Será que você é piriguete?

por Nina Lemos
Tpm #98

Tpm vai às raizes da questão e do significado dessa nova gíria

Será que você é piriguete? Perigosa ou a perigo? O que exatamente os homens – e muitas vezes as próprias mulheres – querem dizer quando chamam alguém assim? Tpm vai às raízes da questão e descobre: o oposto da piriguete é a segurete

“Aquela menina é a maior piriguete”, diz um cara na balada, apontando para uma “vadia”. “Hoje você está meio piriguete, não é?”, comenta um amigo (homem) depois de você declarar que está a fim de paquerar. Do alto de um trio elétrico em Salvador, a musa Ivete Sangalo grita: “Hoje eu sou a Piriguete Sangalo!”.

Piriguete, assim mesmo, com i, é o adjetivo da moda para falar de mulheres. O termo surgiu na Bahia e vem de perigosa. “A piriguete é a nova piranha”, explica a psicanalista Diana Corso, da Associação Psicanalítica de Porto Alegre e colunista do jornal Zero Hora. Vale lembrar que já fomos (e ainda somos) chamadas de galinhas, vadias, vacas, tchutchucas, biscates, barangas, piranhas, vagabundas. E também que já usamos esses xingamentos para falar de várias meninas que não vamos com a cara.
DivulgaçãoParece que inventar nomes para classificar mulheres é normal. Quanto aos homens... Bem, vocês já ouviram alguém falar que um barango está piriguete? Claro que não! Quem pega todas, como se sabe, é comedor. E homem feio é charmoso, como comprovamos na reportagem “Você é feia?”, na Tpm # 92.

De acordo com o filósofo Mario Sergio Cortella, professor doutor em educação, titular da PUC-SP, as brasileiras são alvo de apelidos (ainda!) porque os homens continuam sentindo necessidade de colocá-las como cidadãs de segunda categoria (e, atenção, quem está falando isso é um homem!). “Quando você usa um apelido, você inferioriza alguém. No Brasil, as mulheres ainda são inferiorizadas. Por isso são chamadas de nomes de uma série de bichos. Com os homens é diferente. O único nome usado pejorativamente para eles é veado. Porque, quando um homem é chamado de galinha, isso não é depreciativo”, explica o filósofo.

Falar é fácil
Mas se Ivete Sangalo, do alto do seu pedestal, disse que estava piriguete, bem, isso não deve ser tão ruim assim. Ou não. Em enquete realizada pela Tpm, a maioria das leitoras considerou que ser chamada de piriguete seria “a morte”. Primeira conclusão: chamar alguém de piriguete é fácil. Se autodenominar piriguete, idem. Agora, ser chamada de piriguete soa como agressão, das grandes.

No meio da polêmica (e com medo de ser agredido por “feministas loucas”) está o rapper carioca Alexandre Materna, de 20 anos, o MC Papo, autor do rap “Piriguete”. Aquele que diz, “piri, piri, piriguete”. Funkeiro desde os 6 anos, o menino viu a fama bater na sua porta depois de compor essa música. “A piriguete de quem eu falo não é uma mulher que quer ficar com todos os caras, e sim a que quer pegar aquele cara que tem grana. Ela quer é se dar bem.” Ele continua: “A piriguete é uma junção de todas as marias, é uma mistura de maria gasolina com maria chuteira, todas essas”. O MC fez a música depois de ouvir amigos de escola usarem sem parar a expressão depois de passarem umas férias na Bahia. A piriguete, ele deixa bem claro na música, é uma mulher perigosa, com quem os homens devem tomar cuidado. A piriguete do rap é uma bandida (literalmente). “Quando ela me vê ela mexe piri pipiri pipiriguete, rebola devagar depois desce, piri pipiri pipiri piriguete, minissaia rodada, blusinha rosinha, decote enfeitado com monte de purpurina, ela não paga, ganha cortesia, foge se a sua carteira estiver vazia.”

Bem, depois de ouvir a explicação dele, fica claro por que as leitoras da Tpm acham que ser chamada de piriguete é a morte. Quem gosta de ser chamada de interesseira descarada? Para completar, o filósofo Mario Sergio Cortella lembra da primeira vez que ouviu essa expressão: “Foi para falar de prostitutas em Salvador”. Legal, não?

A insatisfação feminina com a palavra faz com que o MC Papo conte que de vez em quando é “atacado por várias feministas loucas”. “Elas mandam e-mail falando que eu sou machista e que a música é um absurdo. Mas estou falando de um tipo de mulher.

Não estou falando que toda mulher é piriguete”, defende-se. Tudo bem. Mas quer dizer que não existe homem que só quer se dar bem e ser sustentado por mulher? “Ah, tem, acho que seria um gigolô”, diz o MC. E nós perguntamos. Você, leitor homem, acharia legal ser chamado de... pirigão?

A psicanalista Diana Corso, que, assim como a gente, não é uma feminista louca, acha que ser chamada de piriguete é mais ofensivo do que ser chamada de puta. “Ser chamada de puta e galinha não é mais tão ruim. Inclusive porque reconhecemos as prostitutas como classe. Ser chamada de piriguete é pior. Essas meninas são consideradas uma ameaça porque rompem com a aliança que se forma com outras mulheres. A amizade feminina é uma coisa muito forte e cheia de regras. Uma amiga, por exemplo, não fica com o namorado da outra. A piriguete fica, e por isso é considerada tão perigosa e traidora”, diz Diana. O filósofo Mario

Sergio Cortella também concorda com as leitoras da Tpm. Para ele, a expressão é sempre ofensiva. “Hoje piriguete significa uma mulher perigosa ou que está a perigo. O significado é sempre ofensivo. A não ser quando a expressão é usada pelo homem que acha que foi ‘alvo’ de uma piriguete. Nesse caso, ele acha bom, pois a autoestima cresce.”

Piriguete pride
A cantora Karina Buhr, editora convidada especial desta edição da Tpm, discorda e acha que ser piriguete é o máximo. “Piriguete é aquela garota que não tem vergonha de descer até o chão, de usar roupa sexy e de se divertir na balada com liberdade, sem ligar para o que os outros estão pensando.” A cantora também não se intimida com o tom sexual dado ao termo. “Se piriguete é uma palavra para designar a mulher que fica com quem ela quer, então, que bom. O mundo é tão machista que se for por isso é legal ser chamada de piriguete”, diz Karina.

Da próxima vez que você chamar uma menina de piriguete, pense que isso para elas é a morte. Agora, se usarem o termo para falar de você, achamos que você deve adotar a teoria de Karina Buhr e achar que isso é o máximo. E rebolar até o chão.

"Piriguete- adj. fem. proveniente do baladês. Serve para designar moça solteira bastante propícia ao intercurso sexual. Geralmente encontrada em boates em estado alcoólico elevado, sorrindo enquanto executa coreografias sensuais na pista. Dependendo do grau de piriguetismo chega a atacar os rapazes que a circundam. Não costumam ser bem-vistas pelas namoradas e ficantes dos homens em geral. Mas são aceitas com entusiasmo por boa parte da população masculina"
Pedro Neschling, ator

“É uma menina que está a perigo, que quer dar. Ué, é isso: a menina que precisa dar pra ontem”
Ronaldo Bressane, jornalista e escritor

 

"Se eu fosse definir uma mulher que é autossuficiente, snehora do seu destino, que escolhe se quer ficar com um ou vários, que fica com um a cad dia e é feliz assim, eu diria que ela é uma guerreira. Mas a sociedade sempre a tacha de um modo pejorativo, como cachorra, galinha, vagabunda, e, agora, piriguete"
Anna Frank, feminista, presidente da ONG Ateliê de Mulher

 

"Piriguete pra mim é uma menina que corresponde a três características: 1. Não sente frio, 2. Se considera moleca, 3. Só se dá bem com meninos"
Didi, do site Te Dou um Dado

“Jesus! Não estou por dentro dessas coisas, me desculpe, não posso te ajudar”
Freira da Congregação Irmãs Passionistas

"É uma mina perigosa, uma predadora"
Motoboy da CM Express

"Piriguete é uma puta infantil, esse é o significado. Mas agora chamam as meninas adultas de piriguete também"
Segurança
da Fundação Cásper Líbero

"Mulher cachorrona"
Pedreiro que trabalha em uma obra em Iraúna, em São Paulo

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PERIGO É SER SEGURA

POR DENISE GALLO*

Se piriguete é a mulher perigosa, a mulher que ameaça e incomoda, então quem é a mulher segura, que agrada e se comporta bem? A segurete. Por que não? Se todo mundo pode criar rótulos para mulheres, eu também posso. Mas, para criar um rótulo, é preciso se inspirar em figuras femininas que habitem nosso mundo, real ou imaginário. Vale estar nas bancas de revistas todos os meses?

Vale. Então pronto! Segurete é a mulher das revistas. A mulher dos manuais. A mulher adequada. A leitora exemplar. Que batalha para ocupar o estreito espaço que lhe foi oferecido pela mídia e, assim, se sentir segura. Segurete.

Por exemplo, a segurete não sai por aí beijando quem quiser na boca, não. Isso é coisa de piriguete. A segurete está mais preocupada com dicas preciosas para conquistar e manter o romance com que sonha desde sempre. “É ele?” é uma pergunta que a segurete se faz com frequência diante de um pretendente, mal disfarçando a ansiedade para que, sim, seja ele, porque ela não aguenta mais esperar. A revista ajuda: “Como saber (finalmente) se você está namorando”. E dá-lhe manual para ensinar a leitora a descobrir se o gato tem intenções mais sérias. Sempre, é claro, partindo do princípio de que ela quer muito e que o namoro só depende da decisão dele. Afinal, a leitora precisa sentir-se aprovada pelos homens para seguir segura. Segurete.

A segurete das revistas precisa também de ajuda para descobrir sua verdadeira identidade, para ser ela mesma. E, novamente, dá-lhe manual. Muitos especialistas a postos para ensiná-la a encontrar o seu “eu de verdade” ou, se o seu “eu de verdade” não estiver mais up-to-date, ensiná-la a reinventar-se. A segurete curte uma reinvenção pessoal. Lembrando sempre que transformar-se nessa mulher poderosa, cuja autoestima bomba, o corpo resplandece e a felicidade contagia, só depende dela mesma. As regras estão ali, para quem quiser aplicá-las e, assim, seguir segura. Segurete.

"...a segurete não sai por aí beijando quem quiser na boca, não. Isso é coisa de piriguete. A segurete está mais preocupada com dicas preciosas para conquistar e manter o romance com que sonha desde sempre"

O corpo da segurete é um capítulo à parte. Ou melhor, permeia todos os capítulos. Sem corpo bom a segurete não vai a lugar nenhum. A revista faz a sua parte: apresenta todas as tecnologias revolucionárias para derreter barriga, alisar cabelo, esticar epiderme, combater flacidez, empinar bumbum. Tudo para que a leitora fique “naturalmente” bela, magra e jovem. Aos 20, 30, 40, 50 e mais. Já o figurino é mais simples. Nada que 384 ideias para o look do inverno não resolvam. Qualquer coisa, se ficar confusa, é só apostar no “nude”, que deve dar certo por mais alguns meses, e seguir autoconfiante e segura. Segurete.

O manual da segurete é extenso e diversificado. Das orientações para atingir o orgasmo aos métodos para educar filhos brilhantes, segurete que é segurete não perde a esperança nem a disposição para aprender tudo e tentar passar na prova. Só não pode ficar segura de verdade porque, aí, não vai mais precisar de manuais e, neste caso, o que será da próxima edição?

* Denise Gallo, 39, é pesquisadora e dedica-se ao estudo do gênero feminino e das representações da mulher na mídia e na publicidade. Seu e-mail: dgallo@uol.com.br

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