Cristiana Oliveira

Gorda, modelo, gorda de novo, magra e sex symbol: a trajetória e o aprendizado da atriz

 

Cristiana Oliveira sabe bem das causas e das consequências do padrão estético vigente, que faz sofrer milhões de mulheres. Ela já foi gorda, modelo, símbolo sexual, muito gorda de novo e magra outra vez. Com 23 anos de carreira, 48 de idade, em vias de se tornar avó e de compor uma quarentona sexy na próxima novela das 9, a atriz descarta o cada vez mais comum filtro asséptico dos que preferem não se expor e traz um olhar maduro sobre preconceito, beleza, disfarces, fama, insegurança, autoestima e como se sentir bem no próprio corpo, sejam quais forem as medidas

Até 1990 Cristiana Oliveira já havia virado gorda (duas vezes), gostosa (duas vezes), modelo, anoréxica (uma vez), mãe (uma vez, até então) e atriz revelação pela Rede Manchete. Mas, naquele ano, quando tinha 26, foi chamada para virar onça em uma novela. Resultado: virou uma das maiores musas do Brasil.

Definitivamente famosa como a Juma Marruá da novela Pantanal, Cristiana dava o passo definitivo em uma carreira de atriz que completa agora 23 anos. E via também o final de uma montanha-russa física e psicológica que definiu boa parte de seu destino – que afeta incontáveis mulheres no mundo –, a complicadíssima relação entre corpo, peso e autoestima.

“Eu já vivi muitos lados dessa questão. Dessa ditadura do corpo, das expectativas pessoais e das dos outros”, ela conta, antes de entrar nos detalhes de sua improvável biografia. Poderíamos começar pela infância, pelas aulas de balé, pelo fato de ser a caçula de nove irmãos... mas, para todos os efeitos, nossa narrativa começa com um belo pé na bunda aos 16 anos. Triste demais, a moça magra, alta e paquerada na escola descontou no sorvete. Quando se deu conta, estava com 98 quilos.

A descalibrada física não foi mais do que um sintoma de uma tormenta interior que se desdobrou em rejeição social, baixíssimo amor-próprio, revolta com a família e uma súbita fuga de casa. Sem avisar ninguém, aos 17 decidiu começar uma vida em São Paulo. Foi onde, longe dos antigos espelhos sociais que a oprimiam, achou alguma paz. Quando voltou para casa, no Rio, convencida de que era uma moça legal e bonita, enfiou na cabeça que se tornaria modelo. Em menos de dois anos Cristiana estava entre as tops brasileiras, ocupando passarelas e biquínis em capas de revista.

“Foi aí que comecei a ter problemas”, conta ela, que passou de um extremo a outro da balança, “tentando cumprir os padrões e as expectativas do mercado”. A paranoia por atingir uma forma magérrima levou a ex-gordinha a se tornar anoréxica. Foi quando, já casada, modelando e trabalhando como repórter no jornal O Globo, Cristiana engravidou de sua primeira filha, Rafaela.

Protagonista
Livre da ditatorial dieta, logo depois do parto estava com impensáveis 105 quilos. “Foi muito inconsciente, natural. Não sei como cheguei nesse ponto”, ela nem tenta explicar. Mas, como se fosse fácil abandonar mais de 40 quilos, em um ano estava de volta às passarelas e às bancas de jornal. Aos 24 anos, meio sem querer, foi convidada para uma novela da Manchete, Kananga do Japão. Carma, destino, talento... não arrisca dizer por que, mas foi premiada como atriz revelação. Daí para se tornar a Juma, sua personagem crônica, foi questão de meses.

Dois anos depois estava na Globo, protagonista no horário nobre. De lá para cá somou: 16 novelas, 7 peças e 3 longas; alguns relacionamentos célebres (Rafael Ilha, em seus tempos de Polegar, e Fábio Assunção, em tempos de galã estreante) e outros mais anônimos; e tempo para processar e refletir sobre o que significa ser vítima e, ao mesmo tempo, referência de um padrão estético cruel com a grande maioria das mulheres.

Hoje, aos 48 anos, em vias de se tornar avó, Cristiana segue sendo uma mulher linda. E que lida com uma nova cobrança. “Eu odeio usar maquiagem, mas tem um muro imposto por um público implacável. É como se as pessoas achassem que a Juma tem que ser eterna!”, desabafa e, ao mesmo tempo, dá de ombros. Longe dos dias em que paranoias estéticas eram capazes de moldar seu corpo, ela diz: “Hoje aprendi a separar a Cristiana pessoa física da pessoa pública. Cuido dessa imagem, mas não estou nem um pouco encanada como pessoa. Me sinto linda com minhas olheiras”.

Com um corpo bem mais magro do que o de sua última personagem, a presidiária Araci, que atormentava Glória Pires em Insensato coração, Cristiana está se preparando para viver uma quarentona gostosa na próxima novela de Glória Perez, Salve Jorge. E, longe dos holofotes, segue uma carreira mais discreta, mas muito importante para sua narrativa. Há oito anos dá palestras pelo Brasil todo sobre autoestima e aceitação femininas. “Sei que as mulheres hoje querem ser felizes como elas são. Há um padrão estético surreal, inviável, que precisa ser quebrado em cada pessoa. E acho que tenho muito a dizer sobre isso.”

Fato. Como você pode conferir na entrevista a seguir.

Tpm.  Além de atriz, você se tornou palestrante sobre a questão do corpo e da autoestima feminina. Como isso começou? 
Cristiana. A primeira palestra que dei foi há oito anos para funcionários da Petrobras, sobre obesidade. Foi um convite deles para eu contar minha história. Nessa palestra, me despertou uma questão não apenas pessoal, mas algo do meu passado de jornalista, da ideia de que poderia fazer algum bem a quem escutasse, porque nunca tinha falado muito sobre isso. E, de repente, vi pessoas comuns, obesas ou não, sensibilizadas com o que eu dizia. Aí bolei uma palestra mesmo. Durante uns dois anos viajei muito pelo Brasil.

E como são as palestras? Não são só sobre peso, mas também muito sobre a questão da mulher, sobre a autoestima feminina. E dá supercerto. Fui percebendo que atingia um público cada vez mais amplo. Porque, apesar de eu ser uma pessoa pública, minha história fora da mídia tem muito a dizer, porque já vivi muitos lados dessa questão, dessa ditadura do corpo, das expectativas pessoais, dos outros. Já fui obesa, modelo, obesa novamente, modelo de novo, atriz... Acho que tenho coisas muito construtivas a dizer às pessoas que, de alguma forma, se sentem mal consigo mesmas.

E como essa questão com o corpo e a autoestima apareceu na sua vida? Sempre fui magra, fazia balé, não era uma questão para mim. Com 16 anos, um namorado por quem eu era superapaixonada me largou para ficar com uma mulher de 32 anos. Foi um trauma. Deve ser por isso que costumo gostar de homem mais novo. Aí comecei a engordar. Na mesma época, fiz uma cirurgia de garganta, e o médico disse que eu deveria comer muito sorvete. Adorei... e comecei a engordar mesmo. Quando percebi, tinha chegado rapidamente a 98 quilos. Já estava abandonando a escola, me martirizando. Foi uma época horrorosa da minha vida.

Estava passando por uma depressão? Não sei. Naquela época não tinha tanto esse diagnóstico, não tomei remédio nenhum. Posso ter passado ou não por uma depressão, mas meu sintoma foi ter engordado. Aí começou de fato uma fase de muita rejeição e tive que lidar com isso.

Como assim rejeição? Preconceito contra a pessoa gorda e sofrer na mão dos outros. Antes eu era uma menina magra, bailarina. Os meninos me paqueravam. Aí, naturalmente, começaram todas as consequências de ser uma pessoa gorda. As provocações, a condenação que sentia de gente que antes me tratava bem. Então senti na pele, na adolescência, a diferença entre ser magra e gorda. Me olhava no espelho e perguntava: “Quem é essa vaca?”. Estava passando por um processo muito louco na minha cabeça. Minha reação foi fugir de casa. Arrumei as malas e, sem avisar ninguém, fui morar em São Paulo. Queria um lugar onde ninguém tivesse me conhecido magra, para me relacionar com pessoas que já fizessem amizade comigo gorda, para que me aceitassem como eu era. Fui trabalhar como assessora de um grupo de teatro, de amigos da minha irmã que já tinham me conhecido gorda, e fui aceita em São Paulo. As pessoas me tratavam muito bem. E foi isso que me fez perceber que eu era uma pessoa legal, interessante e que não precisava ser magra para ser querida.

 

“Tenho 1,79 de altura, estrutura óssea grande. Por mais magra que estivesse, não dava para afinar meu esqueleto”

 

E como se virava em São Paulo? Trabalhando com esse grupo. Também cheguei a trabalhar como caixa de supermercado. Era o jeito de pagar o quartinho que alugava [na zona sul da cidade].

Como sua família lidou com o sumiço? No começo ficaram desesperados porque ninguém tinha a menor ideia de onde eu estava. Fiquei um mês desaparecida. Só então fui ligar para minha irmã avisando que estava em São Paulo. Não queria sequer falar pelo telefone. Não queria dar satisfação para eles. Meus pais sempre foram muito tradicionais, caretas. E eu sempre fui muito livre, queria ser independente. Então teve esse lado de negar o que eles representavam naquela época. Mas isso não justifica. Nas palestras que dou hoje, falo muito disso. Durante muito tempo eu abstraí, neguei essa fase. Não conseguia nem lembrar.

E como voltou pra casa? Nessa hora meus pais foram incríveis. Me mandaram uma carta pela minha irmã, me perguntando onde eles tinham errado como pais, dizendo que sempre fui muito querida e que entendiam como devia ser difícil para mim ter sido a caçula de nove irmãos. Que a gente estava vivendo em um mundo muito complicado, que eles se sentiam perdidos, sem saber exatamente como nos educar. E foi a primeira vez que senti a fragilidade do meu pai e da minha mãe. Isso era inédito, porque os dois para mim eram duas entidades. O fato de eles se aproximarem humanamente de mim foi determinante. Aí baixei a guarda, me demiti do supermercado, agradeci a todo mundo que me ajudou em São Paulo e voltei pra casa. Quando cheguei, meio que achando que seria recebida com uma surra, só recebi muito amor dos dois. Me senti acolhida como nunca por eles e foi tudo o que eu precisava. Aí fui no médico, comecei uma dieta e emagreci com facilidade.

E foi difícil, sentia compulsão por comida? Nunca senti compulsão. Era um processo de compensação mesmo. Quando isso se resolveu, foi fácil perder peso. O problema veio depois, na verdade.

Quando? Quando eu já estava magra e decidi virar modelo, aos 19 anos. Porque, até então, minha magreza tinha a ver com saúde, não com estética. Me sentia bem fisicamente. Mas, nesse processo de ficar magra, muita gente vinha me dizer que eu tinha um rosto lindo, que poderia ser modelo. Isso foi crescendo em mim até que um dia recortei umas fotos de umas modelos lindas, colei na geladeira e decidi que iria ficar daquele jeito. Foi fácil virar modelo. Mas, quando entrei no mercado mesmo, começou uma cobrança muito maior do que na época que era gorda. Eu tinha que me adequar a um padrão de magreza europeu. Foi aí que comecei a me dar mal, porque não tinha a menor condição. Sou uma mulher enorme, tenho 1,79 de altura, estrutura óssea grande. Por mais magra que estivesse, não dava para afinar meu esqueleto!

Chegou a perder trabalhos? Na época o mercado era completamente diferente. Havia umas 15 top models, em menos de um ano eu estava entre elas. Só que não correspondia ao padrão exato. Sempre tive ombro, bunda, e acabava pegando todas as campanhas de lingerie e maiô. Quem me fez entrar na passarela foi a Monique Evans. Foi a minha madrinha, ela que me indicava quando uma modelo não podia comparecer a um evento. Só que, quando entrei para a passarela, comecei a ser mais rejeitada. Isso de 20 para 21 anos. Ficava puta, revoltada. E ficava sem comer. Foi quando rolou a anorexia. 

E você se sentia gorda, feia? Me sentia, sim... porque estava longe do padrão. Foi a primeira vez que senti uma autoestima baixa por não conseguir corresponder às expectativas. Dei uma pirada. Eu só falava de dieta, era “a” chata. Isso me fazia sofrer, mas era o meu mundo. Deve ser o mundo das modelos hoje também. Eu queria ser jornalista, estava na faculdade me preparando. Mas ser modelo era meu ganha-pão. Era o que me fazia dividir as contas quando casei.

Quando foi o casamento? Casei aos 21. Com um fotógrafo, o André Vanderlei, que clicou minha primeira capa de revista. Ele é o pai da minha filha mais velha. E foi justamente quando engravidei, aos 22, 23 anos, que tive a fase mais gorda da minha vida. Eu estava com 105 quilos na primeira consulta médica que fiz depois de ter a Rafaela. Mas dois anos depois já estava seca, magra mesmo. Acho que, pelo fato de ficar grávida, pude parar de pensar nessa obsessão de ficar magra. Esses processos foram muito inconscientes, mas, quando vi, de novo estava gordona. Mas rapidamente voltei a ser modelo. Era minha renda e, naquela época, mais do que nunca, tinha que pagar contas.

E como virou atriz? A primeira vez que essa possibilidade entrou na minha cabeça foi quando eu tinha uns 17 anos. Fui ajudar minha irmã na assessoria de imprensa de uma companhia de teatro em que ela trabalhava. Mas na época eu estava bem gordona e não pensava muito em nada que envolvesse exposição. A primeira vez que botei na cabeça que poderia ser atriz foi alguns anos depois, em 1988, quando estava trabalhando n’O Globo como jornalista.

 

“Acho que, pelo fato de ficar grávida, pude parar de pensar nessa obsessão de ficar magra. Esses processos foram muito inconscientes, mas, quando vi, de novo estava gordona”


Você já era mãe? Sim. E já estava de volta como modelo. E pintou uma oportunidade de fazer um curso do Wolf Maya. Fiz um teste e foi ele quem me disse que tinha jeito para trabalhar em televisão. Ali comecei a ver que gostava daquela brincadeira.

Quando rolou seu primeiro papel? Volta e meia, por conta do trabalho de modelo, aparecia em um programa de moda da TV Manchete. Um dia me chamaram para fazer um teste para apresentar um programa de clipes. E, quando o Jayme Monjardim me viu, disse que estava procurando alguém com o meu perfil. Perguntei para quê. Ele falou: “Protagonista da minha novela!”. Eu disse que não tinha a menor condição. Mas ele me tranquilizou, disse que eu seria bem treinada. Acabou que eles precisavam de alguém já famoso, chamaram a Christiane Torloni – pelo que dei graças a Deus – e me deram um papel de última hora, que era pra ser da Bia Seidl. Essa foi minha estreia, na novela Kananga no Japão.

E como apareceu o papel da Juma, de Pantanal? Já mais para o final de Kananga, o Jayme me avisou que iam me tirar da novela porque tinham um papel para mim na próxima. Ele mandou a sinopse de Pantanal, mas meu papel seria a muda. Eu não gostei nada. E, quando li o papel da Juma, encanei: “Vou fazer esse papel”. Pedi pra ele, que nem me levou a sério. Disse que eu tinha cara de inocente, que era outro o perfil da personagem. Fiquei inconformada, mas estava de viagem marcada com a família e fiquei 15 dias fora. Quando voltei, tinha um recado na minha secretária eletrônica dizendo que teve um mudança de planos e eu ia fazer a Juma. Nunca ninguém me explicou direito o que aconteceu, quem decidiu. Mas a Juma veio pra mim. Acho que foi de tanto que eu quis!

Como foi aquele sucesso todo? Sabe a coisa mais louca? Quando a novela estreou, a gente estava gravando no Pantanal. E lá não tinha parabólica, só eletricidade de gerador. Às sete da noite a gente já estava na cama e acordava às cinco da manhã. Não tínhamos ideia da repercussão. Quando peguei o avião, duas semanas depois, vi que eu era capa de todas as revistas, gente me pedindo autógrafo já no aeroporto. Era um estrondo nacional, e aí começou um estardalhaço.

Virou musa. Musa, símbolo sexual, convite de tudo quanto era canto para posar nua, fazer publicidade. Virei celebridade mesmo.

Como foi se tornar símbolo sexual? Tudo isso foi muito inconsciente para mim. Eu não dava essa importância que os outros davam. Quis virar atriz, mas a ideia não era virar uma estrela. Claro que aumentou minha autoestima, me deu mais segurança. Mas juro que não tinha muita consciência do que estava acontecendo. Não sei explicar... Foi um sucesso repentino e consequência de uma coisa espontânea. A Juma deu tão certo porque eu lidava com ela de uma forma muito natural. Não me preocupava se estava linda, se minha bunda estava caída. Isso só acontecia mesmo quando estava posando para uma capa de revista como Cristiana.

E como foi entrar na Globo? Enquanto estava na Manchete fui chamada oito vezes pela Globo. E não fui porque era fiel. Estava feliz ali e não era a questão financeira que ia me seduzir naquela hora. Só que, um dia, o Carlos Manga, que era um cara por quem eu tinha uma paixão grande, me chamou para fazer Agosto, do Rubem Fonseca. Aí não teve jeito... Topei. Mas, logo em seguida, me avisaram que tinham decidido me tirar de Agosto para ser protagonista da novela das oito, da Glória Perez, a De corpo e alma.

Você sentiu uma pressão muito grande? Eu tinha 26 anos, era muito ingênua. Claro que sabia que virar protagonista da Globo era outro esquema. Mas não tinha visão de mercado e não me dei conta. Aí, no começo da novela, foi uma catástrofe. Não sabia fazer aquele papel. O primeiro sinal disso foi quando fui entrevistada por uma repórter e ela me perguntou o que eu achava de ser “só mais um rosto bonito na TV”. Aí tomei um susto e ela me disse que as pessoas estavam comentando que eu estava muito mal naquele papel. E eu não sabia o que responder porque naquela época não tinha notícia tão facilmente, não tinha internet.

 

“A Juma deu tão certo porque eu lidava de uma forma muito natural. Não me preocupava se estava linda, se minha bunda estava caída”

 

E você acha que estava ruim mesmo? Hoje, quando vejo, tenho vontade de chorar de vergonha. Me estapear. Mas a solução mesmo foi quando recebi uma ligação da Glória Perez dizendo que queria conversar comigo. E tivemos um papo seríssimo. Disse que não estava legal e que eu tinha que fazer alguma coisa para encontrar a personagem. E mexeu demais comigo.

Você estava se sentindo insegura? Comigo as coisas aconteceram sempre muito rápido. Em Kananga do Japão, minha estreia, eu tinha sido premiada como revelação. Depois, o sucesso absurdo de Pantanal. E estava sendo detonada no meu primeiro papel na Globo e como protagonista, fazendo par com o Tarcísio Meira, que era o meu ídolo. Ali o mundo caiu pra mim. Precisava de ajuda, e foi a Glória Perez que achou a saída. Me mandou para ter umas aulas com a Bibi Ferreira. E fui, tremendo, na casa dela para ter aulas de interpretação. Ela foi a primeira pessoa a me colocar em contato com a dramaturgia, me ensinar que atuar era bem mais complexo do que minha mera intuição, que era tudo o que eu tinha até aquela época. Comecei a melhorar. E bem nessa época fui convidada para fazer teatro. Foi aí que ganhei um outro olhar sobre a profissão.

Mais recentemente você fez um papel de bastante repercussão, em parte porque reapareceu bem mais pesada ao público. Bem diferente da imagem de musa. Você teve que engordar para o papel? Foi a terceira vez mais gorda na minha vida. Era pra engordar só uns 10 quilos. Mas 10 em mim não fazem muita diferença. Acabei engordando 25 quilos. Mas não foi porque me pediram, mas porque pesquisei, convivi com presidiárias e constatei que todas as presas como a personagem, as mais masculinas, agressivas, as sapatões mesmo, eram muito pesadas. Elas agem, e se sentem, como homens. Elas estão em um corpo errado. Eu falo das sapatões assumidas, e não confunda com a lésbica. Na cadeia é diferente. A lésbica é feminina, pode ter vaidade. E quando transa é mais feminina. Ela se expõe, fica pelada, tem uma coisa de troca de prazer. A sapatão na cadeia só dá prazer. Ela não tira a roupa, não deixa ser tocada. É exclusivamente ativa. Ela dá todo o prazer, mas não vai se expor. Não vai colocar nada feminino dela para fora. É uma questão muito séria de corpo e identidade.

Como foi ganhar a confiança delas para se abrirem pra você? Eu as ganhei na sinestesia mesmo. Pegar, olhar no olho e abraçar de verdade. Porque, independentemente do que elas fizeram, ou do artigo no qual foram enquadradas, são todas pessoas que, naquela situação, se tornam extremamente carentes. A mais segura de si fica carente na cadeia. Então, no começo, algumas olhavam para mim desafiando. “Quem é você pra chegar aqui, tá achando que isso aqui é brincadeira?!” E, de repente, quando elas se sentiam importantes e viam que eu realmente estava interessada na vida delas, acabavam na maior paixão por mim. Porque não é o ponto de vista de uma socióloga, que analisa como um objeto de pesquisa. Foi muito pessoal. E elas acabavam me contando coisas de uma intimidade absurda. Eu acho que, fora ser mãe, foi a experiência mais forte que já vivi.

Ainda frequenta os presídios? Não. Tem tempo que não vou, mas já estou sendo cobrada. A diretora já me ligou dizendo que todo mundo está sentindo minha falta. No ano passado aconteceu a coisa mais linda. Fui chamada para ser jurada do concurso de beleza no presídio feminino. Na hora que cheguei, o evento já tinha começado, tudo parou e as 360 presas se levantaram e me aplaudiram de pé. E não era para a atriz, mas pelo meu interesse, pela minha relação com elas. Eu fiquei tão feliz... Foi uma das coisas mais emocionantes que passei na vida.

E como você está se sentindo agora, aos 48 anos? Me sinto muito bem. Tanto que penso que não posso estar na meia-idade... Ainda tenho muita coisa pra viver! Eu sou muito feliz e tenho muita energia para pensar que tenho dor nas costas, que já passou meu tempo. Muita gente me pergunta, por exemplo, como é me relacionar com um homem mais novo, estando nesta idade.

Quantos anos ele tem? Ele tem 25 anos. Se você me perguntar, digo sem medo de errar que ele é o amor da minha vida. Pode ter 25 anos, mas tem postura de homem de verdade. Mas hoje, aos 48 anos, aprendi a não criar expectativas futuras.

 

“As pessoas querem ser felizes. E isso só é possível se for buscado de acordo com o que as circunstâncias permitem”


Mas você acha que não vai dar certo? Vivem me perguntando se não me preocupo com a minha velhice, em estar investindo em uma relação que não tem como dar certo a longo prazo. Não é essa a minha preocupação. Já vivi relações que, de longe, aparentavam perfeitas. Pessoas da mesma idade, bem-sucedidas, lindas... e não deram certo. Eu já tive a ilusão do amor romântico, de que minha vida amorosa estava resolvida. Então tenho consciência do que pode acontecer no futuro, do quanto isso pode me gerar de sofrimento. Só que não vou antecipar o sofrimento. Prefiro ter uma vida extremamente bem vivida do que ficar projetando coisas.

E em relação à beleza física, depois de tantas transformações que você passou na vida, como é chegar perto dos 50? Tem uma frase de uma das peças do Shakespeare que diz mais ou menos o seguinte: “Se Deus te deu um rosto, por que você quer outro?”. Por que a gente está sempre tentando melhorar o que é real? Eu me aceito e me sinto bonita. Sempre que querem usar o Photoshop em mim fico nervosa. Quando saio na rua maquiada já acho que estou sendo artificial. E isso me incomoda. Gosto quando as pessoas olham pra mim como meu namorado me vê de manhã, acordando, com olheira, e me diz que estou linda. Isso me faz bem. Eu sempre fui contra a máscara. Mas eu aceito a máscara...

Você se sente vítima de certo padrão de beleza que você já representou? Vítima não, porque não quero nada disso. Mas enfrento uma parede, uma pressão diária para que eu não envelheça. Como se estivessem me dizendo que a Juma é eterna. Que eu deveria ser aquela menina de 26 anos. Se eu tirar a maquiagem que estou aqui, vou ter mancha na pele, olheira, marca de expressão. Essa é a Cristiana Oliveira que está correspondendo à idade de 48 anos. O resto é uma tentativa de dar uma resposta à sociedade, tentando corresponder à expectativa alheia. Não à minha, porque eu mesma não estou preocupada.

Mas, se não está preocupada, por que hoje mesmo você foi maquiada, colocou aplique no cabelo, fez pose para as fotos? Você acha que me senti confortável? Nem um pouco. Aquilo é uma faceta da Cristiana Oliveira, de modelo, fazendo tipo.

Mas você se sentiria confortável ao fazer uma foto para revista completamente natural, cara lavada mesmo? Confortável não, porque sei a reação do público.

E por que a reação do público incomodaria tanto você, se há essa expectativa irreal, como você dizia? Porque as pessoas não estão preparadas para isso.

Elas ou você? Um pouco dos dois... Fui educada e criada em uma geração que sempre se preocupou com a opinião alheia. Além disso, sou uma pessoa pública e isso faz da minha figura, além de uma pessoa real, um produto, uma pessoa jurídica. E, hoje em dia, a internet virou um problema.

Como assim? Por causa do anonimato, todo mundo fala o que quer sem qualquer tipo de constrangimento ou responsabilidade. Qualquer pessoa pública acaba sendo atacada de uma forma muito agressiva. Porque, pra eles, é como se nós tivéssemos que ser perfeitos. Não podemos quebrar essa imagem que projetaram para cima da gente. Como pode uma mulher que é linda, famosa ter celulite? Como pode envelhecer? Aí entra uma cobrança que é muito, muito pesada.

E tem um lado meio sádico nisso, não? De dar o troco às pessoas que são tidas como privilegiadas? Claro, é uma delícia pra eles. É uma satisfação pessoal, uma forma de eles se sentirem com poder. Mas, por outro lado, se as pessoas estão falando, por mais que seja delirante, ou cheio de frustrações... não interessa. Para elas aquilo é real, e eu faço parte disso. De alguma forma isso me instiga. Mas também é muito pesado.

E você lê o que sai a seu respeito? Eu sou meio viciada em Twitter, Facebook, Instagram... assumo, tenho esse problema. Mas não fico dando Google no meu nome, melhor não. Quando aparece algo na minha frente, eu leio. A minha filha, como gosta muito de internet, é quem acaba me policiando. Diz: “Não sai assim, não. Sai mais arrumadinha, mãe! Alguém pode te pegar e vai para a internet”. Eu acho que, se eu tivesse começado hoje em dia, com as redes sociais, e tivesse a idade e a cabeça que tinha, teria pirado. Hoje, sim, é uma cobrança. É como se você estivesse nua, com toda flacidez, celulite, seu envelhecimento natural, as besteiras que você fala, em uma praça pública. Só que na praça tem milhões de pessoas com microfones na mão para dizer o que acham de você. É uma inquisição estética. Você vira um produto a ser julgado.

E, de quando você começou essas palestras até hoje, sente alguma mudança na cabeça das mulheres sobre essa relação com o corpo, com os padrões de beleza? Ainda é o mesmo drama, mas o percentual de pessoas se aceitando aumentou muito. Eu, há oito anos, dava a mesma palestra, mas não tinha essa repercussão toda. Isso é claro. Talvez há oito anos isso nem existisse, ou estivesse muito mascarado. Hoje é um assunto. É que nem o bullying. Na minha época sofri isso, mas não tinha nome.

E por que você acha que essa é uma paranoia tão mais das mulheres do que dos homens? Essa coisa de você corresponder a um padrão que é imposto está de alguma forma relacionada com o desejo masculino.

Mas não são padrões que, necessariamente, agradam aos homens. Certamente não. Os homens não são tão preocupados assim com esses padrões. Mas no imaginário feminino o desejo do homem está ligado com uma bunda perfeita, uma barriga sequinha, um peito bonito, que pode ser de silicone ou não. Esse é o padrão que as mulheres imaginam que o homem busca. No fundo, tudo é uma ficção.

E como buscar o que é real no meio disso tudo? Essa é a grande questão. As pessoas estão desesperadamente querendo ser felizes. E isso só é possível se for buscado de acordo com o que as circunstâncias permitem. Ser feliz consigo mesma é aceitar quem você é. Inclusive fisicamente. Isso é algo muito fundamental que tento passar a elas nas palestras. Se você colocar uma referência que esteja realmente distante de você, não vai dar certo. É como se eu, com 1,79 de altura, decidisse que vou ter 55 quilos. É possível? Talvez. Já tentei. Mas para isso vou estar com problemas de saúde, não vou conseguir aguentar o meu corpo. E, mesmo que eu chegue nos 55 quilos, talvez eu não vá me aceitar porque vou virar uma imagem distorcida no espelho. O que o meu exemplo pode servir a elas – de alguém que já foi obesa, anoréxica e musa – é que hoje, aos 48 anos, digo o seguinte: “Não se abandone, não se acomode e, dentro do que for possível, você tem que se aceitar”. Acho que as pessoas se deprimem, entram nesse paranoia porque se colocam acima do limite de quem elas são. E passam a viver escravizadas por uma imagem. 

É engraçado porque todos falam dessa imagem que é “imposta”. Mas quem impôs isso, de quem é essa expectativa? É um círculo vicioso. A mídia acaba tentando oferecer algo que ela imagina que o público espera, e o público busca ser aquilo que a mídia diz que é padrão. É um nó que precisa ser desatado.

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