Um ano morando fora: dez pensamentos sobre viver na Europa

por Nina Lemos

Um ano em Berlim. Um ano sem se achar feia. Um ano sem ”se arrumar”. Um ano tendo que lidar com preconceito. Um ano pensando em voltar para o Brasil em toda TPM

1 - Se você for morar em outro país, você vai sentir saudades do Brasil. Muita.

Pelo menos uma vez por mês você vai querer voltar. Principalmente durante a TPM ou quando alguém te trata com preconceito ou quando seus amigos do Brasil postam fotos na praia. E vida de imigrante é dificil, por mais que tentem aliviar a barra com termos como Expat (uma maneira hipster de chamar um… imigrante)!

2 - Os europeus são muito preconceituosos com não europeus.

Não são todos, claro. E tem gente que nunca sofreu preconceito. Ótimo! Mas acho que essas pessoas vivem em negação, caem de amores pelo novo lar como se ele não tivesse defeito e acabam voltando na Merkel, de tão abduzidos que são. Acontece. Um monte.

3 - Você vai ter que provar pela cinquentésima vez na vida que você é uma pessoa legal - e não vai conseguir na maioria dos casos.

Você vai ser fofa demais, expansiva demais, latina demais. E isso vai assustar muito as pessoas. Certeza que alguns alemães me acham totalmente louca e morrem de medo de mim porque eu acho que quem é legal comigo é meu amigo e na segunda vez que encontro já falo da minha vida. Não mudei. Não mudarei. Eles que me achem louca o quanto quiserem. Problema deles.

4 - Mas você vai se assumir latina mais do que nunca nessa vida.

Vai ter vontade de abraçar chilenos e peruanos. E sempre que encontrar um, vocês vão falar sorrindo o quanto somos diferentes, como é bom encontrar latino e como é divertido assustar alemães. Você vai ter vontade de sair abraçada com eles cantando: eu sou da América do Sul!

5 - A qualidade de vida é muito melhor! Mas muito melhor mesmo.

E por isso, mesmo com raiva de ser alvo de preconceito e de ter que lidar com pessoas que te acham louca porque você abraça os outros, você vai morrer de felicidade por poder fazer coisas simples como: andar de bicicleta sem os carros te ameaçarem, atravessar a rua sem achar que vai ser morta, pegar transporte público que vai chegar em exatamente 3 minutos e... ele chega! Não ser atacada por homens na rua. Ninguém passar a mão na sua bunda. Respirar um ar bom. Andar na rua de madrugada com o computador na mão e poder usar celular para falar com as pessoas na rua.

6 - Você usa a roupa que você quiser.

Uma das melhores coisas de morar em Berlim é poder usar absolutamente a roupa que você quiser. Isso significa que você vai no café de pijama, cruza com os caras de moicano, os caras fantasiados porque querem, as velhas de cabelo verde e tudo é absolutamente normal. Mas tudo mesmo. Até uniforme sadomaso de látex com salto 20.

7 - Você também para de se sentir feia.

Porque não, não existe a pressão para ser uma top model. E viver sem se achar feia ou gorda é uma libertação maravilhosa.

8 - Aqui também você pode envelhecer.

As alemãs ainda reclamam da pressão pela eterna juventude. Sabem de nada, inocentes! Raríssimo ver um rico de meia idade com uma mina de 20. Quando tentei apresentar uma amiga para amigas do bofe, ele disse: ela é muito nova para eles. Sim. Isso existe.

9 - Você desencana de se arrumar.

"Dois anos em Berlim, dois anos sem salto". Minha amiga, meio perua, faz essa declaração e olha para as havaianas que usamos para tomar um café no bairro. Aqui usamos 3 tipos de sapatos: tênis, havaianas no verão e bota de neve no inverno. Esquecemos completamente o que é maquiagem. Brinco? Pulseira? Bolsa que a gente tenha que carregar? Não, uma legging que seja boa para andar de bike.

10 - A vida sem serviçais, que maravilha!

Aquele clichê que todo mundo já sabe: passamos a fazer tudo, o que não é muito, só o básico. O que qualquer pessoa normal faz para viver, tipo cozinhar (um pouco, vai), lavar nossas próprias roupas, limpar o chão etc. O mais legal é ver que isso não mata. Contrário. Nós que éramos muito mimadas antes. Outro dia lembrei dos homens uniformizados para estacionar carros nas academias de Sao Paulo. A existência desses profissionais em academias, prédios e restaurantes no Brasil me faz ter vontade de chorar. E não voltar. 

11 - "O que você faz?" Essa pergunta é ridícula!

Lembro de uma época em que o querido Lírio Ferreira ficou obcecado por responder a essa pergunta assim. "O que você faz?" "Eu mudo uma planta de lugar". Em Berlim todo mundo muda planta de lugar. Inclusive porque trabalhamos menos e somos menos yuppies. Ainda sou uma workaholic em tratamento e só descobri isso aqui. Uma vez perguntei para um cara o que ele fazia. Ela me respondeu: "para pagar as contas ou para viver?". Eu senti muita vergonha nesse dia.

Ps. Como tudo na vida tem vezes que é bom, tem vezes que é horrível. Tem vezes que eu quero correr para o aeroporto e nunca mais voltar. Tem vezes em que eu penso em ficar para sempre. Mas, bem, a vida não é assim em todo lugar? Mantra para os momentos de vontade de ir embora. A velha canção do Wander: "Não me importa onde quer que eu ande. Não me importa onde quer que eu more. Minha mochila está sempre a mão. E eu estou sempre pronta pra partir."

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