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por Luciana Obniski
Tpm #126

Tiramos o uniforme do capitão da seleção brasileira de vôlei e melhor jogador do mundo

No vôlei não tem essa de ficar sem camisa no fim do jogo – Nem em final. Mas demos um jeito de tirar o uniforme de Murilo Endres, capitão da seleção brasileira e melhor jogador do mundo.

 

Dentro da quadra Murilo Endres chama a atenção. Seja pela faixa de capitão da seleção brasileira, pelas jogadas extremamente bem executadas, pelos berros que intimidam os adversários, seja pelos cabelos ruivos, pelos olhos incrivelmente azuis e os músculos definidos. Fora dela, não fosse seu mais que aparente 1,92 de altura (“e sou um dos mais baixos, hein!?”), o jeito introspectivo o faria ser mais um na multidão. Mas Deus (e sua dedicação) não quis assim, e o menino nascido e criado em Passo Fundo, cidade gaúcha de 200 mil habitantes, já foi considerado o melhor jogador do mundo três vezes, nos últimos três anos: na Liga Mundial (o Brasil é hexacampeão) e no Campeonato Mundial (bicampeão), em 2010, e na Olimpíada de Londres, em julho passado, quando conquistou sua segunda medalha de prata. “Foi desesperador ter o ouro tão perto e ver ele se afastando. A gente já tinha levado a prata em Pequim e estávamos preparados para uma ‘revanche’. Em nenhum momento achamos que a vitória já era nossa [o Brasil chegou a dois match points mas foi derrotado pela Rússia]. No fim é uma competição como as outras, e a gente tem um bom aproveitamento em torneios importantes”, diz. Em 2011, ainda levou o ouro nos Jogos Pan-Americanos.

Comedido

A carreira de sucesso, porém, começa com uma chegada tímida a São Paulo, aos 17 anos. Murilo estranhou a cidade grande. Não só pelo tamanho, mas pela receptividade, que não foi das melhores. “Achavam que, porque meu irmão, Gustavo, estava na seleção, eu teria preferência nos testes”, diz. Mesmo assim, passou na “peneira” para ser atacante do (extinto) Banespa e foi morar em uma república, longe do irmão – fato que também não ajudou na transição. Filho de pais com ascendência alemã, Murilo foi educado com muita disciplina e se dedicou ao esporte (além do vôlei, também treinava futebol de salão e basquete) desde menino.
A mãe, dona Jane, conta que foi preciso apenas uma conversa, aos 15, para que Murilo entendesse que, se quisesse ser um atleta de sucesso, teria que deixar de lado os programas da adolescência. “Ele começou a chegar mais tarde das festinhas e sentei com ele pra conversar. Disse que para ser atleta não ia poder ficar saindo. Ele sempre foi atrás do que queria. Tive até que segurar ele mais um ano aqui para terminar os estudos”, lembra.

Até hoje, aos 31, Murilo não acumula muitos excessos na vida, e considera isso uma qualidade. “Não sou celebridade nem tenho intenção de ser. Sou um atleta de alta performance e os dois estilos de vida não batem”, esclarece de cara. Não é estranho, então, que tenha sido convocado para a seleção brasileira principal em 2003, onde o irmão, Gustavo, já brilhava como melhor bloqueador do mundo. “Não tem como comparar quem é melhor. Jogamos em posições diferentes e admiro muito a carreira dele. Costumo dizer que, na casa dos nossos pais, amam nós dois do mesmo jeito, então é tudo igual.” Brincadeiras à parte, o técnico da seleção brasileira, Bernardinho, faz questão de exaltar o pupilo. “O Murilo é um atleta que se fez pelo trabalho, esforço e dedicação. Ele é um profissional muito sério e um jogador de equipe que entende e valoriza a importância do coletivo”, afirma.

 

“Ela é braba, estourada mesmo. Reclama até quando eu fico quieto, porque não gosto de discutir”

 

A concentração germânica tem só um adversário à altura: a mulher, a arretada ponteira – e musa – da seleção feminina de vôlei Jaqueline, 28 anos. “Ela é braba, estourada mesmo, bem diferente de mim”, descreve. “Ela reclama até quando eu fico quieto, porque não gosto de discutir”, ri. Os dois se conheceram logo que passaram a treinar em São Paulo, há 13 anos – Jaqueline é do Recife (PE). Começaram a namorar logo depois de uma prensa. A justificativa da moça era que sua mãe, pernambucana, não gostaria de saber que a filha estava só “ficando” com um menino. “Ela falou: ‘Ou você me pede em namoro ou essa é a última vez que vai me ver’”, lembra Murilo.

Pedido feito, o casal passou a se ver – e a sair – mais. “A gente pegava ônibus e passava a noite toda fora para poder ficar junto, porque tanto eu quanto ela morávamos em república. Não foi fácil”, lembra. O namoro engatou e os dois perderam a virgindade juntos. “Não foi algo planejado nem tem a ver com religião. Também não acho que seja o nosso segredo para estar junto há tanto tempo, mas é legal dividir essa intimidade só com ela. De vez em quando meus companheiros falam das aventuras deles e acabo ficando de fora no assunto”, ri.

A paixão mútua pelo esporte também ajudou a driblar os horários quase sempre complementares um do outro. Casados há quatro anos, eles chegaram a passar temporadas de seis meses sem se ver quando moravam e jogavam na Itália, em meados dos anos 2000. “Claro que dá saudade, mas nunca faria ela desistir da carreira dela para ficar mais perto. Só conseguimos morar na mesma casa depois de dez anos de namoro. Agora que estamos casados, já recusamos diversas propostas para sair do país porque não queremos mais nos separar.” Um filho também está nos planos do casal, apesar de Jaque ter sofrido um aborto no ano passado. “A gente continua tentando. Vai que Deus manda, né? Adoraria que ele me visse jogando pela seleção, principalmente no Rio de Janeiro, que será a minha última [olimpíada]. Mas tem Liga Mundial, Campeonato Brasileiro... Não tem brecha. É difícil, mas a gente se comprometeu com o esporte e não dá para voltar atrás”, diz, cabisbaixo.

Minha casa, sua casa

Não é só a mulher que o prende a São Paulo. Atualmente no Sesi, time do qual é o atacante principal, ele joga ao lado do amigo Sergio, o líbero Escadinha, que o conhece há mais de dez anos. “Tenho orgulho de dizer que o Murilo é um dos meus grandes amigos. Vi ele crescer dentro e fora das quadras e não dá para separar o Murilo jogador do Murilo pessoa. Ele é exemplar nos dois. Fora que é um churrasqueiro de mão-cheia. Gaúcho, né?”, entrega. Murilo só reclama da falta de reconhecimento que o vôlei tem no país. “Se pensarmos que as duas seleções conquistaram medalhas nas últimas três olimpíadas, era pra gente ter muito mais visibilidade. Ainda precisamos criar uma liga mais forte, como a Itália, onde um clube ajuda o outro. Aqui no Brasil, periga um time do campeonato principal acabar de um ano pro outro por falta de patrocínio. Imagina se algo parecido aconteceria no futebol?”, solta.

Apesar de a queixa fazer sentido, não demora muito para um fã mirim interromper a entrevista em uma padaria na Vila Leopoldina, perto de onde Murilo mora e treina, e pedir uma foto. O pai explica: “Ele ficou com vergonha e fomos embora. Quando estávamos quase em casa ele chorou que se arrependeu e tive que voltar”. Murilo atende o pedido com desenvoltura, e quase derruba a própria tese de ser tímido e introspectivo. “Mas eu sou. Juro. Estou apreensivo para fazer essas fotos. Quando vocês me convidaram da primeira vez, nem considerei. Mas daí me prometeram que iria ficar legal e acabei topando. Vamos ver...”. E aí, Murilo, cumprimos a promessa?

 

BELEZA ADILSON VITAL (GLLOSS) ASSISTENTE DE FOTO JOZZU PRODUÇÃO DE MODA ANA PAULA PIRES PRODUÇÃO NATHALY ADDESSO

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