Desnaturalizar a violência

por Camila Eiroa

No dia pela eliminação da violência contra a mulher, a cientista política Ilona Szabó fala sobre o aumento do homicídio de mulheres e as mudanças que o Estatuto do Desarmamento pode sofrer

"A cada dia, 13 mulheres são assassinadas no Brasil, o que faz de nosso país o quinto lugar mais violento do mundo para uma mulher viver", pontua Ilona Szabó, cientista política que desde 2003 luta pelo desarmamento e que acompanhou a coleta de armas de fogo. A questão do desarmamento influencia totalmente o número de mortes de mulheres no Mapa Mundial da Violência de 2015, lançado em novembro deste ano.

Desde 1999, o dia 25 de novembro foi instituído como o de luta pela eliminação total da violência contra a mulher. Por isso, foi lançado neste mês o relatório sobre a violência de gênero, também precedendo os 16 dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, que vai até 10 de dezembro. O mapa ainda reacende a discussão sobre a mudança do Estatuto do Desarmamento, que até então precisava de provas sobre a real necessidade do porte de armas.

Com 4.8 homicídios por 100 mil mulheres, o Brasil ocupa 5ª posição nos índices segundo a OMS

No entanto, está tramitando na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 3722/2012, que torna a venda, o porte e a posse de armas de fogo mais flexível em território nacional. "No ano que o Estatuto foi aprovado, inaugurou-se uma vertiginosa queda na taxa de homicídios de mulheres, que durou três anos. Projetos como esse ameaçam piorar ainda mais o quadro da violência de gênero", conta Ilona.

De 2003 a 2013, o número de vítimas do sexo feminino aumentou 21%

Caso o PL seja aprovado, qualquer indivíduo poderá ter até nove armas a partir de seus 21 anos. "Ainda entendemos pouco das dinâmicas específicas de crimes de gênero, mas sabemos que mais armas disponíveis se traduzem em crimes com maior potencial letal, além de sabermos que a maioria dos atentados contra a vida da mulher ocorrem dentro de casa. Uma maior regulação do porte de armas de fogo reflete diretamente nas estatísticas de homicídios de mulheres", reflete.

Para Ilona, "projetos como esse sempre existiram, mas só nesta atual conjuntura de crise política e de legitimidade do Congresso estão encontrando terreno fértil para prosperar. Um exemplo claro é o da redução da maioridade penal, que é de 1993 mas só agora foi posto para tramitar, com um êxito assustador. Movimentos de mulheres são muito necessários, principalmente devido à baixa representatividade nas esferas de poder".

Homicídio de mulheres negras: 1.864 em 2003 - 2.875 em 2013

Todos os dados do mapa são assustadores. Em 2013 foram mortas 4,8 mulheres a cada 100 mil - patamar nunca antes alcançado. As mulheres negras morrem mais. Enquanto houve uma redução no número de assassinatos de mulheres brancas, houve um crescimento de assassinatos de mulheres negras. Quase 50% das mortes envolvem armas de fogo e 41% aconteceram na casa da vítima.

Ilona acredita ser importante que as mulheres não se calem diante do aumento das estatísticas de violência e que se posicionem contra retrocessos. Para ela, há, sim, riscos reais de direitos já alcançados serem perdidos. "Não é só uma questão de desnaturalizar algo que era visto como normal; é também de visibilizar violências que mulheres sofrem todos os dias. Estamos abrindo conversas e quebrando silêncios importantes sobre comportamentos e situações inaceitáveis."

*Dados extraídos do Mapa da Violência 2015 - Homicídios de mulheres no Brasil

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