Viver na Alemanha: viver sem se achar feia

por Nina Lemos

Como Berlim me libertou da angústia dos padrões de beleza

Lembro bem, foi na minha primeira vez em Berlim. Eu e três amigas íamos tirar uma foto. Uma delas, na beira dos quarenta, disse "cuidado para não aparecer as minhas rugas". Em seguida, respondeu a gargalhadas: "Ah, é! Que se foda as rugas! A gente está em Berlim. Aqui a gente pode ter ruga." Acho que fizemos uma roda de pogo comemorativa depois dessa declaração a gritamos de alegria.

Pois é. Viver em Berlim é deixar para trás 90% da sensação de que você é feia, gorda, baranga, velha. E que precisa fazer algo sobre o seu corpo urgentemente. Não sei se funciona com todo mundo. Comigo funcionou.

As senhoras nao têm plástica. Elas se vestem como querem. O cabelo branco é liberado e as rugas também. Saímos na rua sem um pingo de maquiagem quando não estamos a fim e nos acostumamos com isso. E até em alguns anúncios e revistas de celebridades as pessoas têm rugas.

Viver em Berlim é deixar para trás a idéia que acaba nos perseguindo no Brasil: sou feia. E a angústia que isso traz. Viver sem se achar feia é uma liberdade e tanto. E quem quiser responder esse texto me chamando de feia, sinta-se a vontade, não vai doer muito. Doía mais no Brasil.

Lembro dos meus útimos tempos em SP, quando eu pensei em fazer um procedimento chamado lift quimico, e que uma amiga me disse que, se eu fizesse, eu teria que apertar uma bola de tanta dor. E que às vezes a bola arrebentava. Qual de nós nunca pensou em fazer uma plástica?

Que mulher jornalista ou escritora com opinião nunca foi chamada de feia, baranga, quando, veja bem, ela nem estava participando de um concurso de beleza, mas apenas compartilhando um texto que escreveu?

Quantas vezes a gente vê que isso não acontece com os homens? Esses são carecas charmosos e têm barriga de cerveja de macho.

Fugir da patrulha... meu deus. Isso é maravilhoso e alivia qualquer perrengue que a gente passe por aqui (são muitos os perrengues).

Dizem que Berlim não é Alemanha e deve ser verdade. 12,9% das plásticas do mundo são feitas no Brasil. Em segundo lugar: Estados Unidos, com 12,5%. Resumo, um quarto das cirurgias plásticas do mundo está concentrado em dois países e eu vivia em um deles. Mas a Alemanha está em quinto. Com modestos 3%.

Em todo caso, não, não existem letreiros chamativos em clínicas escrito cirurgia plástica nem anúncio de botox a dar com o pau em revistas, folhetos, o que for. Isso deve acontecer de maneira bem discreta. E não no meu bairro.

Em Berlim, cada bairro é um mundo e é cada um no seu quadrado. Hoje, a Kudamm (ali por onde andava a Cristine F.) é uma avenida que tem lojas da Chanel e da Prada e gente rica. Se bem que um amigo entrou na Prada e o vendedor não tinha o dente da frente, o que me deixou muito feliz por Berlim continuar sendo Berlim mesmo na Prada.

Mas enfim, por lá andam as patricinhas de Berlim. Problema delas. Elas estão LÁ. A cidade tem também uma semana de moda, que nunca, nunca conseguiu ser importante. Eu acho isso ótimo. E aqui na minha quebrada, não, não tem uma clínica estética. E agora, que chegou o verão, dizem, as mulheres já estão peladas no parque. Ah, não, nunca ninguém vai chamar a Angela Merkel de feia. Nunca. As pessoas podem ter raiva dela. Mas porque ela faz coisas erradas como primeira ministra e é uma mega conservadora.

E deve ser por isso que Merkel não tem plástica. Dilma tem, no Brasil ainda precisa. Que péssimo.

Para saber mais sobre as diferenças em relação ao Brasil recomendo, sempre, o livro O corpo enquanto Capital, da antropóloga Mirian Goldberg, que compara, veja só, a relação com o corpo entra as brasileiras e as alemães. Uma das frases da autora: "O corpo e a aparência juvenil é, no Brasil, um verdadeiro Capital."

Pois saí do mercado, pedi demissão. Ufa!

fechar