Little Miss Sunshines

por Flora Paul

A americana Susan Anderson fala da experiência de fotografar concursos de beleza infantis

Quem assistiu ao filme Pequena Miss Sunshine, de 2006, que contava a saga da adorável Olive para participar do concurso de beleza que dá título ao filme, com certeza se lembra do visual over das meninas que participam desse tipo de concurso. De primeira, quando você vir as fotografias de Susan Anderson sobre as participantes, também sentirá uma sensação, no mínimo, esquisita. Os cabelos impecáveis e histéricos, a maquiagem forte, o bronzeado tão artificial quanto a pose das crianças: é chocante. Não à toa, os concursos de beleza infantis geram muita discussão nos Estados Unidos. Mas a fotógrafa norte-americana teve a ideia de registrar os eventos por acaso.
 
Em 2005, lembrou do tema vendo televisão. Achou que ele dava imagens interessantes. Desde então visitou um número razoável de concursos, pouco familiar a olhares desconhecidos devido à má reputação que receberam por distorcer a imagem de beleza em pessoas tão novas, e fotografou quatro eventos. "Não quero dizer que é bom nem ruim. É o que é. Eu não criei nada, apenas documentei", contou Susan ao site da Tpm. Formada em artes pelo Arts Institute de Chicago, trabalhou com publicidade, foi produtora de cenas de filmes e seriados, fotografou propagandas. Nos anos 2000, mudou-se para a Califórnia para tentar ser fotógrafa profissional. "Meu trabalho na produção me deu muitas ferramentas, aprendi muito sobre fotografia, iluminação, aspectos técnicos. Tudo se juntou com esse projeto, quando tive que pensar em soluções para o cenário no hall de hotéis", conta, sobre onde fotografava as candidatas a Miss - os organizadores do evento não deixavam ela fotografar o que acontecia no backstage.
 
As fotos se tornaram o projeto High Glitz: The Extravagant World of Child Beauty Pageants (algo como "Muito glitter: o mundo extravagante dos concursos de beleza infantis"), exibido em Amsterdã e na Califórnia e publicado como livro em outubro, pela editora powerHouse Books. E ganhou atenção da mídia. "A imprensa parece muito mais interessada em dizer que os concursos são ruins do que falar do meu trabalho", desabafou. "Esse projeto não foi fácil. Tive de ter muita determinação, persistência, habilidade", explicou, apontando que a popularização da fotografia, hoje, a faz tentar trabalhar ainda mais duro.
 
Conversamos com Susan sobre a reação das pessoas às fotos, como foi adentrar o mundo bizarro dos concurso de beleza e as surpresas que teve durante o projeto.

Como surgiu a ideia de fotografar os concursos de beleza infantis?
Zapeando por canais na televisão peguei um documentário sobre a história do Miss América e os primeiros desfiles de miss e me interessei pelo tema em geral. Comecei a fazer pesquisas on-line e deparei com um concurso para crianças. Mandei um e-mail para o diretor perguntando se poderia fotografar um dos eventos para um projeto e deu certo. Foi meio que um jogo ganho.

Você não teve nenhum problema para poder fotografar?
Nesse primeiro concurso que fui, expliquei que era uma artista, uma fotógrafa que morava em Los Angeles e que gostaria de fazer um projeto com retratos. No começo eu não tinha uma ideia bem formulada. Nunca tinha ido a um concurso de miss antes e escolhi não pesquisar muito, apenas ir e ver o que acontecia. Mas ter sido convidada para um evento não quer dizer que foi fácil conseguir ser convidada para os outros.

Existe uma ideia preconcebida de que esses concursos não são muito legais, então imagino que eles não deem muita abertura a estranhos.
Sim. Há muitas críticas, muita gente fala mal. Minha intenção não era fazer nada ruim: eu queria explorar o assunto a fundo através da fotografia. Então deixei o projeto evoluir sozinho, com a experiência. Mas acho que por ser uma mulher, uma artista, talvez tenha sido mais fácil conseguir acesso. Mas eu não estava tentando “revelar” nada e não tive acesso para o que acontecia na produção do evento ou algo do gênero. Tinha meu estúdio no hall do hotel, perto de vendedores de camisetas e organizadores. Ficava na mesma área, fazendo fotografias.

Como foi a experiência para você?
Foi um pouco surreal, sim. Uma coisa um pouco mágica, misteriosa e exagerada. Depois do primeiro concurso, fiquei impressionada com as imagens e senti muita vontade de continuar. Fiquei uns dois dias fotografando o primeiro concurso e vi o projeto evoluindo naturalmente.

Você não pensou em dar sua opinião a respeito? Acha que as imagens falam por si mesmas?

Acho que sim. E é fascinante. É uma junção de um monte de conceitos diferentes. Não é apenas sobre beleza, mas sobre essa fantasia de ser princesa. Há muitas camadas de informação além da imagem criada. E isso é interessante. É quase como um trabalho de arqueologia, você vai cavando, encontrando novas camadas novas, significados, modos de ver os concursos e as fotografias. Não tentei passar nenhuma mensagem em particular. Acho que todos trazem sua própria bagagem para analisar as fotos. Eu tentei, de alguma forma, ser neutra. Não quero dizer que é bom nem ruim. É o que é. Eu não criei nada, apenas documentei. Então fiz as fotos. Sabia que era um assunto que gera muita discussão, é controverso. As pessoas têm opiniões sobre o assunto. Mas... [Risos.]

Que reações as pessoas tiveram ao ver os retratos?
Recebi bastante atenção da mídia. Cada um analisa de uma forma diferente. Existem aqueles que preferem discutir se os concursos deveriam existir, em vez de discutir o trabalho artístico, a fotografia, minha motivação para o projeto. E meu argumento não é esse. A imprensa parece muito mais interessada em dizer que os concursos são ruins do que falar do meu trabalho. Mas é interessante, o assunto é notícia.

Mas você não esperava esse tipo de reação quando pensou no projeto?
Pensei. Eu não sabia exatamente o quer esperar, mas não me surpreendeu.

Então, analisando a fotografia, você teve algum desafio técnico?
Em alguns níveis, sim. No começo, quando tive a ideia, existia também a questão prática, do acesso aos concursos. Fiz retratos de performers durante a faculdade de arte, tirava fotos de músicos, artistas, dançarinas burlescas. Eu não sou fotojornalista, mas acho interessante fotografar esses artistas e suas culturas. E essas meninas são como miniartistas. Elas se inspiram em muitos personagens que conhecemos, existe uma influência cultural que é óbvia, até mesmo em seus gestos naturais.

Você trabalhou como produtora de cena em filmes e séries de televisão. Isso influenciou sua fotografia?
Meu trabalho na produção me deu muitas ferramentas, aprendi muito sobre fotografia, iluminação, aspectos técnicos. Tudo se juntou com esse projeto, quando tive que pensar em soluções para o cenário no hall de hotéis, com o carpete aparecendo, como escondê-lo e criar uma atmosfera própria, que combinasse com os concursos, mesmo que eu fotografasse ao lado de vendedores. Aprendi a produzir, saquei como produzir, trabalhando em filmes, essas coisas.

O que te inspira quando você fotografa?
Cresci indo a museus, sempre fui interessada em história da arte. Pesquiso muito quando faço projetos. No livro existe toda uma explicação, uma pesquisa que fiz sobre concursos, sobre as roupas, os penteados, informações que consegui durante o trabalho. Tirei muitas fotos durante os concursos, estava muito curiosa, mas depois não sabia como organizar todo esse material. Então procurei o contexto, porque elas usam vários tipos de roupa, existe uma terminologia, uma iconografia para cada tipo de roupa. De alguma forma você entende o porquê das roupas, ainda que eu ainda não entenda muito bem o porquê de tudo isso.

Alguma coisa te surpreendeu durante o projeto?
Sim, claro. Nunca tinha visto menininhas daquela forma, com roupas de alta costura. É cheio de excessos, envolve muito dinheiro... eu não fazia ideia. E ao mesmo tempo parece o ambiente de uma igreja, todo mundo muito concentrado, um certo silêncio, eles acham que é uma coisa superimportante. E, também, aquelas meninas entrando pelo lobby, supernormais, e depois completamente transformadas... era bem mágico!

Você pensou em fotografar esse “antes e depois”?
Não pensei durante a oportunidade. Mas, de qualquer forma, elas queriam ser fotografadas com o visual todo, tanto os pais quanto as próprias meninas, e encaravam como uma grande experiência, a iluminação, o estúdio. Elas queriam ser fotografadas, ser vistas. Todas, sem exceção, querem entrar para o mundo do entretenimento.

Agora que o projeto terminou, você sente uma certa saudade de ir aos concursos?
Não! [Risos.] Eu vi, fotografei, fiz o que pude sobre o assunto, mas agora estou pronta para os próximos planos. Tenho escrito algumas coisas, penso em incorporar isso ao processo de criação, como acabou acontecendo no livro. Já tenho um novo tema, mas ainda quero mantê-lo em segredo, quero começar primeiro. Será sobre beleza. Mas não vou fotografar crianças nem nada do tipo!

Mas ainda discute a questão da beleza.
Sim, a questão da estética que consideramos bonita atualmente, quem decide que isso é bonito, como essa estética afeta a cultura popular. O trabalho com os concursos foi muito belo. Muitas pessoas foram literais com a fotografia, não pensando muito sobre as questões maiores da beleza. Espero que o próximo trabalho seja mais fácil. Esse projeto tinha um tema muito complicado. Fico feliz de tê-lo feito, adorei o resultado do livro, acho que reflete muito bem o projeto. Mas estou pronta para o próximo!

 

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