As coisas como são

por Clarissa Corrêa

Sem máscaras, sem retoques, sem nada

Não sei como é com você, mas eu passei boa parte da vida me enganando. Sabe aquela coisa de fingir que tudo está bem, que não doeu, que tá bom assim, que eu aceito, que aham, tá legal? Pois é, isso realmente não é nada, nada legal.

Se doeu tem que falar. Se incomodou tem que explicar. Se tá ruim tem que ajeitar. Se estragou tem que consertar. Ou então jogar fora. Entende? Não dá pra passar a vida inteira com as coisas entaladas na garganta, feito espinha de peixe que não desce e arranha toda vez que a gente engole.

Não estou aqui pra ser boazinha com ninguém. Por sinal, esse rótulo me incomoda. E muito. O que é, afinal, ser “boazinha”? É ser bonitinha, cheirosinha, amorosinha, simpatiquinha, fofinha? Olha, me chama de tudo, mas não me chama de fofa. E se você não me conhece, por favor, não me chama de “amada”. Não tenho que ser legal com quem não quero ser legal. É bem isso. E se eu quiser passar o dia vestida de mendiga, palmas pra mim, eu posso. Se eu não quiser tomar banho, pentear o cabelo, fazer a unha, me depilar, azar o meu. Se eu quiser virar a Mulher das Cavernas ninguém tem nada a ver com isso.

As pessoas têm uma mania horrorosa de meter o bedelho na vida das outras. Deixa o outro, vai. É ano-novo, é vida nova. Vive a tua vida e deixa o outro ser feliz – ou não – do jeito torto – ou não – dele. Tenta, nem dói. Aquela vida perfeitinha e bonitinha existe só naquela rede social que você conhece. Lá, tem sempre uma festa agitada, uma foto cheia de efeitos, um sorriso constante, um prato maravilhoso. Lá, você tem zilhões de amigos. Lá, você vive tudo que quer viver. E não tem a menor intimidade com ninguém.

Eu gosto de beijo, abraço, pele com pele. Gosto do encontro. E, também, do desencontro. Os desencontros são importantes demais pra gente. Neles a gente se acha, por incrível que pareça. Com eles a gente aprende. O que sei é que não quero ser boazinha, nunca quis. É evidente que não sou uma vaca alucinada e que vive com a cara amarrada. Dou bom dia para o porteiro, para a moça que trabalha limpando os corredores do prédio. Converso, sou gentil. Mas eu detesto o zelador. Ele é chato e metido. E eu não sou tão evoluída assim, tenho lá minhas pequenas vinganças. Faço questão de fechar a cara perto dele. Isso mesmo. Nem a minha cachorra gosta dele.

Não tenho que vencer todas as batalhas. Não preciso me cobrar demais. Não tenho que ser minha inimiga. Preciso entender e aceitar que a gente não ganha sempre. E que não faz mal se as coisas dão errado vez ou outra. Sou a minha maior crítica. E posso me ferir cruelmente quando quero. Por isso, resolvi me aceitar e fazer as pazes comigo. Então, eu finalmente entendi que preciso ser como sou. Mesmo que isso não seja tão bom assim. 

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