por Redação

O escritor Joca Terron ensina a editar seus próprios livros


Por Ronaldo Bressane
Já ouviu falar de Joca Terron? Se não, deveria. Ele tem 32 anos, é editor da Ciência do Acidente e acaba de lançar o híper-surreal romance Não há nada lá. No livro, cruzam-se Jimi Hendrix, o bruxo Aleister Crowley, os poetas Fernando Pessoa e Arthur Rimbaud, o bandido Billy The Kid e os pastores a quem foram revelados os segredos de Fátima. Abaixo, Joca dá a dica a escritores que queiram, como ele, publicar seus próprios filhotes.
TRIP - Quanto custa editar o próprio livro?
Joca Terron - Uma conhecida definição determina que 'edição' é ao mesmo tempo 'uma arte, um ofício e um negócio'. Os custos de editoração caíram muito com as novas tecnologias, mas esse fato não exclui a arte de se escrever o livro e isso custa tempo, talento e suor. Como o livro é um produto razoavelmente complexo, precisamos de praticantes do ofício das artes gráficas (designers, impressores) para obtê-lo, e isso custa grana. Já a parte que resta, o negócio, a publicidade, distribuição e venda, além de exigir mais grana, exige outra coisa que não sei o que é, pois se soubesse seria editor de alguma grande editora e não da Ciência do Acidente.
TRIP - Como você faz para distribuí-lo?
Joca Terron - Essa é a parte mais complicada. Se fizerem essa pergunta a qualquer agente cultural brasileiro, um cineasta ou encenador, ele reclamará das mesmas dificuldades. Existe a via normal, com distribuidoras profissionais, aquisições de bibliotecas e livrarias, mas isso não garante que o livro será exposto ou consumido, afinal centenas de novos títulos são lançados todos os meses e a competição é acirrada. Os pequenos editores que se arriscam publicando obras de qualidade são obrigados a imaginar as mais diversas formas de conquistar ou fazer surgir um novo público. Mas isto nem sempre é possível, num país onde a difusão cultural é tão medíocre.
TRIP - Me conte, passo a passo, como chegar à edição de um livro como Não há nada lá.
Joca Terron - O primeiro passo é descobrir quais editoras publicam algo parecido com o que você escreveu. Depois é enviar e aguardar, de preferência sentado. Os editores raramente enxergam muito além de seu gostos pessoais (quando têm um), e se a pretensão da sua obra de arte é não fazer concessões, sua espera será longa. Não podemos nos esquecer que a maior parte dos livros que interessam na história da literatura foram auto-custeados ou póstumos. Rimbaud, por exemplo, pegou emprestado da mãe, imprimiu 500 exemplares, pegou 20, mandou pros amigos, deu o balão na editora e foi gastar o dinheiro em viagens.
TRIP - Você é ao mesmo tempo narrador, poeta, editor e designer. Qual dos trabalhos dá mais prazer?
Joca Terron - O prazer existe em todas essas atividades, mas é efêmero, dura apenas aquele momento epifânico em que você constata que realizou algo esteticamente satisfatório. Nos outros 99% do tempo é a luta contra você mesmo, seus clientes, fornecedores, prazos, a angústia da criação e a frequente frustração. Nas atividades artísticas industriais como a de designer gráfico você é obrigado a conviver com a rejeição do seu trabalho o tempo todo, com a recusa de layouts, por exemplo. Isso só faz com que eu ambicione a maior liberdade possível para minha escrita e minha atividade editorial.
TRIP - É mais fácil ficar rico sendo editor ou escritor?
Joca Terron - Como no futebol, é só você estipular quantos milionários escritores ou editores 'Ronaldinhos' existem para cada escritor ou editor 'zé ninguém'. É por isso que ambiciono ser uma espécie de editor 'Robin Hood', tirando dos vaidosos jovens escritores dispostos a pagar a edição de seus primeiros livros, para investir na publicação dos inestimáveis velhos escritores 'garrinchas' perdidos por aí.
TRIP - Se não há nada lá, para onde ir?
Joca Terron - Não precisamos nos preocupar com isso, pois não há nada aqui também. O negócio é seguir adiante e ver no que vai dar. Sem esperança nem temor.
TRIP - Qual foi o livro que mudou sua vida?
Joca Terron - Não sou adepto dessa idéia de que um livro possa mudar a vida de alguém, pois sou um leitor ávido e indisciplinado, leio muita coisa ao mesmo tempo e acho que o mistura resultante dessa ação contínua é que mantém minha vida em movimento. Mas se tivesse que optar, escolheria minhas leituras da infância, pois são Verne, Lobato, Francisco Marins, Stevenson, Twain, Ferenc Mólnar, Dumas, Conrad e Wells, que estão registrados de forma mais indelével na minha memória.
TRIP - Como você definiria 'não há nada lá'?
Joca Terron - É uma advertência e um réquiem à literatura. Uma fábula que narra o fim do mundo, ou o fim de um determinado mundo, como o conhecemos atualmente. Mas esse fim ocorre de forma silenciosa, de uma hora para outra, sem os fogos de artifício nucleares que se convencionou esperar. Na verdade, o fim do mundo já aconteceu e ninguém notou, meu livro é apenas um atestado de óbito desse falecimento desapercebido.
TRIP - Como acha que será a literatura brasileira daqui a 5 anos?
Joca Terron - Literatura é lama movediça, terreno nada propício para se profetar. Mas uma coisa é certa: pra se escrever nunca foi necessário clima ou bons augúrios, e sim tempo. Nos representantes das diversas dentições do modernismo brasileiro (até o concretismo) observa-se que a solução para o escritor produzir era o meio-período, funcionário público de alto escalão de manhã, escritor pelo resto do expediente. Segundo o que vemos hoje, com a escassez de emprego, os expedientes longuíssimos e a impossibilidade de se viver de literatura, a classe média tem de rebolar para registrar suas aventuras, pois são todos músicos, jornalistas, pintores ou presidiários. Resta saber por quanto tempo ainda haverá estímulo (se é que há, hoje) para optarmos pela literatura e a imaginação em detrimento do crime, pura e simplesmente.
Não há nada lá, de Joca Reiners TerronCiência do Acidente (terron@uol.com.br), 166 págs, R$ 20
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