O disco do Pixinguinha

por Lia Bock

É na hora da partilha que diferenciamos os crápulas e peneiramos a humanidade

  

É na hora da partilha que diferenciamos os crápulas e peneiramos a humanidade

   Todo amor se dissolve na hora da partilha dos bens. Mesmo quando são poucos ou quase nenhum.Vale arrancar o ar-condicionado da parede. Levar o chuveiro e todo aquele jogo de toalhas que compramos juntos na promoção. Vale pedir pensão pelos filhos que não tivemos ou pedir de volta o celular e o carro, velho, que te ajudei a pagar. Na hora que o amor acaba, acabam também o bom senso, a ética e o senso do ridículo. Não duvide se o disco do Pixinguinha também virar motivo de picuinha.
   Há quem vá com jeitinho, “sei que fui eu quem te dei a luminária, mas ela combina bem mais comigo”. Há quem avise de um jeito manso, mas leve sem perguntar, “peguei a penteadeira. Sei que foi da sua avó, mas você nunca fez muita questão mesmo”, dizia o bilhete. E há (sempre há) quem vá com o pé no peito, “eu paguei 30% dessa TV, quero minha parte”. Humanos.
   Coração e nervos à parte, coisinhas e nem tão coisinhas vão virando motivo de discórdia e aí exercemos, sem juízo de gênero, nosso lado mais materialista, mais feio. Pegar de volta o que demos é horroroso, é mais que baixo. Quebrar tudo em nome do ódio também não fica muito atrás. Destruímos o material quando não conseguimos extirpar o sentimental. Viramos (alguns de nós, claro, não todos) seres horrendos, o mamífero mais possessivo. E em nome de quê? Algumas baixelas e taças? Santa humanidade! Vergonha alheia em sua potência máxima.
   E o amor? Perdido no meio de tanta sujeira inverte a célebre frase de um antigo Chico: “Fique com o disco do Pixinguinha, sim, o resto é meu!”.

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