Marta, a rainha do futebol

por Karla Monteiro
Tpm #144

Ela sonha com o dia em que as meninas serão tão reconhecidas quanto Neymar

"Pelé de saias.” “Rainha do futebol.” “Melhor que Messi.” Cinco vezes eleita melhor jogadora de futebol do mundo (feito jamais alcançado por um colega homem), a alagoana Marta Vieira da Silva chega aos 28 anos na ativa, jogando na Suécia e sonhando com o dia em que as meninas sejam tão reconhecidas (e ricas) como Neymar, Cristiano Ronaldo e outros astros do esporte.

Os jogadores de futebol no Brasil parecem percorrer sempre o mesmo caminho. De uma infância humilde, difícil, para o sonho. Marta a nasceu em Dois Riachos, no interior de Alagoas, em 1986. Passou por todas as privações das crianças pobres do sertão alagoano. Como era boa de bola, encontrou nas peladas de rua e nos campeonatos da escola a esperança. Foi a única mulher em diversos times masculinos. “Comecei a me sobressair e, a cada dia, me interessava mais por futebol. Com o tempo, percebi que aquilo podia ser uma saída para uma vida melhor”, ela diz, de olho no celular, acompanhando discretamente os comentários antes do jogo Portugal x Gana, na quinta-feira, dia 26 de junho. “Adoro ver o Cristiano Ronaldo jogando. Não é à toa que ele é o melhor do mundo”, comenta Marta, a melhor do mundo.

Ela começou a carreira em 2000, no carioca Vasco da Gama. Dois anos depois foi para o Santa Cruz, em Minas Gerais. De lá, para o Umeå IK, da Suécia, onde se tornou conhecida na Europa. Em 2009, jogou nos Estados Unidos, no Los Angeles Sol, faturando o título de artilheira da liga nacional. No mesmo ano, o Santos anunciou a sua contratação temporária. Logo Marta retornou aos Estados Unidos, para o FC Gold Pride. Em 2012, já estava de novo na Suécia, onde hoje joga pelo Tyresö FF. Desde que saiu de Dois Riachos para tentar a sorte nos gramados profissionais, lá se vão 14 anos e uma coleção de histórias e de títulos. Marta foi eleita cinco vezes a melhor jogadora do mundo pela Fifa, em 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010. Feito único na história do futebol.

A diferença entre ela e Cristiano Ronaldo mora nas cifras. Segundo Marta, o futebol feminino engatinha. E, no Brasil, quase passa despercebido. Não há investimento, divulgação ou apoio para colocar homens e mulheres no mesmo patamar. Pelo jeito, lugar de mulher ainda não é no campo. “Quando fui jogar na Suécia, ganhava em torno de R$ 3 mil”, conta ela. E continua: “As pessoas pensam que o contrato das jogadoras que se destacam chega perto do contrato do Neymar. Mas isso é totalmente fora da realidade do futebol feminino”.

Dona de uma personalidade extrovertida, sotaque muito carregado e jeito de moleca, Marta chegou ao estúdio, no Rio de Janeiro, para as fotos com 3 horas de atraso. Não deu muita explicação. Mas ganhou todo mundo com simpatia e descontração. Recusou-se a vestir saias ou vestidos, que só usa em ocasiões “formais” – entre elas os compromissos como embaixadora da ONU para causas humanitárias (um time que tem, além dela, a superstar Angelina Jolie, a rainha Rania, da Jordânia, a tenista Maria Sharapova e a modelo Gisele Bündchen). “Se eu colocar uma saia, não sou eu, entende?”, justificou-se. Salto alto também não lhe agradava muito. Até tentou se equilibrar sobre um escarpim, mas não sem reclamar. No fim, acabou trocando por um confortável par de tênis. Não que não seja vaidosa. Vai com frequência ao salão retocar as mexas do cabelo. Gosta de roupas bacanas. Só que sua prioridade é conforto.

Aos 28 anos, Marta já pensa na aposentadoria: não se vê jogando aos 35. Quando isso acontecer, o sonho é voltar a viver em Dois Riachos, perto da família e onde é tratada feito rainha. Ela não abre espaço para perguntas sobre a sua vida pessoal. É a Fabiano Farah, seu empresário há nove anos, que perguntamos se ela é lésbica, uma dúvida recorrente entre os fãs. Ele garante que não – e que, “se fosse, ela não teria o menor problema em assumir”. Solteira, Marta diz que quer ter filhos, mas já se sente realizada com os sobrinhos. Faz questão de frisar outra diferença entre homens e mulheres no futebol: no masculino, os jogadores se casam e levam a família toda pra onde forem. Isso é bem mais difícil para as jogadoras. Se querem casar, elas têm de sair de campo – por isso ela não pensa no assunto agora. O próximo desafio é conquistar a medalha de ouro para o Brasil na Olimpíada de 2016. Quer coroar a carreira no Rio de Janeiro, bater no peito em pleno Maracanã e gritar: “aqui é Brasil!”

"Havia muito preconceito. Naquela época meninas jogavam qualquer coisa, menos futebol"

Tpm. Você nasceu em Dois Riachos, no interior de Alagoas, numa família pobre, uma história bem brasileira. Como foi a sua infância? Marta Vieira da Silva. Dois Riachos é uma pequena cidade, que fica a 186 quilômetros de Maceió. Tem em torno de 12 mil habitantes. Minha família é muito humilde mesmo. Somos em quatro irmãos, dois meninos e duas meninas, eu sou a mais nova. Como meu pai se separou da minha mãe quando eu tinha 1 ano, meu irmão mais velho teve que trabalhar desde cedo. Aos 14, já ajudava no sustento da família. Minha mãe trabalhava como zeladora da prefeitura. Quem nos ajudava era minha avó, mãe do meu pai, que morava perto. Porque o que a minha mãe ganhava não dava nem para comprar os alimentos.

Você chegou a passar necessidade, fome? Só entrei na escola com 9 anos. Apesar de a escola ser pública, minha mãe não tinha dinheiro para o material. Faltava tudo lá em casa. Comer um doce, tomar um refrigerante, essas coisas só eram possíveis quando estávamos na casa de algum parente que tinha uma situação melhor. Mas não passamos fome.

E a bola? Quando entra a bola? Como a minha mãe trabalhava demais, eu ficava bastante na casa da minha avó. E foi ali que surgiu a vontade de jogar bola. Sempre via os meus primos jogando, eram muitos. E, como eu nunca fui muito de brincar de boneca, acabei indo na deles. Desde os 6, 7 anos eu já jogava com eles.

Você era boa de bola ou só intrometida? Comecei a me sobressair no meio deles e, a cada dia, me interessava mais. Com o tempo, percebi que aquilo podia ser uma saída para uma vida melhor, para outra condição financeira. Minha família tem tradição no futebol lá na cidade, a gente tinha até um time. E eu sempre acompanhava meus primos mais velhos. Aquilo foi traçando um sonho na minha cabeça. Desde muito pequena, queria ser uma atleta profissional.

Havia preconceito, uma menina jogando futebol? Claro, me chamavam de mulhermacho. Muito preconceito. Cidade do interior, todo mundo te conhece. E naquela época meninas nunca jogavam bola. Jogavam handebol, vôlei, qualquer outra coisa. Eu era a única na cidade que gostava de jogar futebol. Aquilo era absurdo para os moradores. Muita gente falava mal de mim, perguntavam: “Como a mãe dela deixa? Como os irmãos deixam?”.

E seus irmãos, não implicavam? Implicavam, sim. Ficavam muito incomodados com os comentários. Sentiam-se na obrigação de me defender. Não gostavam de me ver na rua com os meninos. Se me encontravam em algum campinho, eu tinha que correr para casa e me esconder atrás da minha mãe para não apanhar. Foi assim durante minha infância inteira.

Mas você dava um jeito de jogar uma pelada? Eles não tinham como me controlar. Eu vivia na casa da minha avó com os meus primos. Saía escondida para jogar. Teve uma época em que eu acordava às 5h30 para treinar com os meninos. Como a região é muito quente e o campo não era coberto, não dava para jogar depois das 9 horas, porque ficava muito calor. Então a gente ia bem cedo, que era para jogar pelo menos umas 2 horinhas.

"Minha mãe só acreditou que eu partiria de Dois Riachos quando subi no ônibus"

Então desde cedo você já levava a coisa a sério? Muito. A gente tinha um time no colégio e eu era a única menina. E dois, três dias na semana a gente treinava de madrugada. Havia um acordo, quem acordasse primeiro saía batendo na porta dos outros. Ao mesmo tempo em que a minha infância foi dura, foi também muito livre para brincar, para me aventurar. Posso dizer com certeza que tive uma infância feliz, apesar das dificuldades.

O futebol feminino não tem o destaque do futebol masculino. E, naquela época, era ainda menos conhecido. Qual era a sua referência? Não existia referência. A mídia não dava tanto destaque para o futebol feminino. Fui ver pela primeira vez uma mulher jogando futebol na televisão quando eu tinha 10 anos. Até brinquei com a minha mãe: “Um dia vou estar lá jogando”.

Quando você começa a pensar em futebol como carreira? Aos 14 anos, quando vim para o Rio. Eu tinha muitos primos que jogavam bola – e até hoje jogam. Com isso, vivia viajando com eles pela região, assistindo a campeonatos. Até houve alguns projetos de futebol feminino, mas nenhum durou mais que um ano. Então eu jogava com os meninos mesmo. Jogava nos campeonatos entre escolas.

Mas você era a única menina em um time masculino? Como era a sua vida? Frequentar vestiário, por exemplo? Era bem complicado. Eu precisava arrumar um banheiro ou um quartinho para me trocar. E só ia para o vestiário quando o treinador chamava. Mas eu gostava tanto daquilo que tinha determinação, conseguia lidar com a situação. Isso nunca foi algo que pudesse me parar.

Os meninos aceitavam você bem? O treinador ficava do meu lado, brigava com todo mundo para que eu pudesse jogar. Muitas vezes comprou o material para mim. O professor Júlio, o apelido é Tota, foi muito importante na minha vida.

E como surgiu a ideia de sair de Dois Riachos, de jogar em time profissional? Depois de alguns anos jogando em campeonatos locais, apareceu um treinador que ameaçou tirar o time dele do campo se eu continuasse fazendo parte. Daí fui obrigada a parar. Estava com 13 anos. Mas o coordenador, o Marco Pires, o Marcão, resolveu me trazer para o Rio de Janeiro para fazer testes em times femininos. Minha mãe não queria e só acreditou que eu partiria quando eu subi no ônibus.

Quanto tempo no ônibus, até o Rio de Janeiro? Três dias de viagem.

Foi a primeira vez que você saiu de Dois Riachos? Nunca tinha ido longe da minha cidade. Ficava olhando pela janela do ônibus as cidadezinhas que passavam. Quando cheguei ao Rio fiquei deslumbrada, aquela cidade enorme. Fiquei mais ou menos uma semana à espera do teste, morando na casa do Marco.

Estava muito ansiosa? Ele comprou uma chuteira para mim e não me contou quando seria o teste. Um dia acordou e falou: “É hoje”. Pegamos o ônibus e fomos para a sede do Vasco. Na época, o treino era na Ilha do Governador. No primeiro dia, eu já fui aprovada e assinei contrato. Não era bem um contrato, porque time feminino sempre foi tratado como esporte amador.

Que ano foi isso? Eu vim em 2000.

Como funcionava o futebol feminino naquela época? Já existiam campeonatos? Já existia o campeonato carioca. O Vasco possuía duas equipes, a adulta feminina, onde jogavam Cici, Pretinha, Rosely, as titulares da seleção. E tinha a categoria sub-17, onde comecei a treinar. Mas, nesse mesmo ano, a Confederação Brasileira montou uma seleção sub-19 para disputar o primeiro campeonato sub-19 no Canadá.

Quantos anos você tinha? Eu estava com 14 anos. Mesmo assim disputei o Brasileiro pelo Vasco. Ganhamos o campeonato e fui eleita a melhor jogadora.

Você era tão jovem, onde morava, como era a sua vida numa cidade estranha? Fiquei morando uns meses na casa do Marco. Depois morei na casa da irmã dele. E, então, fui morar no Vasco, em São Januário. Existiam vilas para os atletas e tinha uma casa só para o futebol feminino.

Você sentia muita saudade de casa? Sentia. Chorava, até. Mas tinha que segurar a minha onda. Eu pensava: “Cheguei até aqui, não posso voltar para Alagoas”. Tentei me manter o mais forte possível para encarar a saudade, a vontade de estar junto da família, dos amigos. Foi complicado. Nada é fácil. E, na minha idade, ter de deixar tudo... Fui ficando e as coisas foram melhorando. Aí a gente foi para o Mundial no Canadá.

Você chegou ao Vasco e logo já estava jogando um campeonato mundial? Isso. Quando joguei o Campeonato Brasileiro, o Vasco foi campeão e fui eleita jogadora revelação. Então acabei convocada para a seleção sub-19. E já comecei a treinar para o Mundial, que seria em 2002. Nesse meio-tempo fui convocada para a seleção adulta também. Aí eu ficava entre a sub-19 e a seleção adulta.

Você começou a ganhar dinheiro? Qual era o seu salário? Ganhava cerca de R$ 400 no Vasco como ajuda de custo. Mandava parte para a minha mãe e guardava um pouquinho. Não tinha gastos. O clube me dava tudo. Até que o Vasco acabou com o time feminino.

Como assim? Vocês não estavam treinando para jogar um mundial? É. Mas o time acabou no meio do processo. Fiquei desesperada: “Nossa, o que eu vou fazer?”. Se eu voltasse para Alagoas, seria cortada da seleção. Aí a coordenadora do Vasco, a Helena Pacheco, conversou comigo. Ela me manteve no Rio, continuei morando na concentração. Ela foi uma pessoa superimportante.

E o Mundial? Você foi? Nós fomos e ficamos em quarto lugar. Na volta fui jogar em Belo Horizonte. Fiquei lá um ano. Em 2003, joguei o Mundial com a seleção adulta, nos EUA. Saímos nas oitavas, contra a Suécia. Perdemos de 2 a 1. Nesse jogo, os diretores do clube Umeå IK me viram jogando.

Esse é o time sueco que levou você? Sim. Os diretores me viram no campo, mas não falaram nada comigo. Em janeiro de 2004, o time do Umeå IK entrou em contato e fez uma proposta para eu jogar na Suécia. A princípio eu nem liguei. Dizia para os meus amigos: “Nem sei onde fica a Suécia. Estão de brincadeira”. Mas não estavam. Continuaram insistindo durante uma semana, ligando para a diretora do time em que eu jogava em Belo Horizonte, o Santa Cruz.

"Meu contrato é igual ao dos jogadores, mas os números são muito diferentes"

Quando se fala em jogar futebol fora do Brasil, logo se pensa em cifras milionárias. Quanto o time sueco pagou pelo seu passe? E qual era o seu salário? O contrato é igual ao contrato dos jogadores, mas os números são muito diferentes. Quando fui jogar na Suécia ganhava em torno de R$ 3 mil. Tendo que ajudar a minha família, não sobrava muito. As pessoas acham que o contrato das jogadoras que se destacam chega perto do contrato de um Neymar, mas isso é fora da realidade do futebol feminino.

Até hoje é assim, mesmo depois de você ter conquistado tantos títulos? Até hoje é muito distante. Mesmo depois de ter conquistado tantos títulos, principalmente títulos individuais, e depois de ter sido três vezes medalha de prata nos Jogos Olímpicos com a seleção e vice no Mundial. Engraçado. Como apareço na televisão e faço comerciais, pensam que ganho milhões. Longe disso.

Quando você chegou à Suécia, como foi? De Dois Riachos para Estocolmo é um salto e tanto. É muito distante mesmo. Incomparável. A minha ida para a Suécia foi a esperança de poder dar continuidade ao que eu queria: jogar numa liga estruturada, ter oportunidade de me mostrar ao mundo. A Suécia estava me dando essa oportunidade. Encarei dessa forma. Porém, quando cheguei lá, vindo de uma região tão quente quanto o Nordeste, foi um choque. Quando o avião aterrissou e eu olhei para o lado: só neve. Falei para mim mesma: “Caraca, onde é que eu estou?”.

Você chegou no inverno? No pico do inverno, só com um casaquinho. Quando desci do avião, veio uma moça do time e me enrolou com uma jaqueta. O meu primeiro treino foi em um ginásio fechado, e apareceu uma brasileira, com uma bandeja de brigadeiro.

Como assim? Ela morava ali perto e falou: “Isto aqui é para você. Se precisar de qualquer coisa, pode me ligar”. Passaram-se os dias e eu pensei: “Será que eu ligo?”. Não queria abusar. Mas acabei ligando: “Oi, aqui é a Marta!”. Ela respondeu toda amável: “Vamos marcar alguma coisa, eu também sou de Alagoas”. Fiquei tão feliz. No segundo ano, fui morar perto da casa dela, ela me auxiliava muito, fazia comida brasileira. Foi uma das pessoas que me ajudou a me adaptar lá.

E a língua? Como você se virava? A família com quem fui morar no começo também me ajudou muito. Eu não sabia falar nada, obviamente. Mas o dono da casa era de Cabo Verde. Ele e a mulher dele, que era sueca, foram meus pais. Estavam sempre comigo, me ajudando a entender as coisas.

Você se sentiu em casa, então. Sim. Eu tive a sorte e o privilégio de encontrar pessoas maravilhosas que me auxiliavam em tudo que precisava. Não foi tão dura a minha chegada à Suécia. Depois fui aprendendo a língua, aprendi a me virar sozinha, aí ficou fácil.

Que tipo de futebol você encontrou lá? O futebol na Suécia é muito físico. Quando eu cheguei, então, era muito contato, muita correria. As atletas tentavam fazer tudo que o treinador pedia, tudo certinho. Tentei emplacar o nosso jeito brasileiro de jogar. É lógico que a gente segue o plano passado pelo treinador, temos um sistema tático e ofensivo. Mas o brasileiro tem essa facilidade de improvisar. Acho que consegui emplacar algumas coisas. Hoje acho que há uma coisa mais descontraída, um negócio mais natural, não tão forçado. As meninas hoje jogam de uma forma mais elegante, um futebol mais vistoso.

O jeitinho brasileiro em campos suecos. É o que dizem lá. E é o que eu percebo. Hoje o futebol feminino na Suécia, certamente não só por mim, vem crescendo muito, em todos os sentidos.

Você acha que houve uma evolução no futebol feminino em geral? Estamos caminhando para uma equiparação com o futebol masculino? Não está regredindo, mas o futebol feminino caminha a passos bem curtinhos e lentos. Muitas meninas agora praticam o futebol no Brasil, melhorou a aceitação, o preconceito diminuiu.

Qual é o grande time feminino no mundo hoje? Os Estados Unidos, uma equipe que sempre nos dá muito trabalho. A Alemanha também é muito forte. O Japão, que, em 2011, foi campeão mundial, e, em 2012, medalha de prata. Temos a França que está crescendo muito e é uma equipe que vem brigando há bastante tempo entre as melhores. Temos a Suécia, que tem uma equipe muito boa.

"No futebol masculino, o cara se casa e a esposa acompanha. No feminino, isso é muito difícil de acontecer"

Qual é a sua rotina de treino? Não é diferente da rotina de treino de qualquer outra atleta. Tem umas meninas que gostam de treinar mais, acabam o treino e ficam batendo falta, fazendo finalizações. Às vezes eu até faço, mas não tenho esse hobby, esse hábito de ficar treinando mais que as outras. Eu treino exatamente como todo mundo. Normalmente, na pré-temporada, temos dois treinos, um de manhã e um à tarde. Quando começam os jogos, temos um treino só. E assim vai.

Mas é muito puxado? Só na pré-temporada, porque você está voltando de férias, ganhou uns quilinhos.

E a alimentação? Quando você está livre e não tem atividade com o clube, nem com a seleção, você pode comer de tudo. Vai muito da atleta. Eu, particularmente, não sou de comer de tudo. Não porque eu não posso, mas é que não gosto de muita coisa. Não como muito doce, não como muita massa. Sou do básico mesmo: arroz, feijão, uma saladinha e frango grelhado.

E você bebe? Nas minhas férias tomo uma cervejinha. Não gosto de bebida muito forte.

Você já conquistou tudo que queria com o futebol? Conseguiu dar uma vida melhor para sua mãe? Ainda almejo outras coisas. Principalmente dentro de campo, com a seleção feminina. Tenho o sonho de conquistar um campeonato de alto nível, como o Mundial, que teremos no Canadá, em 2015. E também a Olimpíada, em 2016. Por outro lado, como te falei, a gente não ganha milhões, como o masculino. As pessoas na minha cidade acham que eu ganho igual ao Neymar! Mas eu me realizei, sim, dando uma vida melhor para minha mãe. Não falta nada para ela.

Mas você foi considerada pela Fifa cinco vezes a melhor jogadora do mundo. Mas você vai lá e ganha o troféu. Só. Não ganha um cheque. E é troféu pesado, complicado até de trazer para casa, mas eu trago com muito orgulho. Só de estar lá, ganhar aquele prêmio cinco vezes é algo que não tem preço. Realmente, a gente não ganha dinheiro com isso, mas sei que é uma situação que muitos gostariam de estar vivendo: ser considerada a melhor jogadora do planeta.

Mas e os comerciais? Você faz muita propaganda, não? Uma coisa leva à outra. Você, de certa forma, passa a receber mais convites. Mas não é assim, também...

E como o Brasil recebe esse seus prêmios? Isso me deixa um pouquinho triste. Se eu fosse atleta de um país como os Estados Unidos, que é muito forte no futebol feminino, ou da própria Suécia, da Alemanha, e ganhasse por cinco vezes o título de melhor jogadora, a atenção seria muito maior. Provavelmente, financeiramente também seria bem diferente. Isso é o reflexo da situação do futebol feminino no Brasil, que ainda não reconhece as atletas. Quase não existe divulgação dos campeonatos femininos aqui no Brasil. Poucas pessoas sabem que tem uma Liga Nacional, que tem uma Copa do Brasil feminina, que tem uma Copa Libertadores. Sem contar os torneios regionais e jogos abertos que acontecem no interior de São Paulo.

Você não se sente reconhecida? Não só eu. Todas as jogadoras. O futebol feminino como um todo. É como eu disse, vai aos pouquinhos, a passos muito lentos. Temos atletas que necessitam de apoio, necessitam e merecem um destaque maior, estrutura para treinar, para levar o nome do nosso Brasil para competições como a Olimpíada. Mas faltam estrutura e reconhecimento mesmo. Apoio mesmo, sabe? Suporte. Eu não digo nem o povo, porque para o povo reconhecer, antes, tem que ter tudo isso. A gente viveu aqui alguns momentos, principalmente em 2007, com a seleção... Jogamos uma final de Pan-americano no Maracanã, com 70 mil pessoas. É mais na situação de ter um suporte pra modalidade, pro esporte em geral no Brasil.

Você está com 28 anos. Quantos anos mais você joga? Comecei muito nova. Fiquei muito tempo distante da minha família, dos meus amigos. Tanto que quando chego em Dois Riachos não quero sair mais. Então, eu não me vejo jogando daqui a cinco, seis anos. Digo que vou jogando até sentir o prazer de jogar e o corpo ainda responder.

Você tem vontade de ser mãe? Tenho. Mudou um pouco essa minha vontade, antes era muito mais forte. Hoje eu tenho, mas não é tão forte. Acho que é porque tenho meus sobrinhos, que para mim é como se fossem meus filhos.

Deve ser difícil manter um relacionamento. É. No futebol masculino, o cara se casa e a esposa acompanha. No feminino, isso é muito difícil de acontecer. Só se você jogar no seu país – e, por enquanto, isso não é possível. Hoje, me considero casada com o esporte.

Quem foi o grande ídolo desta Copa? Olha, como brasileira, claro, sempre torci pelo Brasil. Não posso dizer que tenho um ídolo na Copa, tenho jogadores que admiro muito, que gosto de ver jogar. O Cristiano Ronaldo, o Neymar e o Messi. Quem não gosta de ver o Messi? Ele é genial, né? Mas eu espero que no final do ano o Neymar seja o melhor do mundo.

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