Inspiradas na primeira programadora da história, jornalistas criam site com a missão de aproximar mulheres do mundo digital
Você sabe proteger a sua privacidade no Facebook? O que é Marco Civil da Internet? Por que você deveria se importar com o que o Facebook compra? As jornalistas Diana Assennato, 31 anos, e Natasha Madov, 38, respondem essas e quaisquer outras questões relacionadas ao mundo digital no ada.vc. E diferente da grande maioria dos sites que tratam o assunto, a intenção da dupla é falar de garotas para garotas e aproximar assuntos que permeiam internet e tecnologia às mulheres brasileiras.
A inspiração para o nome da página vem de Ada Lovelace (1815-1852). Nobre inglesa e filha do poeta Lord Byron, ela é considerada a primeira pessoa a programar um computador na história.
No entanto, Diana e Natasha acreditam: "as mulheres se perderam em algum lugar do caminho entre Ada Lovelace e o iPhone", e hoje, por mais que sejam intensamente digitais, não veem o tema como delas.
Prestes a iniciar uma série de colaborações para o site da Tpm, as jornalistas conversaram com a gente sobre o Ada e a impressão de descolamento entre mulheres e o mundo digital.
Natasha. A Diana já tinha uma ideia de fazer um blog falando de temas ligados ao mundo digital sob a perspectiva feminina, e o estalo me deu no segundo semestre do ano passado, quando surgiu toda aquela polêmica do Lulu, a reação masculina, e as repercussões disso.
Todo mundo estava comprando a ideia que um aplicativo que seria a versão masculina do Lulu poderia ser feito em alguns dias, e colocando seus dados do Facebook num site que ninguém sabia de quem era… Eu percebi que faltava para a maioria das mulheres (e até mesmo de muitos homens) entender melhor os meandros da tecnologia e até mesmo como essas ferramentas digitais que todos nós usamos ganham dinheiro, porque não existe almoço grátis.
Eu vim para Nova York em uma temporada de estudos, e comecei a pesquisar quem seria o público do site, e percebemos que as mulheres brasileiras são super conectadas, mas recusam o rótulo de techies, porque não se sentem parte deste mundo. Mas quando você mesma escolhe a marca do seu smartphone, troca ideias de aplicativos com os amigos e conversa com a sua mãe pelo Whatsapp, você está inserida neste mundo. Usamos a imagem da Ada Lovelace justamente para mostrar à leitora que o espaço é dela e cabe a ela retomá-lo para si.
O que vocês propõem com o site?
Natasha. O Ada nasceu para ser o principal site acessado por mulheres que querem tirar as suas dúvidas, entender melhor ou simplesmente aprofundar seus conhecimentos sobre tecnologia, internet, comportamento digital e vida online. De uma forma ou de outra (e independente da gente gostar ou não), esses assuntos permeiam todas as esferas da nossa vida, seja através dos nossos smartphones ou da nossa dificuldade velada em entender a real diferença entre o Google Drive e o Dropbox.
O ritmo das mudanças tecnológicas é rápido demais pra gente presumir que todo mundo está atualizado com tudo, por isso queremos oferecer um lugar para conversar sobre tudo isso com calma, sem pressa e com espaço para reflexão. É importante saber que o Facebook comprou o Whatsapp? Sim, mas no Ada queremos explicar o porquê da compra e como isso pode mudar a sua relação com o serviço. O nosso maior desejo é que as mulheres procurem o Ada não só para tirar dúvidas de qual é o melhor modelo de tablet para a sua necessidade específica ou trazer uma lista de apps bacaninhas que ajudam no seu dia a dia (sim, isso faz parte e a gente sabe), mas também para entender alguns porquês da Internet que ninguém explica com clareza e que todo mundo finge dominar na ponta da língua.
Qual é a relação de vocês com a tecnologia e internet?
Diana. Eu escrevi este pequeno relato para a Confeitaria, e acho que responde bem a sua pergunta: “Sempre tive uma relação de amor e admiração pela tecnologia. Quando eu tinha quatro anos, o meu pai levou o videocassete de casa para a assistência; teimava em emperrar as fitas. Dias depois voltou de lá com o aparelho embaixo do braço e um ziplock na outra mão: dentro tinha um sapatinho de Barbie, giz de cera colorido, um apontador rosachoque e meio Polenguinho mordido. Além de mágica, aquela caixinha parecia perfeita para abrigar os meus maiores tesouros. Com os anos, me apaixonei por várias outras caixas, e eu desfrutava delas mais do que de brinquedos: o Atari, o walkman herdado da minha irmã, o PC da casa, o GameBoy compartilhado até o meu primeiro celular que “reconhecia comandos de voz”. Todas tinham um efeito poderoso em mim: me permitiam conexões totalmente novas com o mundo e comigo mesma. Hoje, a tecnologia é uma camada significativa do meu dia a dia, mas, mesmo assim, não canso de me admirar cada vez que ela me apresenta a mim mesma.”
Natasha. Gente, alguém lembra de Videotexto? Era um console tosquíssimo que a Telesp instalava na casa das pessoas, usava a linha telefônica e um modem, tinha algumas funções de chat e alguns serviços, era a Web do Paleozoico. Eu ocupava horas e horas da linha telefônica de casa com ele, conversando com as pessoas. Depois dele veio um MSX sem conexão nenhuma (e eu não via a menor graça nele) até que na faculdade ganhei um PC com modem e pronto, estava conectada com o mundo de novo. Como filha de imigrante, acho que sempre senti necessidade de alcançar lugares diferentes, ver outras perspectivas, e a internet traz o mundo na sua tela, né?
Mas eu tento não ser uma viciada em web, daquelas que não saem do Facebook, ficam tremendo se não veem o email ou o Instagram por meia hora. Tem que viver a vida offline e usar a tecnologia e a internet para fazêl-a ser mais feliz e produtiva, e não viver em função delas.
"Percebemos que as mulheres brasileiras são super conectadas, mas recusam o rótulo de techies, porque não se sentem parte deste mundo"
Quando perceberam que mulher e internet/tecnologia era uma coisa menor que homem e internet/tecnologia? Vocês dizem no próprio Ada que nós nos perdemos em algum lugar entre Ada Lovelace e o iPhone.
Diana. Do lado do mercado de trabalho, é só visitar qualquer faculdade de computação ou engenharia (ciências exatas em geral) e contar o número de meninas em cada sala de aula; os homens sempre são a esmagadora maioria. As mulheres não se sentem partícipes: deve ter muita garotinha por aí que gosta de números e simplesmente não é encorajada pela família e sociedade a seguir essa inclinação.
Do ponto de vista da mulher como usuária, não há tanta diferença assim nos números, apenas o fato que as mulheres não entendem o espaço como delas. Cansei de ouvir nas conversas que tive enquanto pesquisava o mercado do Ada: "Não acho que o noticiário de tecnologia esteja falando comigo", quando ele deveria estar falando justamente com ela e não com os convertidos!
O iPhone para a gente é um marco porque foi quando os smartphones ficaram amigáveis o suficiente para serem adotados de uma maneira mais massificada por todos. Para muitas mulheres com certeza foi uma porta de entrada. Tenho certeza que você conhece a mãe de alguém que comprou um smartphone só para falar com a família pelo Whatsapp.
Na opinião de vocês, quais são os passos fundamentais para uma maior inclusão da mulher no mercado de internet e tecnologia?
Diana. Antes de qualquer coisa, a gente acredita que precisa existir um incentivo estruturado para que mais meninas conheçam, estudem e se interessem pelo assunto. Garotas e adolescentes que são boas em exatas têm que saber que esse é um universo que possibilita infinitas possibilidades, em expansão exponencial, com altíssima demanda e que seus conhecimentos e sensibilidade feminina podem ser muito bemvindos nas áreas da ciência da computação e desenvolvimento de tecnologia.
Isso pode e deve ser sistematizado pelas escolas e governos, sim, mas o diálogo tem que começar em casa. A falha no incentivo ao assunto entre meninos e meninas começa já na primeira infância, quando Legos são presentes que o Papai Noel só dá para os meninos da casa. Além da educação, que deve ser a primeira fonte para despertar o interesse em pequenas mulheres, também acreditamos na força de políticas públicas que incentivem (e
patrocinem) a presença da mulher em todas as escalas hierárquicas de grandes empresas de tecnologia. Sim, estamos falando de cotas, de mentoria e de formação profissionalizante focada no universo feminino.
Além de Ada Lovelace, quem são as musas da tecnologia para vocês? Gostaria de saber de nomes pioneiros, mas ainda das garotas que arrasam hoje em dia nesse mercado.
Diana. A Hedy Lamarr foi bem mais que uma estrela de cinema da era de ouro do cinema hollywoodiano. Austríaca, ela emigrou para os Estados Unidos logo antes da Segunda Guerra Mundial e aproveitou o conhecimento que adquiriu enquanto foi casada com um fabricante de armas europeu para criar, em conjunto com George Anthiel, um sistema de radiofrequência criptografada que foi patenteado em 1941 para ajudar com os esforços da guerra contra os nazistas, mas que só foi realmente adotado décadas depois, quando virou a base das comunicações sem fio que permitiram a criação do telefone celular. A Limor Fried é uma engenheira formada pelo MIT que criou uma empresa chamada Adafruit, que vende kits para as pessoas montarem seus próprios eletrônicos em casa, com tutorias e todas as ferramentas necessárias. A ideia é mostrar que qualquer um pode fazer isso, se quiser, inclusive crianças.
O que podemos esperar dos posts de vocês no site da Tpm?
Diana. Nós queremos escrever sobre vários aspectos da cultura digital, desde notícias do mundo da tecnologia que interessam à nossa leitora, tutoriais, listas de apps e sites que ajudam em tarefas do dia a dia, mas também queremos levantar dúvidas que as façam pensar. Melhor: queremos dar ferramentas para que cada usuária crie o seu próprio espaço de reflexão sobre esses assuntos. Pensar a respeito da tecnologia faz com que o uso dela seja menos angustiante e onipresente. Nem tudo precisa nos pertencer.
Vai lá: http://ada.vc // Fanpage: www.facebook.com/adaevc
Aqui, a primeira colaboração do Ada para a Tpm: Nove aplicativos para melhorar a sua produtividade
