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Tpm / Moda

por Camila Eiroa

A cantora carioca que já participou do The Voice Brasil acredita que moda é liberdade

Karla da Silva tem 30 anos e nasceu no bairro da Madureira, no Rio de Janeiro. Quando menina, vivia nas rodas de violão e de choro que aconteciam no quintal de casa. Se formou em Letras, mas sua carreira se fez com a música e começou em 2007, cantando samba de raiz em meio à boemia dos Arcos da Lapa. Com a experiência das diversas casas de shows onde se apresentou pela noite, veio a vontade de gravar seu primeiro trabalho autoral - e assim o fez. O primeiro EP, Festejo e Fé, fez com que a cantora conquistasse mais público e decidisse partir para outro tipo de repertório. Com influência do soul, do jazz e de cantoras brasileiras como Céu e Vanessa da Mata, Karla decidiu que começaria a buscar uma sonoridade mais urbana, mais suingada e mais pessoal. 

No meio do caminho, surgiram burburinhos sobre o programa The Voice Brasil, um reality musical da Globo. Não deu outra: resolveu mandar um vídeo de inscrição e foi aprovada na primeira fase. Com a audiência do programa, conseguiu o apoio necessário para o crowdfunding criado para terminar a pós produção do disco - que foi concluído e lançado em casas de shows cariocas. Resolveu se inscrever no edital do programa Natura Musical e também foi aceita. Hoje, mora em São Paulo e faz turnê de seu trabalho por todo Brasil graças ao projeto.

Para a Tpm, Karla mostra seus looks e conta sua relação com a moda. Além de falar sobre tema da edição de abril da revista: "Ser negra no Brasil é (muito) foda."

Como funciona sua relação com a moda? Amo moda com todas as minhas forças [risos] e minha relação com ela vem desde criança. Sempre gostei de liberdade e acho que moda é você ser livre pra criar um estilo seu. Quando eu era criança, minha mãe me deixava vestir o que quisesse, tinha semana que eu queria vestir a fantasia caipira, porque sou apaixonada pelas cores, e me vestia. Fui criada assim. Já na adolescência, eu queria me vestir bem mas não tinha nenhuma grana. Apaixonada por rock, rasgava minhas calças, pintava meu cabelo de verde com papel crepom [risos] e aos 16 anos, já trabalhando, comprei meu primeiro all star (era meu sonho!). Tive uma época hipponga também. Moda pra mim é isso: é a minha liberdade, é o meu discurso pro mundo. É maravilhoso você vestir uma roupa e se sentir feliz ao olhar o espelho. Se não fosse cantora, trabalharia com isso ou cinema, duas paixões. 

 

"Sempre gostei de liberdade e acho que moda é você ser livre pra criar um estilo seu"

 

Como define seu estilo? Tudo está ligado. Por exemplo, quando as pessoas me perguntam como defino o meu estilo musical, eu sempre digo que ele é híbrido - nem tão samba, nem tão rock e nem tão jazz. Meu estilo de vestir acompanha isso; é um misto de coisas que eu gosto. Às vezes é meio jazzy, por outras mais romântico. Amo sapatos coloridos e usar saia ou vestido com tênis.

O que te inspira na hora de se vestir? Me inspiro em uma blogueira chamada GabiFresh e na liberdade que ela tem em se vestir como gosta mesmo sendo plus size. Gosto de uma coisa african urban e da mistura dos estilos em um só lugar. Os anos 50 e 60 me inspiram muito também.

 

"É muito triste um povo que não se aceita, poque quando você não tem consciência de suas raízes você não é ninguém."

 

Existe racismo no Brasil? Como você lida com isso? O Brasil é um dos países mais racistas e acha que não porque aqui é um racismo velado. Aquela velha história do "Eu, racista? Imagina! Tenho vários amigos negros e inclusive minha empregada é negra!". Ou quando as pessoas vão dizer sua cor e colocam eufemismos, como se aquilo fosse ruim de dizer pra alguém - do tipo "ah, Karla, mas você não é negra, é morena escura". É muito triste um povo que não se aceita, porque quando você não tem consciência de suas raízes você não é ninguém. Racimo aqui mata, pessoas negras são presas injustamente todos os dias, trabalhadores somem de suas famílias e são mortos nas favelas. Eu entro no metrô todos os dias e os olhares são os piores para o meu cabelo. Já cantei em vários lugares em que a única negra, além de mim, era a faxineira. Todo lugar que eu vou posso contar na mão os negros. Não vejo mais TV e nem leio algumas revistas porque eu não estou lá. Quantos comerciais com médicos negros a gente vê? Mas nas novelas nós sempre estamos na cozinha... E falar disso incomoda muitas pessoas.

A minha maneira de lidar com isso é e sempre será com firmeza. Primeiro porque eu amo ser negra, amo o meu cabelo, amo as tradições do meu povo, mesmo aquelas que os colonizadores já tomaram pra si. Amo a força dos meus ancestrais e tudo o que eles fizeram e construíram. Amo a cor da minha pele e os contrastes que ela propõe, isso é arte! Minha mãe desde pequena olhava nos meus olhos e dizia “negro é lindo, nós somos lindos”. É como Caetano diz "e o povo negro entendeu que o grande vencedor se ergue além da dor".

Aqui, clipe da canção Quintal, gravado com sua família.

Vai lá:  karladasilvaoficial.com

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