Hoje eu acordei gorda

por Lia Bock

Meu Deus do céu, onde eu estava que não percebi este corpo inflando?

Hoje eu acordei gorda. Levantei da cama, passei rapidamente na frente do espelho e vi um volume de pessoa que parecia maior que a de ontem. Durante o café observei minhas ancas aboletadas na cadeira e vi que ocupavam toda sua área. Cobri com o jornal. No banho tive certeza de que demorei mais tempo para passar o sabonete pelo corpo. Da onde veio tanta pele? Olhei no espelho e vi uma cara redonda. Balancei a cabeça e bati três vezes na têmpora direita, como que pra pegar no tranco. “Isso não sou eu. Isso é minha imaginação.” Num ato de autodestruição coloquei minha calça mais justa, ou melhor, não coloquei. Como acontece há meses ela para um pouco acima do joelho. Quase chorei. “Isso não sou eu. Isso sou eu-tentando-me-boicotar.”
   Neste momento eu já estava me sentindo a mãe da Peppa Pig, mas rapidamente o cenário mudou. Sobre a minha mesa uma revista com a mocinha magrela e sorridente da novela me transformou imediatamente na Charlene, a filha do Dino da Silva Sauro e logo depois eu já era o próprio Dino, imensamente descabido e redondo. “Isso não sou eu. Isso é a mídia.” Ergui a coluna, sentei nos ísquios, mentalizei uma pluma e meti a cara no trabalho.
   À tarde, dando uma sapeada nos sites de notícia me deparei fotos do São Paulo Fashion Week, que apelidei carinhosamente de São Paulo Fucking Week. Voltei à imagem do Dino que agora se alternava com um Teletube vermelho. Eu. Minha colega chegou e a primeira coisa que eu disse quando ela sentou ao meu lado e sorriu um bom dia sincero foi: “Estou gorda! Gorda, não, estou um elefante. Como você não me avisa?”. “Você está louca, isso sim”, ela devolveu. Olhei para as minhas mãos e até meus dedos estavam acima do peso. Meu Deus do céu, onde eu estava que não percebi este corpo inflando? Bati mais duas vezes na têmpora tentando mudar o assunto do meu cérebro. Mas foi impossível. “Isso não sou eu. Isso é a sociedade.”
   Durante o dia só consegui pensar em comida generosas. A coisa mais magra que passou pela minha cabeça foi um merengue forrado de suspiro, morango e chantilly. Desejei aqueles frangos do KFC para os quais nunca dei muita bola. Lembrei de todas as melhores coxinhas que comi da vida e virei imediatamente o monstro de Marshmallow! Pulei o almoço na certeza de que meu cérebro me alimentaria. Prometi a mim mesma que começaria a correr e nunca mais comeria pastel.
   “Isso não sou eu. Isso é o mundo.” Na rua, vagando como um hipopótamo deprimido passei por um caminhão de mudanças. Depois de um tradicional e afinado fiu-fiu escutei “Ô Vila Madalena! Obrigada Meu Deus”. Era pra mim. Levantei a cabeça, bufei o mau agouro cerebral, comprei um bombom e falei baixinho: “Foda-se o mundo”. E a sociedade. E a mídia. E a minha imaginação.

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