Veste e memória

Tpm / Moda

por Natacha Cortêz

Criativos abrem o armário e o coração pra contar de peças que carregam lembranças

Toda peça de roupa tem uma história, algumas mais do que as outras. O que vestimos está impregnado de memória. Como acontece com aquelas peças repassadas de mãe pra filha, de pai pra filho, de amiga pra amigo, de avó para neta; sabe? Tornam-se especiais pela forma e caimento que o tempo deu a elas, por serem perfumadas por cheiros distintos e manchadas por acidentes do tempo. Então vão se alimentando de momentos, de abraços, de fios de cabelo e de lençóis, como um papel de carbono, pronto pra receber impressões. Por isso algumas peças tornam-se de estimação. 

"Ao pensar nas roupas como modas passageiras, nós expressamos apenas uma meia-verdade. Os corpos vêm e vão: as roupas que receberam esses corpos sobrevivem."

O livro O Casaco de Marx: roupas, memórias, dor [Editora Autêntica, 2008], de Peter Stallybrass, nos fez pensar sobre as relações construídas pelas roupas e com as roupas. No primeiro capítulo, o autor conta de quando começou a pensar nas simbologias que a indumentária pode abrigar, ao usar uma jaqueta de um grande amigo que havia morrido:

"Se eu vestia a jaqueta, Allon me vestia. Ele estava lá nos puimentos do cotovelo, puimentos que no jargão técnico da costura são chamados de 'memória'. Ele estava lá nas manchas que estavam na parte inferior da jaqueta; ele estava lá no cheiro das axilas. Acima de tudo, ele estava lá no cheiro", " Comecei a acreditar que a mágica da roupa está no fato de que ela nos recebe: recebe nosso cheiro, nosso suor; recebe até mesmo nossa forma. E quando nossos pais, os nossos amigos e os nossos amantes morrem, as roupas ainda ficam lá, penduradas em seus armários, sustentando seus gestos ao mesmo tempo confortadores e aterradores, tocando os vivos com os mortos... Eu vesti a jaqueta de Allon. Não importa quão gasta estivesse, ela sobreviveu àqueles que a vestiram e, espero, sobreviverá a mim. Ao pensar nas roupas como modas passageiras, nós expressamos apenas uma meia-verdade. Os corpos vêm e vão: as roupas que receberam esses corpos sobrevivem.”  

Inspirados nesse texto, pedimos a um grupo de pessoas ligadas à arte e a moda que contassem suas histórias e nos mostrassem suas peças do coração. Eles abriram o armário (e a memória) pra contar das marcas dadas pelo tempo a cada uma delas. 

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