Regina Guerreiro

por Nina Lemos
Tpm #121

A editora de moda mais importante do país dispara: ”o corpo da mulher foi banalizado”

A editora de moda mais importante do país se encheu dos desfiles, das roupas sem identidade e critica a banalização do corpo feminino. Trocando em miúdos: “A moda se prostituiu”. Aos 72 anos, Regina Guerreiro passa sua história com a moda a limpo

"A moda é uma filha da puta." A frase vem da mulher de 72 anos que abre a porta do seu apartamento em Higienópolis, sem maquiagem. Ela é temida (é uma pessoa que, sim, critica) e não tem papas na língua. Faz piada o tempo todo. E acha que a moda violenta o corpo feminino. “A mulher é vista como objeto de consumo. Antes, podia ter bunda. Hoje não pode mais. É horrível, essas modelos se sentem velhas aos 20 e poucos anos”, critica. Com a autoridade de quem começou a trabalhar com o negócio lá nos anos 70 – editou a Vogue Brasil por 14 anos e a Elle por nove –, ela garante que nem sempre foi assim. “Agora tudo está igual, tudo fake.” A moda de hoje, segundo Regina, é, sim, essa megera que faz com que muita mulher se sinta um lixo por não ser magérrima. Ou que muitas outras desfigurem o rosto com plásticas. “Se você não se aceita, quem vai te aceitar?”, diz.

Ninguém poderia dizer isso com mais propriedade do que essa mulher de sangue rosa-shocking, como ela mesma afirma. Esqueça “a diaba que veste Prada” Anna Wintour, a todo-poderosa da Vogue americana. Regina é a editora de moda que, acidamente, criticava os estilistas. Hoje, não enxerga mais arte na moda. Tudo virou um grande negócio: “É mais fácil fazer roupa para quem não tem formas. O estilista virou um business man, podia estar vendendo sardinha ou geladeira”, alfineta.

Próxima temporada
A Regina que abre a porta do apartamento em Higienópolis lançou no início do ano seu primeiro livro, Ui! (Luste Editores), com prefácio da consultora de moda Costanza Pascolato e do jornalista Mario Mendes. “É um registro de alguns dos meus trabalhos [clicados por Miro, J. R. Duran, Bob Wolfenson, entre outros fotógrafos], com uns flashes sobre a minha vida. Se fosse para ser uma biografia, teria que ter o dobro do tamanho”, acredita. Paulistana criada numa família tradicional, Regina foi educada para ser boa moça: frequentou os mais rigorosos colégios de freiras e casou com o primeiro namorado, aos 22 anos. Mas quebrou todas as regras ao resolver ser jornalista, não ter filhos, ser independente – e única.

Hoje, passa pela superação de uma despedida e por uma depressão. Ano passado, viveu seu ano mais difícil, ao perder o companheiro (ela acha a palavra marido careta demais), Luiz Dias Correa de Barros, seu grande amor. E por ser alvo de golpes e ver seu dinheiro roubado por ex-assistentes.

No momento, anda reclusa “procurando a nova Regina”. “Ainda não sei o que quero fazer, pode ser que me mude. Quem sabe não volto a morar em Paris?” Ela sorri com ar de mistério. Tudo é possível. Desde que não seja boring (chato). Essa é uma das palavras que mais saem da boca de Regina. E é isso que ela acha que a moda virou. consumo, gente igual, sem identidade, ou seja, “uma chatice”.

Tpm. Como está a Regina hoje?
Regina. Eu ando muito isolada. Mas quis assim. Fiz muita coisa na minha vida, viajei, conheci muita gente. E, agora, por que não iria acontecer comigo? Veio a rebatida. E aconteceram coisas chatas. Perdi meu companheiro [Luiz Dias Correa de Barros, morto ano passado]. Engraçado, porque sempre vivi sozinha, mas tinha me acostumado com ele. E sinto muita saudade. Além disso, tive um problema sério de roubo em casa. Olha, acho que na minha última encarnação devo ter sido uma bandida, uma ladra [risos].

O que aconteceu? Em 2006, uma secretária que trabalhava comigo havia seis anos fez um desvio de R$ 500 mil meus. E, ano passado, um ex-assistente esteve aqui em casa e roubou todas as joias de mamãe. É uma coisa a que quase me acostumei. Assim como ganhei muito na vida, perdi muito. Não sei se sou a pessoa mais distraída do mundo, porque realmente não gosto de números. Não posso imaginar que aconteça uma coisa dessas. Eu tive coisas incríveis na vida, mas tive perdas e decepções horríveis.

E como lida com as pessoas agora? Ficou desconfiada? Não é desconfiança. Fiquei com medo do outro. Se pudesse, saía de São Paulo. Como assisto muito à TV 5 (canal francês) brinco de não estar aqui. Os anos em que morei em Paris foram os melhores da minha vida. Acho estranho falar em felicidade. Mas, de 1997 a 2004, estava muito contente lá. Dizem que, quando você foi muito feliz em um lugar, você não deve voltar. E vejo que até Paris não é mais a mesma. Mudou muito. Tinha uma banca, uma lojinha, de duas velhinhas maravilhosas. Elas sempre me cumprimentavam, conversava com elas. Às vezes, amigos meus vão e elas me mandam bilhetinhos. Tenho medo de passar lá, porque, se der de cara com a banca e elas não estiverem, não vou aguentar. Essa parte de perder as pessoas, sinceramente, não seguro bem. E isso a gente sente com o passar dos anos. Quando a gente está muito preocupada com o dia a dia, com o presente, não sente tanto. Mas, claro, com a minha idade você faz um balanço. Falando assim parece que eu vou morrer amanhã, o que não é o caso.

Você viveu muitos romances? Não tive namoradinhos, tive grandes romances. Casei pela primeira vez de véu e grinalda. Meu primeiro casamento durou pouco tempo. Foi o primeiro toque, o primeiro beijo, a primeira mão no seio. Foi a primeira relação íntima que tive! Olha isso. Depois tive grandes relações. Uma com um fotógrafo francês, outra com um rapaz que diziam ter sido amante do [estilista] Dener. Saía nos jornais: “Ex-Dener, atual Regina Guerreiro”, imagina, meus pais queriam se matar [risos]. Teve o Wilson Carpegiani, que foi uma relação duradoura, de oito anos. Ele era advogado, bandidão. Depois, tive um rapaz mais novo e foi uma roubada. 
Engraçado que todos morreram. Não tem nenhum vivo. Só o Zé Luís [seu primeiro marido] que está vivo. Ele tem me ligado, diz que vem na praça Buenos Aires [em frente à casa de Regina] brincar com a neta. Achei hilário ele ter uma neta! Eu não tive filho, não tive tempo para isso. Então, acho muito engraçado as pessoas terem tido netos! Isso mostra que o tempo passou. Às vezes, olho e penso: “Onde gastei essa montanha de tempo?”. Parece que caiu a farinha, tipo um relógio de tempo.

 

“Ser vítima da moda é querer ser essa mulher que todo mundo quer, mas que você não é. O lance seria você ir na contramão, seria você ser você mesma”

 

Como foi a sua infância? Meu pai era comerciante, sócio das Casas Paiva, atual Casas Almeida. O encontro da minha mãe e do meu pai foi absolutamente lindo. Meu pai era gerente e minha mãe foi comprar um vestido para ir a um piquenique. E começou a discutir com um vendedor. Meu pai passou, resolveu o problema do vestido. Sobrou um pedaço do tecido e ele disse: “Fica um lenço para mim e outro para a senhorita”. Essas coisas não acontecem mais, né? Tenho um irmão, 14 anos mais velho, que morreu há pouco. Meus pais eram muito rigorosos. Tínhamos a obrigação de ser os melhores da classe. Estudei no Madre Alix e depois no Sion, onde fazíamos reverência às freiras em francês. Meu pai me obrigou a ser professora e cheguei a fazer o curso Normal. Aí achei que chegava, né? Falei pra ele: “Vou fazer jornalismo”. E fui para a Cásper Líbero. E foi uma bomba, imagina. Meu pai ficou louco.

Você virou jornalista numa época em que havia poucas mulheres nas redações. Como seus pais lidaram com isso? Quando nasci, mamãe já tinha 40 anos. Ela era uma mãe de época. Não pode isso, não pode aquilo. Acho que por muito tempo não levaram nem susto, foi decepção mesmo. Imagina, ter uma filha jornalista. Nos anos 60, a fama de jornalista era de gente bêbada, que trabalhava em um lugar cheio de fumaça. Imagina, jornalista mulher nos anos 60 apanhava na cara! Não existia diretor de redação mulher naquela época. Isso só começou nos anos 80, 90.

E como começou sua carreira com moda? Comecei com jornalismo. Trabalhava no Jornal do Brasil e na revista Manequim. Quando me jogaram no estúdio, fiquei puta. Pensei: “Sou jornalista, falo francês, sou uma intelectual”. No primeiro trabalho que fiz para a Claudia, entendi que a imagem não era uma coisa menor do que o texto. Era uma produção complicadíssima e a minha chefe falou: “Só a Regina pode fazer isso, porque, se pedirem um elefante azul, ela consegue”. Sempre fui intrépida. Eu consigo mesmo. Era uma lista imensa e muito difícil. Mas, quando vi o cenário, aí entendi tudo. Vi que você podia contar, com a imagem, uma história que pode contar em palavras. E foi ótimo porque, desculpe, sou a mais completa. Eu sei fazer imagem e texto. E faço bem. Não tem quem faça isso como eu, tenho certeza [risos]. Isso foi uma coisa importantíssima para a minha vida.

Pensava em trabalhar com moda antes disso? Não, imagina! Mas minha mãe não me deixava brincar na rua. Então, fazia tricô, crochê, sabia fazer tudo com as mãos. Mas trabalhar com moda não passava pela minha cabeça. Quando fui para Londres [no fim dos anos 60], fui fazer matéria como jornalista. Para a Espanha também, fui fazer o perfil da mulher espanhola; e o Inácio de Loyola Brandão, o do homem espanhol. Quando precisava entrevistar estilista, era eu.

Mas quando você se apaixonou pela moda? O auge da minha paixão foi quando estava na Vogue. Foram 14 anos. Tinha plena liberdade. Saí por causa do Andrea, irmão da Patricia [Carta, diretora da Carta Editorial], que começou a ser muito desagradável. Eu chegava e ele tinha mandado a minha assistente para a Europa sem ter me avisado. E disse para ele que não queria ser diretora de uma revista que não dirigia. Eu podia ter ficado a vida inteira por comodismo. Saí e comi o pão que o diabo amassou. Fiz Estadão por um tempo. Fiquei lá até 1993, antes de dirigir a revista Elle.

Por que acha que se destacou tanto como editora de moda? Tenho um jeito obsessivo de fazer. Sou perfeccionista. E fazia antes de existir Photoshop e computador. Em Paris, escrevia as matérias à mão e depois mandava por telex [risos]. E, outra coisa, não existia tratamento de imagem. Era tão difícil que você realmente passava uma noite em uma foto para que ela saísse leve. Era tipo receita de bolo. Por um triz acontece a magia e por um triz acontece o horror. A minha carreira é uma carreira de muita batalha, de muito trabalho. Eu não tive padrinho. O meu sangue é rosa-shocking, não é azul [risos]. E acho que influenciei muito as pessoas, fiz elas verem a moda como algo importante. E hoje, sinceramente, não acho mais tão importante, sinto dizer.

Por quê? Porque a moda foi banalizada. O corpo da mulher foi banalizado. Você olha e é assim, coloca a mão na cintura. E baixa a foto e manda para a gráfica. A mulher é vista como objeto de consumo puro e simples. A moda hoje é só produção. A arte? Estilista podia estar vendendo sardinha ou geladeira [risos]. Ele é um business man. Isso tudo prostituiu a moda. Acabou com a arte.

E ao mesmo tempo a moda está na moda. Todo mundo virou estilista. Todo mundo virou chef de cozinha e crença alternativa, “levanta a mão, abaixa a mão” [risos]. Uma coisa saudável, que não tive na minha educação, foi o exercício. Hoje, eu faço, com um personal trainer. Ele fala: “Você fica cansada porque não está acostumada”. Eu respondo: “Meu filho, tenho 70 anos, se não estou acostumada, não é agora que vou me acostumar” [risos]. Sempre achei ginástica insana, uma coisa sem senso. No colégio, eu já era um horror. Sempre fui uma mulher de sala. De cama e sala [risos].

Mas ao mesmo tempo você tem muita energia, não? A geração passada não teve a que a minha tem. Claro que somos senhoras com mais energia. Estou colada em tudo o que está no mundo. Não me acho de época ou fora de sintonia. Tanto que as minhas amigas têm 40 anos. Tenho poucas da minha idade, ou só um pouco mais novas do que eu, como a Vania [Toledo, fotógrafa], que acho muito batalhadora. Mulheres que atuaram. As que não atuaram, nem sei onde estão.

Em seu livro, você diz que viveu uma época em que São Paulo era muito animada. Nos anos 70, a rua Augusta era o point. Lembro de uma amiga, dona da Von Von, uma loja moderna na época, e penso: “Onde ela foi parar?”. Era um lugar de efervescência cultural. Não era boring como agora. Porque até desfile virou uma coisa chata. Muito chata.

Você ainda tem vontade de, por exemplo, acompanhar os desfiles de Paris? Veria esporadicamente algum costureiro. Mas pouca coisa está acontecendo. O mundo virou memória. É 70, depois vai para os 80. Ainda não entendi quem é essa mulher do século 21. Será que é só esse jeans? Só camiseta? No meu tempo – falo dos anos 90, no meu auge –, as mulheres eram personagens. Em Paris, você via cada homem e pensava: “Será que ele é tipo o Jean-Paul Sartre?” [risos]. Hoje falta individualidade.

Poucos críticos de moda têm coragem de falar mal de um desfile. E você sempre falou. Uma coisa é que as pessoas querem ser amadas. Todo mundo quer. Eu também quero ser amada. Não quero que as pessoas me olhem e falem: “Ah, olha lá a maldita”. As pessoas confundem. Não é “gostei e não gostei”. Isso não é crítica. É falar como desenvolveu, qual é a referência, de onde veio e para onde vai. Outro dia, vi uma revista e pensei: “Já vi essas fotos”. E eram versões novas de fotos da Marilyn. Ah, sei. Acham que é referência.

Essa palavra, referência, é complicada, né? Sim! E “homenagem” também. Mas a pior mesmo é “releitura” [risos]. Infelizmente ficou assim. Lembro que uma vez a gente fez um editorial para a Vogue, um casamento que acabava com o enterro do marido [risos]. Fomos para o cemitério. O Paulo Borges era meu assistente e quase morreu porque queria vestir o noivo de branco e eu queria preto, preto, preto. E o Miro [fotógrafo], tão louco quanto eu, queria molhar o chão do cemitério. Aí chegou um defunto para um enterro de verdade, a gente molhando o chão. E dissemos: “Espera um minutinho?” [risos].

 

“Era autoritária e exigia muito das pessoas. Mas existe muito folclore. Já disseram que eu estava no aeroporto de Orly, estapeando a minha filha. Que filha?”

 

Você ganhou muitos desafetos por criticar estilistas? Sempre usei o bom humor. Além de falar da roupa em si, tentava mostrar para o estilista que ninguém é um gênio, que não é para se levar tão a sério. Sempre fui brincalhona, mas, sim, já ficaram com raiva. Muita. Tomar satisfação nunca tomaram. Nunca ninguém ousou. Mas tem uma história engraçada. Uma vez, quando ninguém entendia a moda do Lino Villaventura, fui a primeira a levantar e aplaudir de pé. Todo mundo aplaudiu igual. Depois, teve duas ou três coleções que caí de pau. Ele ficou me odiando, claro. Aí teve outro desfile que, quando acabou, ele veio na passarela em minha direção. Pensei: “Meu Deus, vou levar um tapa”. Ele chegou e me deu um beijo [risos]. Se as pessoas conseguissem me responder com humor, o mundo seria uma coisa ótima.

Acha que as mulheres hoje são mais vítimas da moda do que quando você começou a trabalhar? Todo mundo virou vítima da moda. Ser vítima da moda é querer ser essa mulher que todo mundo quer, mas que você não é. O lance seria você ir na contramão disso, seria você ser você mesma. E, na hora que encontrar uma pessoa que gosta de você, ela vai gostar de você de verdade. Não daquela personagem que você criou. Você vê a Meryl Streep. Ela não pode ser considerada uma mulher bonita. Ela pode ser até considerada feia. Mas é tão maravilhosa. Adoro aqueles filmes em que ela é uma mulher de seus 50 anos e consegue encontrar um amor. Mas, na vida real, não seria assim. Porque o homem de 50 anos ia querer uma de 20 [risos]. Acho isso bem brasileiro. Na Europa, não vejo esse choque. Você vê nas colunas sociais aquele homem velho, horroroso, com uma menina toda fake, toda feita. É impressionante.

E aí fica todo mundo muito parecido, não é? Acho que não existe opção do contraste hoje em dia. Como existia Regina e Costanza Pascolato [risos]. Hoje todo mundo quer ser mulher-objeto, até porque os homens querem isso. É uma situação desesperadora. Inclusive, porque ou você vira isso, ou você dança. É uma situação péssima. São raríssimos os homens que vão olhar para dentro de você. Não sei o que diria se tivesse que dar conselhos para uma filha ou uma neta. Eu tenho a humildade de não dar conselho porque não tenho essa capacidade. Eu desaconselho, só. [Risos.]

E você desaconselha o quê? Desaconselho a ir na onda. Não conseguir emergir desse naufrágio. O mundo naufragou e ninguém consegue sair com outra cabeça. Outra cabeça no sentido literal e no sentido mental.

E o que acha dessa epidemia de cirurgias plásticas? Acho triste. Claro, se tem coisas que te incomodam, faz. Mas essa coisa de mudar o rosto... Que é isso, gente? Falam que eu tenho sorte, que tenho uma pele maravilhosa. Mas não é só isso.

Você já fez plástica? Fiz o papinho e fiz peito. Sempre fui muito peituda. Já fiz três cirurgias. Mas me incomoda fisicamente. Faz mal para a coluna. Essa coisa de rosto acho grave. Você tem que assumir quem é. Eu não faria. Sei que tenho uma pele boa, mas mesmo quem não tem. Essa coisa de boca, gente, é pavorosa, que mundo é esse? Gente, eu não moro aqui! Por sinal, essa é uma frase minha característica. Se me perguntam, por exemplo: “Você tem uma tesoura?”. Respondo: “Não sei, eu não moro aqui”. [Risos.]

E essa obsessão por magreza. Você já caiu nessa? Magra nunca fui e nunca vou ser. Tem horas que sou mais gordinha e horas que sou menos gordinha. No fim dos anos 90, quando entrei na Elle, estava com o máximo da magreza que posso ter. Acho essa obsessão uma loucura. Você tem que se aceitar. É o primeiro passo. Se você não se aceita, imagina as outras pessoas.

Acha que a moda influencia as pessoas negativamente, no sentido de quererem ser supermagras? Acho que a moda prejudica, sim. Essa nova moda que virou essa coisa filha da puta. A minha mãe era uma mulher normal. Com seios normais, com uma bunda normal. Em qualquer livro que conta a história da moda, você vê que aconteceu um processo de violação com o corpo da mulher. Antes, podia ter bunda. Hoje não pode mais ter. É uma coisa horrível. Essas modelos que se sentem velhas com 20 e poucos anos.

Por que a moda ficou assim? Porque é mais fácil fazer roupa para quem não tem formas. É o tal negócio. O talento do corte. Se você faz uma moda industrializada, tudo o que precisa é de um cabide. Mas, vou te falar uma coisa, quem insiste em não fazer roupa para quem é mais gorda ou normal... Tem muita gente falindo, né? Como você vai fazer roupa para gente que não existe, por preços irreais? Roupa brasileira por R$ 5 mil? A classe média vai se vestir como? Matando o marido para conseguir a roupa? [Risos.]

A Costanza disse, em entrevista à Tpm, que quando foi trabalhar na Abril te via e pensava: “Ela que é moderna”. Qual a sua versão dessa história? Sem dúvida eu era moderna e ela não. Ela é sangue azul e eu sou rosa-shocking [risos]. Quando saí da Manequim tive uma agência de produção chamada Choc, e ela sempre conta que foi na agência e eu disse que ela não podia fazer o trabalho. E é claro que não podia [risos]! Ela, com anel de brilhante, querendo fazer produção. Falei: “Sabe o que é produção? É jogar água na cara da modelo, passar rodo, se ajoelhar no chão!”. Eu, com 50 anos, ainda me ajoelhava no chão, no meio da rua, e não vejo a Costanza fazendo isso.

Por muito tempo existiu um mito de uma rivalidade entre vocês, não é? Adoro a Costanza e ela me adora. É uma questão de caminhos diferentes. E não existe a melhor: o jeito de trabalhar é diferente. Claro que ela é chique e eu sou choque. É muito diferente! Acho essa chiqueria profissional boring. Gosto de quebrar as regras, de desafiar. A Costanza hoje é mais ousada do que ela era. Hoje ela é muito moderna. Mas, quando a gente fica senhora, olha... hoje eu sou chique [risos]. Mas comecei antes dela e da Gloria Kalil. E eu e a Gloria éramos do mesmo ônibus do colégio, só que ela é mais nova. Olha que loucura! Nunca vou esquecer da primeira vez que a Gloria foi na Manequim. Ela estava com um conjunto de cashmere, mocassim, toda arrumada. São três caminhos muito diferentes e com histórias de vida muito diferentes.

Você não teve filhos. Nunca quis? Nunca pensei e nunca achei que fosse ser boa mãe. Sempre pus o trabalho em primeiro lugar. A minha família mesmo. Eu pude dar um fim legal para a minha mãe, mas, quando ela descobriu o câncer, eu estava na Bahia, fotografando o Caetano. Com uns 35 anos, fiz um teste com um cachorrinho. Eu chegava em casa à noite e o puto não olhava para a minha cara [risos]. Ficava só na perna da cozinheira. Aí a relação ficou cada vez mais raivosa. Queria pegar aquele cachorro à força e achei que se tivesse filho seria igual. Se for para ser mãe, que seja direito, você vai perder mesmo uns anos da sua vida. Fiz isso com o Luiz [seu último companheiro].

Como assim? Eu gosto muito de receber, ele detestava. Tratava bem meus amigos, mas não adorava. Deixei de receber. Alguns amigos entenderam, mas muitos se afastaram. Eu me dediquei mesmo a ele. Fiquei ótima em tênis. Não de jogar, né? Mas de assistir pela televisão [risos]. Despertávamos às quatro da manhã para ver tênis, por causa do fuso. Cheguei a gostar de futebol e até a falar: “Você viu que gol lindo?”. Tem horas que sou tão louca, tão louca, que vejo futebol e acho que aquilo parece uma dança [risos].

Você não gosta muito da vida real, não é? Acho que o segredo da minha força é essa briga com o real. Acho o real boring. Nunca tive um homem que realmente mandou em mim. Só esse meu último, que foi meu grande amor, que morreu ano passado. Ficamos de cinco para seis anos juntos. Nos conhecemos criança e tivemos um casinho quando eu tinha 30. E depois ele me mandou para a puta que o pariu. Ele era mandão, mulherengo! Com 70 anos... Olha, não gosto que mexam nas minhas coisas, mas ele realmente morou na minha casa e mudou tudo aqui. Foi a primeira vez na minha vida, eu estava com 60 e poucos anos, que aprendi a dividir o controle remoto da televisão. Realmente um grande amor. Eu evaporei nele. Foi muito importante e dói muito [Regina começa a chorar]. Não dá para falar. A presença dele está em cada lugar dessa casa. Mas foi muito bom, graças a Deus, viver uma coisa dessas. E ele me deu mais um cano [risos].

Como está lidando com essa perda? O ano de 2011 foi o mais difícil da minha vida. Mas você vai melhorando. Meus amigos me ajudaram muito. Fazer o livro me ajudou muito. A Dushka [Tanaka, diretora de arte] vinha para cá e a gente pendurava todas as fotos na parede, foi uma loucura para escolher. Tive que folhear todo o meu trabalho, trabalhar muito. A Dushka passou manhãs e manhãs comigo. Isso me ajudou, me jogou para cima.

Também não devia ser fácil ser marido da Regina Guerreiro, um mito. É muito chato ser o marido da Regina. O Wilson [Carpegiani] tinha bastante personalidade também, era muito boêmio, mas achava um saco sair comigo. No caso do Luiz, eu o reencontrei outro homem, já com 70 anos. Ele me ensinou a fazer coisas em casa. Ele era muito exigente, muito difícil. O meu pai era padrinho do irmão dele e o pai dele era meu padrinho, os dois portugueses. Meus padrinhos, pais do Luiz, morreram num desastre de avião. Eu tinha uns 15 anos, mas lembro da mão do Luiz no enterro, olha que loucura. Como tenho muita imaginação, às vezes ela vira verdade [risos]. Lembrava de umas coisas que ele dizia que não aconteceram.

Muitos dos seus amigos são pessoas que foram suas subordinadas. Mas, ao mesmo tempo, você tem fama de ser durona no trabalho... Eu era muito autoritária e exigia muito das pessoas. Mas existe muito folclore, não é? Já disseram que eu estava no aeroporto de Orly [em Paris] estapeando a minha filha. Que filha? As pessoas chegam à loucura. É até engraçado. Eu confundo a relação de chefe com amizade, sou maternal. Se a pessoa é bom caráter, ótimo. Se não é, péssimo. Essa última pessoa que trabalhou comigo e me roubou... O Luiz estava no hospital, tinha que pegar algo em casa e falei: “Toma a chave”. Quando percebo, sumiram todas as coisas da mamãe! Eu me entrego a essas pessoas. Como eu falo que o horror está dentro da beleza, dentro de mim sou assim também. Meu lado durão está ao lado do lado “molão”.

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