Política com o útero

por Natacha Cortêz
Tpm #145

Débora era uma dona de casa pacata na periferia de Santos. O assassinato de seu filho, inocente, a transformou

Débora era uma dona de casa pacata na periferia de Santos. O assassinato de seu filho, inocente, a transformou. Por amor e indignação, se juntou a outras e fundou o movimento Mães de Maio. Juntas, aprenderam a fazer justiça com a própria dor

Maio de 2006. Débora Maria era uma dona de casa, moradora da periferia de Santos. Rogério, seu filho, tinha 29 anos. Em 16 de maio ele acordou e disse que ia trabalhar. A mãe insistiu que não – as autoridades haviam alertado a população para que não saísse de casa, dado o clima de violência instaurado. “Ele insistiu, ou perdia o emprego”, lembra ela. Rogério era gari na prefeitura de Santos. Na volta do trabalho, a caminho de casa, foi assassinado.

Naquele maio, o Primeiro Comando da Capital incendiou ônibus e travou uma batalha com a polícia em São Paulo. Débora não teve dúvidas, sabia que os assassinos do filho eram policiais que em retaliação ao PCC saíram atirando “em qualquer pobre, preto, que vissem pelas ruas”. Veio a indignação. “Você não cria um filho para ser morto pelo Estado. Não canto o hino nacional. Berço esplêndido? Nenhum brasileiro de periferia está deitado em berço esplêndido”, braveja.

"Você não cria um filho para ser morto pelo Estado"

Débora ficou 40 dias em uma cama de hospital, pedindo para morrer. “Até que vi meu filho, dizem que foi por causa dos remédios, mas vi, juro. Ele disse: ‘Levanta e luta, mãe’.” E ela levantou. Quase um mês depois, encontrou seus pares. Ednalva e Vera tinham histórias parecidas, também perderam seus filhos em crimes obscuros. Unidas, formaram as Mães de Maio. Um movimento fundado pela dor, por amor e justiça. As integrantes são mães, em sua grande maioria, e familiares das vítimas dos chamados Crimes de Maio, nos quais cerca de 500 jovens morreram em apenas uma semana em todo o estado de São Paulo.

Julho de 2014

Hoje, aos 55 anos, Débora é coordenadora das Mães de Maio e uma mulher com contatos na Anistia Internacional. Há nove anos na luta, fala sobre Ministério Público, Corregedoria e desmilitarização da polícia como se fosse especialista – e é! Em dezembro de 2013, no Fórum Mundial de Direitos Humanos, recebeu um prêmio das mãos do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Na ocasião, esteve com Dilma Rousseff, que lhe disse: “Ei, mulher. Finalmente te conheci”. Débora não amoleceu, questionou a presidente sobre por que não a agendou antes.

Entre as vitórias das Mães de Maio, está uma indenização por danos morais. Seria louvável se o valor determinado em 2011 não fosse uma pensão vitalícia de um terço de salário mínimo – hoje o equivalente a R$ 241. “É ridículo. Eu quero moralidade, quero que o Estado peça perdão.”

No entanto, ainda há conquistas que parecem troféus. Uma decisão histórica aconteceu no último 10 de julho. O cabo da polícia militar Alexandre André Pereira da Silva foi condenado pelo assassinato de Murilo de Moraes Ferreira, Felipe Vasti Santos de Oliveira e Marcelo Heyd Meres. Pela primeira vez um PM foi levado a julgamento, acusado de participar de extermínio de civis durante os Crimes de Maio. Pelos homicídios, praticados sem que as vítimas tivessem chance de defesa, foi sentenciado a 36 anos de prisão em regime fechado, além da perda do cargo público.

Incansável, Débora se emociona com a condenação. “Foi só o começo. Vamos reabrir casos arquivados. A justiça pode ser feita. E será”, promete a si mesma.

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