por Letícia González
Tpm #125

O psicanalista Sócrates Nolasco fala à Tpm sobre como os homens lidam com o envelhecimento

O psicanalista Sócrates Nolasco, 54 anos, vê conexões em tudo. O estudante sarado que toma Red Bull em Ipanema tem muito a ver com o sessentão fã de Viagra. Eles dividem, por exemplo, um ideal masculino da excitabilidade, do sexo e do sucesso. E convivem todos os dias com mulheres – mais novas, mais velhas, muito e pouco atraentes. Há quase 30 anos, Sócrates estuda o que significa ser homem no Brasil e é autor dos livros O mito da masculinidade e De Tarzan a Homer Simpson. Ele fala à Tpm sobre como os homens lidam com o envelhecimento.

Tpm. As mulheres no Brasil vivem numa constante batalha contra rugas, cabelos brancos, flacidez. De onde vem essa pressão?
Sócrates. Por um lado, a sociedade cobra um ideal associado a juventude, avidez sexual, sucesso e fama. Mas, por outro, muitas mulheres compram essa ideia sem nenhuma crítica. Morei em Berkeley [Califórnia, Estados Unidos] e na França e, por lá, é notável a quantidade de mulheres que usam cabelos grisalhos. E não digo grisalho curtinho. Cabelos longos, na metade das costas. Coincidentemente, são lugares onde as mulheres questionam mais o que se exige delas. Quando você tem isso, você é dona da própria vida.

Por que isso não acontece aqui? Em parte porque falta essa visão crítica. E também há uma ilusão de que, ao se tornar “fatal”, a mulher será amada. Existe a executiva fatal, a política fatal e a fêmea fatal. Entendo que o conceito de se cuidar, com eco nas plásticas e no Botox, seja investimento narcísico, mas vejo que esse esforço também tem a ver com um pensamento do tipo: “Se não fizer isso, não vou ser amada, não vou ser olhada, vou ser esquecida”.

E o que acontece com as mulheres que conseguem ser críticas em relação a essa pressão para não envelhecer? Elas enfrentam mais a solidão, de fato. Têm menos parceiros para dialogar. Mas elas conseguem gerenciar melhor a solidão do que as que mergulham no esvaziamento estético.

Como é isso? Os homens estão em outra onda. Eles assistiram à revolução feminista sem rever seus modelos. Aí hoje ficam sem entender nada. No máximo, copiam alguns modelos femininos como fazer plástica, pintar o cabelo. As mulheres sofrem, mas ao menos conversam a respeito, riem de algumas coisas. Os homens vivem esses dramas isolados, sem poder falar no assunto.

“A sociedade cobra juventude, mas, ao mesmo tempo, as mulheres compram essa ideia sem nenhuma crítica”

Mesmo assim, homens grisalhos e com rugas ainda parecem mais aceitos. Existe uma certa autorização. Mas isso está mudando. Surge o “tio”, o “velho”, denominações que demarcam que a juventude se foi. A tendência é que, com o tempo, o número de homens grisalhos diminua. Eles querem ser objetos de desejo assim como as mulheres. Namorar uma mulher mais nova é, às vezes, mais uma tentativa de ficar preso na juventude.

“A tendência é que o número de homens grisalhos diminua”

Até essa “tentativa” parece mais fácil para os homens. Veem-se menos mulheres mais velhas com namorados jovens. Concordo. Mas isso não significa que o ideal seja igualar. É ruim para todo mundo ficar infantilizado, sem se sentir autor da própria vida. Se o sujeito não consegue, diante das demandas sociais, dizer “me identifico com isso”, “não gosto daquilo”, ele vai mergulhar numa eterna infância. E liberdade sexual não significa liberdade afetiva. Depois dos anos 60, o sexo ficou liberado, porém, a qualidade dos vínculos de intimidade foi liquefeita. As pessoas se liberaram sexualmente mas não se liberaram para viver suas próprias vidas. O sexo também esconde muita coisa acerca da capacidade de cada um para amar.

E os homens que hoje têm 30 anos, como encaram a masculinidade e o envelhecimento? Os homens que nasceram no pósguerra acabaram criando uma dívida com os mais novos, de 20, 30 anos. Porque, ao contrário das mulheres, não refletiram sobre o seu papel. E aí muitos se tornaram pais no estilo “pai brother”. E, quando você é pai e se coloca na mesma estatura de um adolescente, dificulta a formação desse filho. No fim, nenhum dos dois está pronto para sair da adolescência. Do ponto de vista afetivo, fica complicado. Os homens jovens estão sendo preparados para criar relações sem intimidade e compromisso afetivo, por medo, despreparo ou inibição.

 

O preço da eterna juventude


No Brasil, é mais difícil suportar a exigência para se manter jovem porque, para isso, é necessário aceitar que a verdade sobre as coisas não existe, e que o mundo é mais complexo do que lhe mostra a propaganda ou a televisão. A juventude aqui é apresentada como se fosse a verdade através da qual se consegue visibilidade, estima e aceitação social. Jovem é sinônimo de produção, funcionalidade, sucesso e felicidade.

Vivemos em um país que valoriza a ação em detrimento da reflexão, bem como funciona mais na extroversão do que introversão. O futebol e o carnaval são exemplos disto. O brasileiro sozinho é mal visto e, por isso, passa a maior parte do tempo dentro de algum grupo. A longa dependência da família e a demora para se emancipar emocional e financeiramente colaboram para que as pessoas não aprendam a ter opinião própria e dependam do que lhe diz o grupo do qual faça parte, pelo receio de ser excluído ou estigmatizado.

O brasileiro respeita pouco as diferenças individuais, julga com mais rapidez do que produz uma análise sobre os fatos. As pessoas acham que ser elas mesmas é dizer o que vem à cabeça, debochar e não ter restrições a seu prazer. A capacidade crítica passa ao largo de tudo isto. Há uma expectativa de que o indivíduo concorde com o grupo, seja ele família ou grupo social, e que se mantenha pouco crítico em relação a ele. A cordialidade do brasileiro inibe sua capacidade para argumentar, porque aquilo que ele evita dizer na frente, dirá depois pelas costas. Aqui todos têm uma opinião para dar, mas são poucos que conseguem desenvolver um ponto de vista sobre o que se conversa. "Eu acho que ...". Ame-o ou deixe-o.

Vivemos em uma cultura que faz pouca – ou quase nenhuma – distinção entre o público e o privado. Isso leva uma enorme quantidade de pessoas a tomar qualquer comentário como pessoal, gerando mal estar ou discussão. Por este motivo, "o que os outros vão pensar a meu respeito" é levado em conta e, com isso, a crítica sucumbe.

Para envelhecer sem ceder a pressões do mercado ou morais, o sujeito precisa relativizar tudo o que foi dito a ele como certo, como sendo bom e o esperado. É necessário saber que pode viver por própria conta, que seus argumentos são apenas uma parte dos muitos possíveis e que, mesmo que não concorde com os argumentos de outros, deve respeitá-los, pois assim respeitará a si mesmo.

Envelhece melhor quem reconhece a existência de um “eu” e de um “tu”, e não apenas de um “eu”. Por estes motivos, fica difícil envelhecer no Brasil.

 

*texto escrito por Sócrates, especialmente para o site da Tpm

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