? Uma posição social? Uma necessidade? Tpm ajuda a entender por que até hoje o casamento é tão desejado pelas mulheres

Casar já foi imprescindível (até a metade do século passado), impensável (para os hippies dos anos 60) e careta (nos anos 90). E hoje? Que espaço o casamento, seja de papel passado ou não, ocupa na vida das mulheres em tempos de liberdade de escolha? Dá para priorizar a carreira, bancar as contas com salário próprio, adiar a maternidade, experimentar novos tipos de relacionamento (por que não a três?), curtir os dias sem compromisso.

Por mais que existam inúmeras maneiras de tocar a vida, as mulheres ainda acreditam que construir uma história a dois é a melhor opção. Mesmo sabendo das dificuldades, seja por um casamento anterior, seja pela experiência dos pais, seja pela simples observação. Dividir a rotina, o mau humor, os perrengues da casa, a educação dos filhos, as diferenças, a pilha de roupa suja que insiste em crescer... Ninguém diz que é fácil.

Dados de uma pesquisa do IBGE divulgada no final de 2012 confirmam que o desejo de se juntar a alguém ainda existe – e muito. As uniões consensuais cresceram quase 10% na última década e os recasamentos também aumentaram. É provável que parte desse crescimento seja resultado da facilidade com que hoje se faz (e se desfaz) um contrato (de união estável), e, por isso, mais casais optam por oficializar seus relacionamentos. Mas há também a estatística dos divórcios – 47% dos casais se separam antes de completar dez anos de união; um em cada cinco não fica quatro anos junto.

Impossível negar que o estigma da solteirona não esteja ligado a parte das uniões (feitas e desfeitas), já que ainda hoje uma mulher com mais de 30 anos e sem marido é vista pela sociedade como... fracassada. Afinal, atualmente se casa por vontade ou necessidade? Tpm conversou com quatro mulheres e especialistas para ajudar a entender o valor e o papel do matrimônio hoje.

"A brasileira ainda põe um peso muito grande no matrimônio porque não tem outros projetos" (Mary Del Priore, historiadora)

Para a psicóloga Giovana Perin, que, em sua tese de doutorado na Universidade de Brasília, estuda o impacto da independência financeira feminina nos casamentos contemporâneos, o conceito de união mudou nos últimos 50 anos tanto quanto a vida das mulheres – e ainda não há um novo padrão estabelecido. “Vejo essa mudança com um olhar positivo. As pessoas ficam juntas por afinidade e por projetos em comum, e não mais porque precisam ser sustentadas ou porque é bom para as famílias”, opina. De acordo com a historiadora Mary del Priore, o período é mesmo de transição, mas exige atenção. “A brasileira ainda põe um peso muito grande no matrimônio porque não tem outros projetos. Na Europa, as mulheres já dividiram sua fonte de felicidade entre o marido, um hobby, um grupo de estudos”, diz.

Mirian Goldenberg, antropóloga que estuda o comportamento feminino há 25 anos, também aponta que as mulheres brasileiras concentram seus esforços no casamento e, por isso, têm dificuldade em se sentir realizadas nos relacionamentos. “Elas ainda não sabem o que esperam de uma relação e por isso cobram demais dos homens. O que mais ouço são mulheres reclamando que gostariam que os parceiros fossem mais românticos, mais prestativos, sempre mais. Já dos homens, ouço que gostariam que as mulheres fossem menos estressadas, menos exigentes, sempre menos. É uma diferença muito significativa”, avisa.

Para a antropóloga, o caminho das relações mais saudáveis e duradouras depende do valor que a mulher credita a si mesma. “Só assim ela vai parar de procurar autoafirmação no casamento, no aval masculino, e perceber que ela é seu próprio capital. E que tem o poder de escolher se quer casar ou não para ser feliz”, avisa. 

Em comum, todas observam que há mais chance de dar certo o casamento que é tratado como um contrato livre, firmado pelas duas partes, e que só dura quando os objetivos são constantemente renovados – e agradam ambos os lados.

No caso da apresentadora Didi Wagner, 37 anos, refazer a relação com o empresário Fred Wagner, que já dura 15 anos (mais os quatro de namoro), é algo essencial para que o casamento continue dando certo. Filha de pais casados há quatro décadas, ela nunca sofreu pressão para casar e não pensava em se unir cedo a alguém. Mas, aos 22 anos, quando disse sim em uma cerimônia ortodoxa, precisou definir do que não abriria mão para que o casamento funcionasse.

Prezar a individualidade e não abrir mão da vida profissional foram decisões acertadas para ela. “Nunca me senti no direito de ler mensagem no celular ou de fuçar o bolso da calça”, conta. E emenda: “Para mim, traição é trair o projeto de vida. Tenho um casamento fechado, mas não digo como as outras pessoas devem viver as suas vidas”.

Há sete anos à frente do Lugar incomum, no Multishow (em 2013 com duas temporadas, em países como Turquia e Itália), o programa exige que ela viaje por duas semanas, de tempos em tempos. “O Fred fica numa boa com as meninas [Laura, 9 anos, Luiza, 7, e Julia, 4]. Se tiver problemas na escola, ele resolve sozinho.” Nessa parceria bem-sucedida, Didi não gosta de dizer que o marido é “o homem da sua vida”. “O Fred é a pessoa com quem quero estar agora, não sei se ficaremos juntos para sempre”, solta.

Para Didi, outro ponto (100%) fundamental é a vida sexual. “Não é o casamento que acaba com o tesão, é parar de se preocupar em satisfazer o outro”, acredita. Contornar as crises também faz parte.

"Não é o casamento que acaba com o tesão, é parar de se preocupar em satisfazer o outro" (Didi Wagner, 37 anos, apresentadora)


A mais séria aconteceu há quatro anos e durou seis meses. “É muito difícil morar na mesma casa e se sentir tão desconectada da pessoa”, diz ela, que pensou em se separar nesse período. “Acho que ele também.” Com muita conversa, seguiram juntos, por acreditar que o casamento é feito de reencontros. “São relações que começam e terminam. Nas crises, às vezes você faz força para voltar a gostar da pessoa. Quando me dei conta, estava apaixonada de novo.”

A atriz Ingrid Guimarães, 40 anos, conheceu o artista plástico Renê Machado, seu marido há sete, em Campo Grande (MS). Namoraram a distância durante um ano, antes de ele se mudar de vez para o Rio de Janeiro. Até então, Ingrid nunca tinha pensado em morar com um namorado. Muitos dos ex não entendiam sua postura independente e a rotina atribulada de gravações. Renê agia de forma diferente, e ela resolveu encarar a união – apesar de hoje a independência dela ser um dos motivos de discussão do casal. “Ficar casada é mais difícil do que estar solteira”, diz.

Ingrid se refere às armadilhas do dia a dia, que podem transformar o casal em apenas amigos ou separá-los mesmo estando casados. “Tem gente que só tem prazer no casamento. Eu não. Tenho prazer com a minha família, com o meu trabalho, e ele também. Então temos que ficar atentos para não deixarmos de ter prazer juntos”, explica. Ela admite ainda que há uma terceira pessoa no relacionamento: um terapeuta. “Convenci meu marido a fazer terapia porque acredito que tem questões que precisam ser tratadas fora”, conta. O que sustenta o casamento? “O sentimento. E essa opção é feita diariamente. Acho que, se me separasse, casaria de novo. Gosto de estar com alguém.”

"As mulheres não têm medo da solidão, elas têm medo do estigma da solteirona" (Mirian Goldenberg, antropóloga)

Para a antropóloga Mirian Goldenberg, essa sensação de só se sentir completa a dois não é algo natural, mas alimentado pela sociedade, que continua atribuindo mais valor à mulher casada do que à solteira. “Eu ainda vejo meninas que preferem casar, nem que seja para separar depois, do que ser solteiras. Porque a etiqueta da descasada vale mais do que a da solteira. É uma pena que as mulheres sofram tanto para fazer essa escolha”, diz. Para Mirian, as mulheres ainda não conseguiram se desvencilhar da obrigação de casar e por isso vivem relações infelizes. “As mulheres não têm medo da solidão, elas têm medo do estigma da solteirona. Enquanto isso existir, vão ficar presas a casamentos infelizes porque não se sentem à vontade para viver de outra forma”, acredita.

A modelo Michelli Provensi, 28 anos, assume que sente pressão para casar. Do pai, dos amigos... e dela mesma. “Não quero casar na igreja nem assinar documento, mas tenho vontade de construir algo com alguém. E também sempre tive vontade de ser mãe. Modelo sai muito cedo de casa, então chega uma hora em que você quer ter uma família”, explica. Mas admite que na última década, que passou longas temporadas no exterior, não deu abertura. “Via outras modelos com relações a distância e via que não dava certo. Então, se algum cara começasse a gostar de mim, eu fugia mesmo.”

Atualmente, Michelli percebe os efeitos colaterais. “Tenho a sensação de que todo mundo já tem mais experiência, está pronto para casar, e eu ainda estou aprendendo a namorar”, reclama. Com muitos amigos prestes a subir ao altar, ela fica mais impressionada com os que já estão se separando do que com os que estão casando: “É triste ver casamentos que duram pouco. As pessoas, mesmo as solteiras, parecem ter pouca paciência. Relacionamento não é algo que se constrói de um dia para o outro”.

Esse é para casar
Um pouco mais experiente, a chef Bel Coelho, 34 anos, dona do restaurante Dui, admite já ter caído no “golpe” de ir morar junto com um namorado porque queria ter uma família. “Tem que ver se você está realmente apaixonada pelo jeito da pessoa, porque as pessoas não mudam”, explica. Bel conta que já testou relações alternativas, mas nenhuma deu certo. “Cheguei a achar que uma relação a três poderia funcionar como casamento. Me sentia atraída pela mulher e pelo homem, mas os elos não eram tão firmes e não rolou.”

Há dois meses, ela decidiu apostar de novo no sonho da família própria, desta vez com o produtor musical Rica Amabis. Bel, que vem adiando uma possível gravidez por causa da carreira, admite que a vontade de ser mãe é tão grande quanto a de ser reconhecida profissionalmente. “Ter família não quer dizer que você não é moderna [risos]. É quase instintivo, né?”, diz. A decisão de ter um filho foi tomada também porque acredita ter encontrado o parceiro ideal. “Já nos considero uma família.”

Barriga no fogão
Lidia Aratangy, psicóloga de casais e autora de livros como O anel que tu me deste: o casamento no divã, acha que a inclusão do homem na vida doméstica hoje é fundamental para que o casamento seja vantajoso para a mulher (e, portanto, viável). Mas sublinha que não é só o homem que deve mudar sua atitude. “Como ninguém ajudou as mulheres a terem uma carreira fora de casa, elas pensam que eles também têm que batalhar para achar um espaço digno dentro de casa. O certo é que haja uma troca, cada um fazendo aquilo que mais gosta e tem competência.” Até porque a postura feminina de não permitir que o espaço doméstico seja “invadido” gera ainda mais estresse e acúmulo de tarefas, duas das questões femininas apontadas pelos psicólogos consultados. “Me pergunto se as mulheres de hoje são mais felizes do que suas avós por terem tantas opções. O poder de escolha traz mais angústia”, acredita Lidia.

Giovana Perin vê com otimismo esse ponto de ebulição. “Pela primeira vez na história, o casamento pode facilitar a vida das mulheres, no sentido de dividir as funções e permitir que elas escolham quais querem exercer. Mesmo não precisando, continuamos escolhendo ficar juntos. A diferença é que só vamos continuar casados enquanto for bom. Olha que maravilha.”

"Me pergunto se as mulheres de hoje são mais felizes. O poder da escolha traz angústias" (Lidia Aratangy, psicóloga)

A (não) resposta

Entre o casamento mais perfeito e a solteirice mais infeliz existem infinitas possibilidades e formatos de vida afetiva - Por Denise Gallo*

Tenho uma amiga que está casada há mais de dez anos e gosta da vida que tem: marido com quem adora viver, conversar e namorar, filhos que adora educar, casa em que adora morar. E tenho uma amiga que está casada há mais de dez anos e sente-se distante do marido, não sabe lidar com a educação dos filhos, irrita-se com a rotina da casa. Uma ama viajar com a família. A outra vive momentos de profundo tédio nessas viagens. A primeira acha que o marido é o homem da sua vida. A segunda sente uma pontinha de inveja da amiga que recém se separou. O detalhe, que revelo com a maior esperança nas relações humanas, é que: as duas são a mesma pessoa. Minha amiga vive tudo isso e muito mais, ao mesmo tempo, na mesma vida.

Alguns achariam minha amiga um pouco instável. Perguntariam, emprestando a questão de Freud: o que ela quer, afinal? Mas nada perguntarão, porque a plateia só terá acesso à família perfeita que minha amiga formou, ou melhor, postou. Olhamos a imagem de um casal na rede social e não pensamos que, somente naquele dia, existiram outras 23 horas, 59 minutos e 45 segundos além do instante da foto. Eu mesma, que convivo com minha amiga e sou ouvido atento em seus momentos de insatisfação, idealizo seu casamento. Deve ser por conta das muitas horas de comédia romântica que carrego na memória. Todos aqueles cafés parisienses e nova-iorquinos, aquela edição terapêutica que subtrai da vida a melancolia e o vazio, todos aqueles diálogos em que ninguém jamais diz o que não queria ou simplesmente fica sem ter o que dizer. E, quando fica, sobe o som do Cole Porter e não há mal-estar que resista. Meu ex-marido diz que a minha insistência em morar em um bairro de ruas planas e prédios charmosos, com praças, bancas de revista, cafés e casa de pães, nada mais é do que um projeto de transformar minha vida em uma comédia romântica. Evidentemente, como atesta o prefixo “ex” da frase anterior, o filme não saiu como o esperado.

Num plano mais geral, que só pode ter sido desenhado por alguém que nunca se casou, persiste a expectativa de um casamento que supra nossos desejos mais inconciliáveis, de aventura e segurança, emoção e tranquilidade, risco e intimidade, frio na barriga e estabilidade, atração sexual, afinidade de almas, companheirismo, amor e amizade. Tudo com a mesma pessoa, ao mesmo tempo, por muito tempo. Não é à toa que o índice de divórcios venha batendo recordes a cada ano. Muito embora a taxa de recasamentos também não pare de crescer. Ou seja, continuamos tentando…

No extremo oposto ao casamento modelo, outra mitologia resiste às mudanças vividas pelas mulheres nas últimas décadas: é preciso estar em um relacionamento para ser feliz. Há algum tempo, em um estudo sobre mulheres solteiras, investiguei, entre outras coisas, como elas eram representadas na mídia. Basicamente, mulheres eufóricas, “curtindo a vida adoidado”, enquanto o príncipe não vem resgatá-las do fantasma da solidão. Ser solteira seria bom somente com a perspectiva de deixar de ser o mais rápido possível. Lembro-me de uma reportagem que apontava as cidades brasileiras com o maior número de mulheres solteiras, cujo título já dizia tudo: “Capitais da solidão”. Alô, solteiras: esqueçam seus amigos, familiares, filhos, casos, ficantes e repitam comigo: solidão, solidão!

Bom é pensar que, entre o casamento mais perfeito e a solteirice mais infeliz, existem infinitas possibilidades e formatos de vida afetiva que somos livres para desenhar e redesenhar. Quem vai definir esses formatos? O questionário do IBGE, com as quatro opções que oferece para a natureza das uniões (civil e religiosa, só civil, só religiosa ou consensual)? Ou cada história de amor, em particular, da forma e no tempo que convier?

*Denise Gallo é pesquisadora, mestre em comunicação e semiótica e dedica-se ao estudo das representações da mulher na mídia e na Publicidade

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