Filhos? Não, obrigada

por Ariane Abdallah
Tpm #107

Por que essa opção ainda provoca tanta polêmica? Quatro mulheres revelam como lidam com o tabu

Elas não querem ser mães. E ponto. Tatiana, Camila, Marta e Karina encaram o preconceito ao assumir a decisão – que, afinal, só cabe a elas. Descubra como resolveram essa questão.


Você tem 30 e poucos anos, namora firme ou acaba de casar. Logo, começa a ouvir dos pais, dos amigos e até da manicure: “Quando vai engravidar?”. Raramente a pergunta é feita com o verbo “pretende”. Até porque muitas – ou a maioria – das mulheres não questionam a maternidade, considerada natural. E quando a resposta é “não quero”, as reações frequentes de quem se espanta com o fato são acompanhadas de: “Como assim? É algum problema?”. Vale lembrar que estamos no século 21. As mulheres são chefes de família, presidentes da República e de empresas, e a pílula anticoncepcional existe há cinco décadas. Além disso, o número de casais sem filhos no Brasil aumentou de 13% (1999) para 17% (2009), enquanto as famílias com filhos diminuíram 5%, segundo o IBGE.

Ainda assim, mulheres como Karina Buhr, Camila Helena, Tatiana Soster e Marta Machado, entrevistadas pela Tpm, se acostumaram aos olhares “desconfiados” e “horrorizados” quando assumem publicamente a decisão. “A recusa em ter filhos não é apenas um tabu, mas uma atitude suspeita”, antecipa a orelha do best-seller Sem Filhos – 40 Razões para Você não Ter, da psicanalista suíça Corinnne Maier, que admite às vezes se arrepender de ter tido os seus.

A decisão dessas mulheres, no entanto, não significa uma bandeira contra a maternidade. Ao contrário, elas se sentem à vontade com crianças e reconhecem a natureza feminina no prazer de cuidar de quem está ao redor. A impressão que têm é a de que algumas mulheres querem TER filhos, e não SER mães. Como se a motivação fosse uma vaidade pessoal e uma tentativa de corresponder à expectativa dos outros.

Pressão total

Os argumentos para recusarem o papel de mãe variam, mas a palavra “liberdade” é repetida por todas. Gostam de dormir noites inteiras, de viajar livre de preocupações, de se dedicar 100% ao trabalho... “A não maternidade voluntária é decorrente de uma série de escolhas feitas e confirmadas ao longo da vida. Portanto, não costuma ser o resultado de uma decisão momentânea. É um assunto delicado, que demanda reflexão e às vezes auxílio de profissionais de psicologia”, explica Luci Helena Mansur, psicóloga e autora de Sem Filhos: A Mulher Singular no Plural. Já a argentina Laura Gutman, psicoterapeuta familiar, crê que as escolhas não são tão objetivas quanto podem parecer. “As decisões não costumam ser conscientes, embora acreditemos que sejam. Muitas mulheres não desejam filhos e, apesar disso, os têm. Outras desejam, mas não engravidam. E outras não desejam e de fato não os têm.” Ou seja, as razões por trás da escolha, seja de não ter ou de ter filhos, não podem ser generalizadas. Afinal, muitas vezes, a própria mulher desconhece as manobras psicológicas que motivam sua decisão.

Mas por que hoje a pressão para engravidar ainda é grande? Para responder essa questão, a psicóloga Luci Mansur volta dois séculos na linha do tempo, quando teria se originado o modelo de família que imperava no Brasil até a revolução sexual, nos anos 60. “O século 19 pode ser visto como ponto de transição na história das mulheres ocidentais”, resume. Enquanto os homens assumiram o sustento da família, para as mulheres “a procriação se tornou garantia de felicidade, de adequação à ‘natureza’ feminina, e um meio de obter reconhecimento social”. Desde então, meninas crescem ouvindo que só serão plenas se conceberem outro ser humano. Afinal, fêmeas procriam. É biológico.

Resultado: conciliar profissão e maternidade virou um dos maiores conflitos do sexo feminino. “As pessoas passam meia hora reclamando da rotina, do cansaço, do marido, do filho, mas falam: ‘Vale a pena!’. Não é o que estou vendo”, defende a pesquisadora Tatiana Soster. “Provavelmente, só daqui a várias gerações será possível equilibrar a riqueza que concede a liberdade com a intensidade que oferece a maternidade”, reflete Laura Gutman, também autora de Preparação para a Maternidade: Encontro com a Própria Sombra.

No livro, Laura fala da maternidade como oportunidade de entrar em contato com “aspectos escondidos da psique feminina, expostos com a chegada dos filhos”. Porém, se não estiver afim dessa viagem, o destino pode ser outro. “O vínculo com um filho pode ser uma oportunidade de autoconhecimento excepcional, mas a mãe tem que estar em profundo contato consigo mesma”, afirma.

Conheça as histórias de Karina, Camila, Tatiana e Marta. Mulheres que escolheram embarcar sem acompanhante na viagem de suas vidas.


Tatiana Soster tinha 21 anos, era recém-formada no curso de informática e namorava firme. Vivia em Porto Alegre, onde nasceu, mas mandou o currículo para uma vaga de emprego sem se dar conta de que era em São Paulo. Foi chamada e resolveu arriscar. Mudou para a capital paulista e, pouco depois, o namoro terminou. “Se eu ficasse lá, provavelmente casaria, teria filhos e compraria uma casa no mesmo bairro dos meus pais”, imagina ela, que há nove anos está com o atual noivo. Depois de superada a crise dos sete, Tatiana acha a vida que leva tão boa que quer preservá-la assim. Aos 33 anos, coordena uma equipe de pesquisa em novas tecnologias em uma faculdade particular de São Paulo e mora de aluguel por opção. “É importante ter raízes quando se tem uma família, mas nós estamos livres”, analisa. A decisão de não ser mãe veio quando os filhos das amigas começaram a nascer e ela se interessou pelos mais diversos temas: dos exames médicos aos perrengues para educar crianças. “Vi que não cabia na minha vida. Criar um filho exige muita responsabilidade, uma estrutura que não posso dar”, defende. Mas só parou de se questionar sobre o assunto quando aceitou que, caso mudasse de ideia, poderia recorrer à adoção. A prioridade agora é cuidar do relacionamento com o noivo. Com ele, planeja passar uns meses no exterior durante o futuro doutorado.

O que faria se engravidasse hoje? Eu teria o bebê.


Camila Helena assiste a uma média de dez partos por dia e pegou gosto em dar o primeiro banho nos bebês. Enfermeira obstetra de dois hospitais paulistanos, confessa ter curiosidade sobre o que sentem as pacientes que atende. “Eu queria experimentar o parto, ver se é a dor mais intensa mesmo, mas o que faço com a criança depois?”, pergunta, rindo. Ela começou a namorar o marido, Felipe, em 2001. Aos 33 anos, os dois moram juntos há quatro, mas só agora viajaram em lua de mel, para Roma.  Oito anos atrás, ele quis ter um filho. Ela não topou. Embora faça as vezes de babá quando as amigas precisam de um help com os filhos, Camila não acha graça quando elas não conseguem terminar o primeiro drink porque saem correndo atrás das crianças numa festa. “É isso o que você quer?”, perguntava ao marido, que hoje concorda com sua decisão. Além disso, gosta da liberdade de viajar e de dormir sem interrupções. Camila compara a vida de muitos casais que conhece a um jogo de videogame. “Eles casam, têm filhos, como se tivessem que passar para a próxima fase”, observa. Em seguida, dá uma pausa em seus argumentos e relativiza: “Na verdade, o único motivo que importa para mim é que não quero ter filhos. Os argumentos racionais são para justificar isso”, confessa.

O que faria se engravidasse hoje? Não sei o que faria. Mas sou amplamente a favor do aborto por escolha.

 

Aos 40 anos, a decisão de não ter filhos da gaúcha Marta Machado é algo já consolidado, mas seus conflitos borbulharam quando ela estava na casa dos 30. “Eu questionava se ser mãe era o caminho natural. Em alguns momentos talvez até tenha sentido falta, mas acho que era mais por imposição social. É uma experiência muito cara, em todos os sentidos. Algumas pessoas têm vocação para ser mãe e outras, para realizar outras coisas.” Além de produtora de desenhos animados, ela preside a Associação Brasileira de Cinema de Animação e trabalha entre dez e 12 horas por dia. Mora com uma irmã, o cunhado e a sobrinha-afilhada, de 2 anos.“É maravilhoso ver que aquela criança que não conseguia nem segurar o próprio tronco de repente está andando... Mas, na hora que canso, fecho a porta do quarto”, diverte-se ela, que sempre se relacionou com homens que não queriam filhos e nunca casou. Marta atribui parte da decisão ao fato de sofrer de depressão, assim como a mãe, o que poderia se reproduzir numa terceira geração. Outra ideia que a assusta é a de que filhos crescem e vão embora. “Acho um pouco perversa essa relação em que tu te colocas de lado para criar alguém, que depois cresce, nega isso e te deixa um enorme vazio”, reflete. Marta se vê daqui a 30 anos caminhando com as próprias pernas para uma casa de repouso. “Ou vai que alguma sobrinha se apega e resolve cuidar”, brinca.

O que faria se engravidasse hoje? Essa decisão não dependeria só de mim, mas do contexto da gravidez. É possível que eu tivesse ou abortasse.


A cantora Karina Buhr, 36 anos, nunca gostou de boneca – com exceção das de porcelana, que guarda até hoje. Também não via graça em brincar de casinha com as meninas de Recife e Salvador, sua terra natal. Casar oficialmente e ter filhos nunca estiveram nos planos. “É tão natural para mim a ideia de não ter filhos que me peguei tentando teorizar pra responder sobre isso. Não sinto vontade de ser mãe, apesar de adorar criança e me emocionar com elas”, reflete. Há seis anos, Karina mora em São Paulo com o namorado, o produtor Duda Vieira. “Gosto de ir para onde o vento sopra”, resume. E acredita que “enlouqueceria de vez” se passasse nove meses com um bebê em seu ventre. “Acho lindo mulheres grávidas, mas não me imagino carregando uma criança na barriga”, solta. Porém, desde menina tem o desejo de criar “um lugar meio escola, meio casa, meio cinema, meio horta, para crianças. Acho que ainda vou fazer isso”, planeja, com os olhos pintados de azul.

O que faria se engravidasse hoje? Me previno para que não aconteça. Se, mesmo assim, acontecer, preciso sentir na pele para saber o que fazer, mas gostaria que o aborto fosse uma opção dentro da lei no nosso país, para resolver de forma mais segura, responsável e tranquila. Mas... se [no futuro] meu filho ler esta matéria, mamãe te ama, OK?

Créditos

Maquiagem Jonatan Nunes (CAPA MGT)

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