Olá. Meu nome é Mariana e eu sou uma introvertida.

por Mariana Perroni

Há um preconceito delicado e discreto que raramente recebe atenção da mídia.

A vida é um negócio engraçado. À medida que crescemos e envelhecemos, vamos desenvolvendo um senso de identidade cada vez mais forte e aprendendo quem somos. Ao mesmo tempo em que, paradoxalmente, nosso corpo vai substituindo praticamente todas as células que tínhamos ao nascer por células novas. Por mais que as células se renovem com velocidade digna de causar inveja a qualquer trem-bala, o mesmo não acontece com idéias e preconceitos. E é por isso que eu vou escrever sobre o tema de novo.

Todo mundo faz questão de torcer o nariz, fazer cara feia e demonstrar indignação quando vê alguma notícia sobre preconceito ou bullying nos jornais. Chocante ver um homossexual levando uma lampadada gratuita na cara, índio pegando fogo, soropositivos sendo dispensados em entrevista de emprego e obesos sendo recusados por planos de saúde, não é? Xinga-se muito no Twitter. Criam-se ONGs. Marcha-se na Paulista. Acampa-se na sede de algum órgão importante.

Eu também acho isso tudo. E fico aliviada por perceber que há muita gente que se revolta contra comportamentos tão grotescos e faz questão de mostrar. Entretanto,  há preconceitos bem mais sutis. Que se repetem praticamente despercebidos todos os dias, enquanto a Terra gira ao redor de si mesma. Que não se dirigem à orientação sexual, à cor da pele, ao saldo no banco ou à presença de um vírus incurável no sangue de uma pessoa. O ser humano, mesmo que adore negar, se incomoda com tudo o que é diferente daquilo com que está acostumado. O que é surreal, quando consideramos que seres humanos não são nada além de água e carbono (e neuroses e mimimi).

Estou falando isso tudo porque eu mesma sou vítima de um desses preconceito desde que deixei de engatinhar e virei uma menininha que deixava as bonecas acumulando poeira para passar os dias lendo e desenhando. Um tipo de preconceito bem delicado e discreto (mas igualmente desagradável) e que, curiosamente, nunca recebe atenção mídia.

Olá, meu nome é Mariana. E eu sou uma introvertida. Uma introvertida que não foi capaz de conter o sorriso de alívio e satisfação ao se deparar com o seguinte texto, publicado no Atlantic. Tanto que fiz questão de reproduzí-lo na íntegra aqui, especialmente em tempos de Manifesto Tpm. Tudo isso em nome de um mundo em que eu (e todas as pessoas como eu) não tenhamos que colocar fones de ouvido na fila do banco ou na sala de espera do dentista para evitar conversa fiada sobre o tempo. Na esperança de um mundo em que eu possa sentar para almoçar ou tomar um drink sozinha sem que achem que sou autista e preciso de tratamento (ah, os absurdos...), que tomei um bolo/pé-na-bunda ou que quero ser abordada por homens inconvenientes.

Cheers aos introvertidos.

 

Você conhece alguém que precisa passar algumas horas sozinho ao longo do dia? Que adora conversas calmas sobre idéias ou sentimentos, que é capaz de fazer uma memorável apresentação para um público grande, mas que parece desajeitado quando tem que puxar papo com alguém? Que tem que ser arrastado para festas e depois precisa do resto todo do dia para se recuperar de tanta interação? Que rosna, grunhe ou estremece quando se vê rodeado de pessoas sendo gentis e puxando conversa fiada apenas para tentarem ser legais?

Você diz para esta pessoa que ela é "muito séria" ou pergunta se ela está bem? Diz que ela é distante, arrogante, rude? Ou toma isso tudo como desafio pessoal e redobra os esforços para "conquistá-la"?

Se você respondeu SIM para alguma das perguntas, é bem provável que você que tenha um introvertido em suas mãos. E que não esteja lidando com ele corretamente. Nos últimos anos, a ciência aprendeu bastante sobre os hábitos e necessidades dos introvertidos. Até mesmo tomografias já mostraram que o cérebro dos introvertidos processa a informação de maneira diferente que o das outras pessoas (não, eu não estou inventando isso). Se você não sabia disso, fique tranquilo. Você não está sozinho. Introvertidos podem ser comuns, mas eles também são um dos grupos mais incompreendidos na América e, possivelmente, n o mundo todo.

Eu sei disso. Meu nome é Jonathan. E eu sou um introvertido.

Neguei isso por anos. Afinal, eu tenho boas habilidades sociais. Eu não sou rabugento ou misantropo (normalmente). Estou longe de ser tímido. Eu amo longas  e apaixonadas conversas sobre interesses ou idéias. Mas, finalmente, eu me descobri e saí do armário para meus amigos e colegas. Ao fazer isso, libertei-me de um número enorme de preconceitos, estereótipos e equívocos. Agora eu estou aqui para dizer o que você precisa para saber para lidar, de forma delicada e embasada, com familiares, amigos e colegas introvertidos. Lembre-se: alguém que você conhece, respeita e interage todos os dias é um introvertido. E você provavelmente está deixando essa pessoa louca. Vale a pena aprender a identificar os sinais de alerta.

O que é a introversão? O conceito vem lá de 1920 e do psicólogo Carl Jung. Hoje, é um pilar de testes de personalidade, incluindo o amplamente utilizado Myers-Briggs. Introvertidos não são necessariamente tímidos. Pessoas tímidas ficam ansiosas ou amedrontadas em contextos sociais. Os introvertidos não. Introvertidos não são misantropos, apesar de alguns de nós concordarmos plenamente com Sartre quando ele diz que "O inferno são os outros no café da manhã.". Os introvertidos acham outras pessoas cansativas.

Os extrovertidos são energizados pelas pessoas, e murcham ou desaparecem quando estão sozinhos. Eles parecem ficar entediados quando estão sem companhia. Deixe um extrovertido sozinho por dois minutos que ele vai logo pegar o celular. Em contraste, depois de uma ou duas horas de socialização,  nós introvertidos temos a necessidade de desligar e recarregar. Minha própria fórmula é, para cada hora que socializei, preciso de umas duas horas sozinho. Isso não é ser anti-social. Não é um sinal de depressão. Nemt exige tratamento medicamentoso. Para os introvertidos, estar a sós seus pensamentos é tão revigorante como o sono e tão prazeroso como comer. O nosso lema é: "Eu estou bem, você está bem - em pequenas doses."

Quantas pessoas são introvertidas? Procurei no Google. A resposta: Cerca de 25 por cento. Ou "menos da metade da população". Ou, minha resposta favorita, "uma minoria das pessoas normais, mas a maioria das pessoas talentosas".

Os introvertidos são incompreendidos?  Descontroladamente. O que parece ser nossa maldição. "É muito difícil para um extrovertido entender um introvertido", dizem os especialistas em educação Jill D. Burruss e Lisa Kaenzig. (eles também são a fonte da citação no parágrafo anterior). Extrovertidos são fáceis para os introvertidos de entender. Eles passam a maior parte do  tempo querendo mostrar para as outras pessoas (frequentemente de forma expansiva e inescapável) quem são.  Eles são tão inescrutáveis como fofos cachorrinhos. Só que isso não é uma via de mão dupla. Os extrovertidos têm muito pouca ou nenhuma noção do que é introversão. Eles acreditam que a companhia, especialmente a deles, é sempre bem-vinda. Eles não conseguem imaginar o porquê  de alguém precisar ficar sozinho. Na verdade, eles se ofendem só de pensar nisso. Nas vezes em que tentei explicar isso para os extrovertidos, eu nunca senti que algum deles realmente compreendeu. Eles escutam por um momento e logo voltam a latir e pular.

Os introvertidos são oprimidos? Eu teria que dizer que sim. Os extrovertidos estão em absoluta maioria na política, uma profissão em que só os tagarelas realmente parecem se sentir confortáveis. Olhe para George W. Bush. Olhe para Bill Clinton. Eles parecem ganhar vida apenas quando estão cercados de outras pessoas. Introvertidos não são considerados naturais na política.

Dessa forma, os extrovertidos dominam a vida pública. E isso é uma pena. Se introvertidos governassem o mundo, ele seria, sem dúvida, um lugar mais calmo e mais pacífico. Como Calvin Coolidge supostamente disse: "Quatro quintos de todos os nossos problemas nessa vida desapareceriam se nós simplesmente sentássemos e mantivéssemos a calma".

Com seu apetite infinito por atenção e pelo discurso, extrovertidos dominam também a vida social e fazem com que as pessoas tomem que esse tipo de comportamente como natural. Em nossa sociedade, ser considerado extrovertido é considerado normal e, portanto, desejável. É um sinal de felicidade, confiança, liderança. Os extrovertidos são vistos como generosos, vibrantes, quentes, empático. O introvertido é descrito com palavras como "contido", "solitário", "reservado", "taciturno", "privado", palavras que sempre sugerem negatividade. Suspeito que as mulheres introvertidas devem sofrer mais ainda. Um homem introvertido até consegue se safar e ser tido como forte e quieto. As mulheres não têm isso. A chance delas serem tidas como desinteressadas, retraídas e até arrogantes é maior do que com os homens.

Os introvertidos são arrogantes? Dificilmente. Suponho que este equívoco comum aconteça porque somos mais inteligentes, mais reflexivos, mais independentes, mais equilibrados, mais refinados e mais sensíveis do que os extrovertidos. É, provavelmente,  nossa falta de saco para puxar papo que os extrovertidos confundem com desdém. Nós tendemos a pensar antes de falar, enquanto os extrovertidos pensam falando (razão pela qual suas reuniões nunca duram menos de seis horas).

O pior de tudo é que os extrovertidos não têm idéia do tormento que nos causam. Às vezes, enquanto tentamos respirar em meio à poluição daquele discurso prolixo e com 2% de conteúdo relevante, nos perguntamos se os extrovertidos já pararam para ouvir eles mesmos. Ainda assim, suportamos estoicamente. Porque os livros de etiqueta (provavelmente escritos por extrovertidos) dizem que lacunas numa conversa são algo estranho e desconfortável.

Nós só podemos sonhar que um dia, quando a nossa personalidade for mais amplamente entendida e quando um Movimento Pelos Direitos dos Introvertidos tiver nascido, não será mais indelicado dizer "Você é uma pessoa maravilhosa e eu gosto você. Mas eu sou introvertido. Então, por favor, suma agora."

Como posso fazer com que o introvertido saiba que eu o apóio e respeito a sua escolha?

Primeiro, reconhecer que não é uma escolha. Não é um estilo de vida. É uma orientação.
Segundo, quando você vir um introvertido perdido em pensamentos, não diga "Qual é o problema?" ou "Você está bem?".
Terceiro, não diga mais nada.


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