Mulher magnética

por Anna Virginia Balloussier

Bizarro: Curso em SP dá dicas práticas para ”conquistar um partidão” - sim, tem gente que acredita nisso (e ainda paga)

É o seguinte: você dá R$ 1.000 e seis horas de seu fim de semana à psicóloga Eliete Amélia de Medeiros, e ela promete trazer o amor perdido. Talvez demore mais do que três dias, ok. Um ano e meio é o prazo máximo, se você topar entrar na agência de relacionamentos que Eliete criou 2 anos atrás, a Eclipse Love (“70% de sucesso” na busca de um par), em São Paulo. Mas, para quem quiser se tornar uma “mulher magnética”, Eliete recomenda que comece por este curso. Dura uma manhã e uma tarde e dá dicas práticas para “largar na frente da concorrência”.

Bom, cá estou, pronta para me sentir como Magneto, o imã ambulante de X-Men, dos relacionamentos.

É sábado da Virada Cultural, no 17º andar de um prédio na avenida Paulista, numa daquelas salas com luz branca, móveis monocromáticos, carpete azul e telão para projetar apresentações de Power Point. Nove alunas esperam promover uma virada à parte em vidas que consideram mais morosas do que amorosas.

Aparentam ter entre 25 e 50 anos e, sem exceção, são bonitas – umas mais, outras menos, mas definitivamente nenhuma protagonizaria uma briga na lama com o padrão de beleza vigente. Como Ana P., 30 anos, corte estilo Chanel e rosto de boneca, a moça do Amapá que mora há quatro anos em Perdizes (onde divide apartamento com uma amiga) e faz doutorado na PUC, em psicologia. O mulherio começa às 10h30 “um treinamento intensivo para mulheres se tornarem magnéticas e conquistarem um partidão”.

Dia D

A aula se divide em módulos. Na primeira parte, aprendemos, por exemplo, a se portar nos primeiros encontros. A evitar as expressões “que começam com a letra D” (dieta, doença, depressão, diretrizes políticas, dureza, doutrinas religiosas). Voz de criança? “Mute” nela. E, quando abrir a boca, nem pense em falar mal de ex. Abusar das roupas em tom pastel, segundo a apostila do curso, “infantiliza e dá ar de fragilidade”. Que não saiam do armário, também, minissaias e decotes. Desmentir o parceiro em público é outra atitude que pega mal. Forçar a barra para transar logo de cara? Idem.

Até a hora da refeição é descrita com um self-service de “nãos”. É proibido: “cutucar” o prato alheio ou fazer cara feia para o gosto do parceiro (ainda que ele peça uma porção de iogurte com ervilhas, imagino); palitar os dentes; dar uma de “magricela chata” que se recusa a comer carboidrato à noite; “xuxar” alimentos (“comer muuuuuito, o tempo todo”)...

No papo

Eliete não come muuuuito na hora do almoço. Somos quatro espremidas em volta de uma mesinha redonda ao lado da escada rolante, na praça de alimentação de um shopping na avenida Paulista: eu, Eliete, sua filha e sócia Daniela Junqueira e Karen Xavier, a “personal stylist” da Eclipse Love. A psicóloga dá uma dentada em seu pastel integral de queijo com ricota da Casa do Pão de Queijo, escolhido pela filha de 24 anos, que acabou o namoro e escureceu as madeixas loiras há uma semana.

Um casal que se conheceu pela agência vai casar neste mês, conta orgulhosa Eliete, formada em psicologia e diretora-executiva da agência de namoro. O próprio matrimônio da aspirante a cupido acabou, mas ela diz que tem “um amor há mais de um ano” e está muito bem assim.

A “loira russa” de 47 anos, que na verdade é filha de português, gosta de brilhar: faz reflexos nos fios e está de macacão preto da Fórum marcado por um cinto dourado, maxi-colar e brincão igualmente reluzentes. Claro como seu cabelo é a certeza de que suas clientes são de lua: passam por quatro fases, assim como a bolota branca no céu, e precisam aprender a entender seu ciclo para se dar bem com os homens. Eliete sustenta que a lua minguante, por exemplo, é de introspecção (“a fase da TPM”). A lua cheia é perfeita para interagir.

Karen Xavier, de 1,81m e 23 anos, é a expert em moda da equipe. Formada em moda e marketing por uma faculdade particular de São Paulo, ela dá consultoria para os clientes da Eclipse Love. Enquanto come um queijo quente, explica que se derreteu pelo namorado quando deu para misturar prazer e negócios – ele veio à procura dos serviços da agência e encontrou Karen. Estão juntos há cinco anos.

Do pó ao pó (compacto)

Terminado o almoço, é Karen quem vai passar as lições desta versão brasileira, Herbert Richers de Sex and the City. Hora de aprender a se maquiar. Na frente de cada uma de nós, está uma necessaire preta com estampa de beijinhos rosas. Dentro da minha bolsa vem: glitter nas cores verde e pérola, base líquida, pó compacto, lápis preto para o olho, blush rosa, brilho labial, estojo com sombras coloridas, máscara para cílios e rímel. Maquiagem, aprendo, é indispensável. Seja dia ou seja noite, faça chuva ou faça sol, na alegria e na tristeza, até que a preguiça me separe do meu kit. A chefe Eliete garante que não se permite tomar nem café da manhã se estiver de rosto pelado.

Para evitar o “efeito Krusty”, o palhaço dos Simpsons, escolho uma sombra de olho meio amarronzada, de tons terrosos (aprendo que são incríveis para loiras de pele clara). Não sou capaz de escrever certo por linhas tortas, e minha aplicação de lápis está mais para uma intervenção do pintor abstrato Jackson Pollock. Mas o conjunto da obra acaba convencendo professora e colegas. “Uaaaaau!”, dizem todas ao mesmo tempo. “Outra mulher! Ascendeu!”, completa Karen.

Lei da atração

Em seguida, recebemos dicas de atração e conquista. Ai, que saudades da Amélia a psicóloga Eliete Amélia parece às vezes sentir. “A mulher nasceu para embelezar o mundo”, diz. Aconselha-nos a se embonecar para os parceiros, sem sermos peruas (“homem odeia isso”). “Se ela está cuidando dela, é uma cuidadora, vai cuidar de mim também”, concluiriam os homens, de acordo com Eliete.

 

O curso aconselha-nos a se embonecar para os parceiros, sem sermos peruas (“homem odeia isso”). “Se ela está cuidando dela, é uma cuidadora, vai cuidar de mim também”, concluiriam os homens, de acordo com Eliete.

 

Algumas histórias fazem o rosto das minhas colegas se contorcer em pânico. Como o encontro arranjado por Eliete, no cinema de um shopping, entre dois clientes – que deu errado porque ela se atrasou 15 minutos. Ele estava com uma Mercedes esperando na porta do prédio da candidata a namorada. A demora – e a falta de satisfação por parte dela – o irritou. A moça fechou a cara também. Não deu namoro nem amizade, Silvio Santos. “Os dois voltaram direto para casa”, lamenta Eliete.

Somos “como formas e massinhas” que precisam se adaptar uns aos outros, continua. Isso inclui entender algumas limitações do homem. Inclusive quando as pipas de vovôs não sobem mais. Segundo Eliete, para reaver a masculinidade que vai se perdendo conforme eles ficam mais velhos e menos viris, é normal que homens procurem “mocinhas novas”. Ela conta que há truques para “dar a chance de o homem se sentir protetor”, numa época em que muitos deles se sentem “bananas e inferiorizados”. Arrisca: “Dá o pote de azeitona para ele abrir!”.

 

Ela conta que há truques para “dar a chance de o homem se sentir protetor”, numa época em que muitos deles se sentem “bananas e inferiorizados”. Arrisca: “Dá o pote de azeitona para ele abrir!”

Com que roupa?

Karen, nossa consultora de moda de 23 anos, volta à cena. De calça jeans justinha, blusa preta e jaqueta de couro marrom, usa um colar com pingente de escorpião para finalizar o “visu”. Suas dicas para o guarda-roupa são como ferroadas de senso comum, como quando diz que “quem mostra demais, os caras querem de menos” (uma campanha anti-piriguetes). Uma vez, conta, uma cliente veio reclamar que o cara passou a mão na bunda dela. Karen balança a cabeça: ela foi de minissaia para o primeiro encontro “e teve audácia de reclamar”.

A “personal stylist” tem mais instruções démodé, como adotar a famigerada “calcinha da vovó”, aquela que sobe à cintura e cobre até bumbum de elefante, para disfarçar a pança. “É tudo de bom. Você vai se sentir segura mesmo comendo feijoada.” Ensina: se for rolar alguma coisa com o parceiro, basta pedir licença, ir ao banheiro e trocar a calçola rapidinho por um modelo mais apelativo.

Ela passa mais dicas diligentemente anotadas pela mulherada do curso. Você deve andar na ponta do pé quando estiver de biquíni – o impacto da sola contra o chão faria seu corpo sacudir, e um “Harlem Shake” de celulites tremeria junto. Fique com um pé atrás se o sujeito quiser dividir a conta do motel (“além de dar, você vai pagar para dar?”). Até o tom da gargalhada deve vir na dose certa. Karen não se esquece da cliente que ria descontroladamente alto. “Achei que tivesse um problema mental.”

 

Segundo o curso, você deve ficar com um pé atrás se o sujeito quiser dividir a conta do motel (“além de dar, você vai pagar para dar?”)

 

São quase 16h30, e o curso está chegando ao fim. Naquela noite, as alunas praticariam os ensinamentos num happy hour com clientes masculinos da Eclipse Love, num clube na avenida Juscelino Kubitschek, zona oeste de São Paulo.

Eliete pede que a filha Daniela apague as luzes brancas da sala. Pede que fechemos os olhos. Que nos imaginemos dentro de uma tela de cinema diante de um montinho de barro. “Vai moldando esse barro do jeito que você imagina seu amor. Vai projetando nele o homem que você quer. Pega na mão dele e passeiem por um campo florido. Você está gargalhando muito de feliz. Fazendo projetos futuros...”, diz com voz de locutora de comercial de amaciante.

Em seguida, ordena que visualizemos uma pessoa que você deve “amar e respeitar acima de tudo”. Instrui para que abramos os olhos quando ela tocar em nossos ombros, uma de cada vez. Quando chega a minha vez, me vejo diante de um espelho segurado por uma sorridente Eliete. Classe dispensada.

* * *

Update: claro que um curso como este é o oposto de tudo o que a Tpm acredita. Se alguém ficou em dúvida por conta da ironia, vamos deixar mais claro: não, não achamos que ninguém precisa de um curso desses. (Mas que a experiência foi curiosa, isso foi)

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